Com demanda em alta, indústria do salmão investe no aumento da capacidade para continuar crescendo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O salmão é um dos peixes mais consumidos do mundo. A Mordor Intelligence, empresa de análise e consultoria industrial, estima que o mercado global vai fechar 2024 avaliado em US$ 33,5 bilhões (R$ 192,85 bilhões) – e, até 2029, deve crescer 8,07% ao ano.

Embora não haja produção no Brasil, pois as diversas espécies de salmão são exclusivas de águas frias, já tem brasileiro abocanhando uma fatia desse lucrativo setor.

Desde 2021, a Huon Aquaculture, uma das três maiores fazendas de criação de salmão da Austrália, pertence à JBS. Em julho deste ano, a empresa anunciou que vai investir o equivalente a R$ 419 milhões, a partir de 2025, o que fará mais do que dobrar sua capacidade.

Criada nos anos 1960 pela Noruega, atualmente o maior produtor mundial, a técnica da criação de salmão em cativeiro surgiu como uma alternativa capaz de suprir a crescente demanda mundial –e se disseminou mundo afora.

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), metade de todo o salmão consumido no planeta já vem do cultivo. Escócia, Irlanda, Noruega, Estados Unidos, Canadá, Chile e Austrália já têm suas fazendas marinhas, setor dominado por grandes multinacionais.

O Chile, principal fornecedor do Brasil, responde por 14% da produção de cativeiro de todo o mundo. Segundo Melanie Whatmore, gerente da Salmón de Chile, o país produziu 1.077.936 toneladas de peixes, em 2023.

Pouco mais de 10% da produção chilena veio direto para cá. O Brasil é o terceiro maior comprador de salmão chileno, atrás dos Estados Unidos e do Japão.

O potencial do mercado brasileiro fez com que os produtores chilenos investissem pesado na divulgação do peixe cor-de-rosa por aqui. Há 12 anos, a Salmón de Chile conduz uma campanha de marketing agressiva, com a participação de chefs de cozinha, influenciadores, nutricionistas e médicos, que ressaltam o sabor e as propriedades nutricionais do peixe.

“Em apenas quatro dias, nosso salmão sai da planta e chega fresco ao Brasil. O brasileiro valoriza o frescor, que associa a saúde, nutrição e boa qualidade”, afirma Whatmore.

Ambientalistas têm outro ponto de vista –em vários países, as fazendas de criação de salmão colecionam polêmicas. No Chile, o aumento da capacidade dos criatórios está no alvo da Oceana, organização internacional voltada para a conservação dos oceanos.

De acordo com Liesbeth Van Der Meer, doutora em medicina veterinária e vice-presidente do braço chileno da entidade, a superpopulação de peixes está provocando a disseminação de enfermidades e poluindo o ambiente marinho.

Fugas eventuais também põem a biodiversidade em risco, ela emenda. Em 2018, segundo Van Der Meer, 690 mil peixes escaparam das redes, se reproduziram no ambiente natural de forma desordenada e acabaram com o estoque de pequenos peixes, sua principal fonte de alimento.

Ela também rebate o argumento de que o pescado que vem do Chile é saudável. “O salmão selvagem só tem aquela cor porque come crustáceos. Nas fazendas de cultivo, a ração tem corante artificial.”

A Salmón de Chile reconhece a fuga ocorrida em 2018, mas Melanie Whatmore garante que os produtores atuam sob controle rígido. “De todas as proteínas, somos a indústria mais regulada, e não só pelo governo do Chile. Mais de 90% da produção é certificada internacionalmente, para que se possa exportar.”

As polêmicas não são exclusividade dos criatórios chilenos. Produzida este ano e lançada pela Netflix, a minissérie norueguesa “Ilha de peixe grande” tem como tema os problemas ambientais enfrentados por uma gigante do cultivo de salmão na Noruega. A trama é ficção, mas alguns dos temas abordados, como a fuga em massa que a empresa tenta esconder da opinião pública, são reais.

EXPLOSIVOS PARA AFASTAR PREDADORES MATAM LEÕES MARINHOS

Na Austrália, no estado insular da Tasmânia, que produziu pouco mais de 74 toneladas de salmão no ano fiscal 2022/2023, a questão ambiental é outra. As três empresas que operam na ilha (Petuna, Tassal e Huon) têm permissão legal para usar explosivos subaquáticos, os chamados “crackers”, para afastar focas e leões-marinhos que, volta e meia, tentam invadir as redes para roubar o almoço. Mas são recorrentes as denúncias de mortes acidentais.

De acordo com relatório do Departamento de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Tasmânia, a Huon, que pertence à JBS, foi a que mais usou explosivos entre 2021 e 2023. Em 2024, de janeiro a junho, a empresa foi responsável pela morte de um golfinho e três leões-marinhos, liderando a lista de acidentes com animais de grande porte.

Procurada pela Folha, a JBS, através de sua assessoria de imprensa, informou que o recurso “é o único equipamento de dissuasão aprovado para afastar focas agressivas dos tanques, garantindo a segurança dos trabalhadores”. A empresa afirma que o uso foi reduzido em 78%, desde 2021, e que está pesquisando novas tecnologias e empresas para encontrar alternativas aos “crackers”.

O salmão produzido na Tasmânia não chega ao Brasil. É consumido na Austrália, na China, no Japão, no Vietnã e na Indonésia.

Existe meio sustentável de criar salmões em cativeiro? Para a Oceana, a resposta é sim –mas a solução, defende Liesbeth Van Der Meer, depende de regras mais rígidas, de mais transparência por parte dos produtores e, principalmente, pela redução significativa da capacidade dos criatórios.

“Penso que, no Chile, o limite seria produzir 400 mil toneladas anuais. Mas nós triplicamos esse volume. Todos os estudos são direcionados para que os salmões cresçam mais, engordem mais, adoeçam menos, mas não se fazem estudos sobre o impacto ambiental, que tem sido inevitável”, diz Van der Meer.

Na Austrália, a Huon aposta nas estruturas terrestres, que funcionam como berçários de água doce para os peixes e reduzem o impacto dos criatórios sobre o oceano.

“Cultivando peixes maiores em terra, reduzimos a quantidade de tempo que nosso salmão passa no ambiente marinho”, afirma o presidente da Huon, Henrique Batista.

Somente uma pequena parte do salmão consumido no Brasil não vem de criatórios. Em 2023, importamos 642 toneladas de salmão selvagem do Alasca, nos EUA, peixes que vêm de lá congelados.

Embora a sustentabilidade seja a principal bandeira dos produtores de salmão selvagem do hemisfério Norte, onde os cardumes vivem no habitat natural e são pescados através de métodos tradicionais, como anzol e rede de cerco, a luz amarela já se acendeu.

No Canadá, por exemplo, relatório da Fundação do Salmão do Pacífico, de 2024, demonstra que a população de peixes está em declínio em 70% das regiões produtoras. Parte da culpa é das alterações climáticas -a água do mar está aquecendo até três vezes mais rápido do que a média global, uma ameaça à reprodução dos cardumes.

Reduzir a demanda pelo salmão, aponta Liesbeth Van Der Meer, seja qual for a origem, pode ser a única saída ambientalmente viável. “Acho que salmão é como Coca-Cola. Alguém precisa dela para viver?”

FLÁVIA G. PINHO / Folhapress

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