SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos marcos da trajetória de 50 anos da antropóloga Sylvia Caiuby Novaes como professora da USP foi levar as filhas, ao longo de três décadas, para suas pesquisas de campo na aldeia indígena Bororo, em Mato Grosso. Ela considera essa experiência vital para sua carreira e deixou um legado importante para Laura, 45, Isabel, 43, e Camila, 33.
A docente mulher mais longeva em atuação da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), da USP, afirma que tomar decisões difíceis após a maternidade é uma particularidade de pesquisadoras mulheres porque há uma necessidade complicada de escolher entre trabalhar ou ser mãe.
Ela optou pelas duas coisas. Apesar de na época ser casada com o pai das três filhas, um engenheiro aeronáutico, Sylvia viajava sozinha com elas.
“Não queria parar de fazer pesquisa de campo. Levá-las comigo foi uma excelente opção, uma experiência marcante para elas. Desfraldavam e viajávamos. Não foi uma escolha difícil. Difícil seria deixá-las aqui [em SP] e me mandar para viajar. Foi uma estratégia de sucesso que não me fez sentir culpa.”
Mas a história de Sylvia com a USP começou bem antes, em 1968, quando ela ingressou como aluna de ciências sociais na rua Maria Antônia, que então era cenário de protestos de alunos de diversas escolas e universidades contra a ditadura militar.
Ser docente nem passava pela cabeça da antropóloga quando se formou, em 1971. Ela viajou pelo mundo e, ao retornar, virou monitora na USP. Até que uma de suas professoras a convidou para lecionar antropologia. Sylvia, que até então só era bacharel, foi contratada como docente em 14 de março de 1974.
Naquele mesmo ano, ela iniciou suas pesquisas com o povo indígena Bororo. Anos depois, ela levou as filhas às aldeias do Garça e do Meruri, próximas à Barra do Garças, a 500 km de Cuiabá, e para a aldeia do Tadarimana, próxima a Rondonópolis.
Ao mergulhar na vida da aldeia com suas filhas, a professora adquiriu perspectiva diferenciada sobre a maternidade e os cuidados infantis entre os povos originários.
A servidora, que passou em concurso em 1990, observou como as mães indígenas lidavam com seus filhos, desde a resolução de conflitos até o ato de amamentar. As filhas se tornaram “mais uma” na aldeia.
Quando esteve com Laura, então com três anos, pela primeira vez em uma aldeia, Sylvia levou presentes para distribuir, mas a filha se sentiu isolada. Ela comprou brinquedos de plástico para a menina se distrair, que os compartilhou na tribo.
“A partir daí, ela não ficou mais sozinha. Brincava com todo mundo. Não há vida social sem troca. Esse foi um aprendizado maravilhoso.”
Sylvia também viajou três vezes à Etiópia com as filhas para pesquisas pela USP. Nesse meio tempo, fez pós-doutorado na Inglaterra e na Escócia. Também passou pelo Musée du Quai Branly, em Paris, e pela Universidade de Oxford.
Enquanto pesquisava feministas paquistanesas em Manchester, Sylvia foi convidada para o casamento da filha de uma delas. Ela levou suas três companheiras inseparáveis de viagem, uma câmera Hi8 e ali fez um filme intitulado “Um Casamento no Paquistão”, sobre os extensos rituais da cerimônia daquele país.
A professora menciona outro filme que produziu com colegas da universidade em 2014, “Fabrik Funk”, uma mistura documentário e ficção sobre o funk em Cidade Tiradentes, zona leste paulistana.
Sylvia fundou em 1991 o Lisa (Laboratório de Imagem e Som em Antropologia), um centro de pesquisa visual vinculado à FFLCH, da USP.
O Lisa tem acervo público sobre povos indígenas disponível a professores, estudantes, pesquisadores, indígenas e demais interessados. São 1.954 filmes, 24.500 imagens e 700 horas de registros sonoros, além de livros, teses e catálogos.
“São imagens gravadas há 30, 40, 50 anos. Agora, os próprios indígenas fazem suas gravações. Mas, décadas atrás, eram os antropólogos que desempenhavam esse papel. O acesso dessas comunidades às suas próprias representações é uma forma de empoderamento e preservação cultural.”
Para alcançar tantas metas, Sylvia afirma que realizou toda pesquisa que desejou em 50 anos de carreira, além da USP, com o apoio financeiro “crucial” da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). “Estabeleci um laboratório pioneiro, custoso, que se tornou um centro de excelência no Brasil.”
Ela também se anima ao falar de uma exposição e de filme que está produzindo sobre a história de três antropólogas estrangeiras de 93 anos que ela descreve como “mulheres maravilhosas”.
Prestes a se aposentar, em agosto próximo, quando completa 75 anos, a antropóloga alerta que o quadro da universidade precisa de mais professores. Atualmente, a USP tem na ativa 2.010 docentes mulheres e 3.304 homens.
A servidora diz que pretende continuar a repassar seu conhecimento antropológico para as próximas gerações como professora voluntária.
TATIANA CAVALCANTI / Folhapress