RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – O anúncio do câncer de Kate Middleton, 42, a princesa de Gales, soou o alerta para um fenômeno que vem preocupando especialistas no Brasil e no mundo na última década: o aumento dos casos de câncer em adultos jovens. A doença foi descoberta após uma cirurgia abdominal realizada pela princesa, mas o tipo de câncer não foi divulgado.
Um levantamento da ACS (American Cancer Society) apontou que o número de pessoas com menos de 55 anos diagnosticadas com câncer colorretal quase dobrou nos Estados Unidos nos últimos dez anos.
No Brasil, monitoramento do Inca (Instituto Nacional de Câncer) indica que cólon e reto são a segunda área mais afetada por neoplasia, tanto para homens quanto para mulheres, ficando atrás apenas dos tumores de mama, nelas, e de próstata, neles. Dos 704.080 casos da doença registrados no país até julho de 2023, 45.630 (6,5%) foram na região colorretal.
O médico Daniel Musse, oncologista clínico da Oncologia DOr, afirma que a literatura médica dos últimos 30 anos tem confirmado o crescimento do câncer em pacientes com menos de 50 anos e que alguns estudos indicam crescimento de até 80% nos casos deste grupo.
Os tipos mais presentes nessa faixa etária, segundo o médico, são os de intestino, seguidos pelos de mama, tireoide, melanoma, hematológicos (linfomas e leucemias) e colo de útero. As causas do aumento, contudo, não estão bem definidas.
“Ainda não há entendimento completo sobre o que está causando esse aumento dos casos em jovens. Essa população tem maior taxa de alterações hereditárias, que podem ser detectadas em testes no DNA, contudo os casos hereditários não são maioria”, reforça Musse.
A médica Maria Ignez Braghiroli, oncologista clínica integrante do comitê de tumores do trato digestivo da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, afirma que essa tendência de aumento entre adultos jovens tem sido observada globalmente. “E, em se tratando de tumores do trato digestivo, o câncer de cólon é mesmo o protagonista”, diz a médica.
Braghiroli frisa que o número geral de casos de câncer vem declinando ao longo das décadas em outros grupos, mas que, para indivíduos abaixo de 50 anos, a curva é ascendente.
“Diversas instituições hoje recomendam que o rastreamento seja iniciado aos 45 anos para a população global, exceto em casos específicos de predisposição pessoal ou familiar [nos quais deve ser feito ainda mais cedo]”, aponta a oncologista.
O diagnóstico precoce é essencial para o tratamento e aumenta significativamente as chances de sobrevivência do paciente. A ACS relata, entretanto, que apesar da queda da mortalidade de 3% a 4% para 2% na última década, o número de indivíduos norte-americanos diagnosticados com câncer colorretal em estágio avançado aumentou 8% entre 2000 e 2019.
E em pessoas com menos de 55 anos, o índice da doença subiu de 11% em 1995 para 20% em 2019, o que equivale a 1 afetado para cada 5 indivíduos nessa idade.
Mesmo considerando-se os fatores genéticos, causadores de neoplasias como a síndrome de Lynch, a suspeita é que fatores ambientais sejam os principais causadores desse aumento. Obesidade, sedentarismo e dieta com alto consumo de açúcar estão entre os fatores suspeitos de agravarem o problema no mundo.
“A pergunta [que devemos fazer] é qual a participação nesse aumento de fatores ambientais, como alimentação, sedentarismo e [uso] de outras substâncias”, destaca Musse.
A ACS estima que, dos 153.020 novos diagnósticos de câncer colorretal (CCR) feitos nos EUA em 2023, quase um terço (52.550) dos pacientes morrerá da doença, incluindo 3.750 indivíduos com menos de 50 anos.
Embora no Brasil o câncer de cólon e reto ainda seja maior entre mulheres (23.660 mil casos entre elas, para 21.970 entre eles em 2023), nos EUA a taxa de incidência do problema é maior entre homens (41,5 por 100 mil no grupo masculino para 31,2 por 100 mil no feminino). Os autores do estudo da ACS acreditam que os resultados estão ligados à prevalência de fatores de risco como excesso de peso corporal e consumo de carne processada.
“Hoje a medicina ainda encontra um desafio em detectar tumores fora da faixa etária mais comum [acima de 65 anos] ou antes da idade de início dos exames de rastreio”, afirma Musse. O combate a esse aumento do câncer na faixa abaixo de 50 anos passa pela ampliação do rastreio precoce.
“Há o entendimento de que essa população mais jovem necessita de avaliação personalizada. De maneira geral, pacientes mais jovens tendem a ter tumores mais agressivos e recebem com mais frequência quimioterapia para prevenir o retorno da doença”, acrescenta Musse.
Outra orientação é que as pessoas procurem um médico sempre que houver algum sintoma que não melhora ou que aumenta com o passar do tempo isso vale para dores, alteração dos hábitos do intestino, palpação de algum nódulo ou perda de peso sem explicação.
No caso de problemas localizados no intestino, Braghiroli conta que o tratamento principal ainda é a cirurgia, mas que em alguns casos a quimioterapia é oferecida após o procedimento com o intuito de aumentar as chances de cura.
“Este mesmo raciocínio [cirurgia seguida de quimioterapia] pode ser utilizado para outros órgãos do trato digestivo, como em tumores malignos do estômago e pâncreas, entre outros. Mas dito isso, cada doença tem as suas peculiaridades”, lembra a médica.
Os especialistas ressaltam que a oncologia também vem evoluindo. Musse diz que a investigação de sinais em estágio inicial, aconselhamento médico quanto à redução dos riscos hereditários e indicação de novos tratamentos (mais eficazes e potentes) devem melhorar o cenário nos próximos anos.
No caso de pacientes abaixo de 50 anos, Braghiroli lembra que o corpo mais jovem tolera melhor procedimentos cirúrgicos e tende a ter menos complicações, o que é positivo. “Pelo fato de ser [uma população] ativa e praticar exercícios, a expectativa [para pacientes desse grupo] é que se recuperem mais rápido e tolerem melhor a quimioterapia”, reforça a oncologista.
DANIELLE CASTRO / Folhapress