SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pausou o envio de armas para Israel na semana passada para evitar que armas americanas sejam usadas em um possível ataque à cidade de Rafah, disseram autoridades do governo nesta terça-feira (7) ao jornal The New York Times. A suspensão é um novo sinal da crescente divisão entre Washington e Tel Aviv.
O presidente reteve 1.800 bombas de 907 quilos e 1.700 bombas de 226 quilos que, temia ele, poderiam ser lançadas sobre Rafah, para onde mais de 1 milhão de moradores na Faixa de Gaza se deslocaram. O governo está revisando se deve reter futuras transferências, incluindo kits de orientação que convertem as chamadas “bombas burras” em munições de precisão.
Trata-se da primeira vez que Biden restringiu armas para influenciar Israel na guerra desde o ataque terrorista liderado pelo Hamas em 7 de outubro, que desencadeou o conflito. Antes, democratas no Congresso pediram durante semanas a interrupção dos envios ao país aliado, algo que o presidente havia se recusado a fazer até agora em razão de seu apoio ao esforço para destruir o Hamas.
Em uma das falas mais duras contra o aliado até aqui, Biden disse nesta quarta-feira (8) que bombas entregues a Israel pelos EUA vem sendo usadas para matar civis, e que Tel Aviv não terá o apoio de Washington se invadir Rafah.
Autoridades israelenses haviam mencionado a pausa nas armas ao site de notícias americano Axios no início da semana, mas autoridades dos EUA se recusaram a confirmar a informação em comunicados ou sob anonimato até a noite de terça.
O fato de finalmente se manifestarem indica crescente frustração em relação aos israelenses, que não estariam ouvindo os alertas de que uma operação em Rafah poderia causar um grande número de vítimas civis. A confirmação aconteceu horas depois de Israel enviar tanques para a cidade no sul de Gaza.
Nesta quarta, em entrevista à mídia local, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel tentou minimizar o impacto da decisão e disse que quaisquer divergências entre Tel Aviv e Washington seriam resolvidas “a portas fechadas”.
“Somos responsáveis pelos interesses de segurança de Israel e prestamos atenção aos interesses dos EUA na arena”, disse Daniel Hagari, reforçando que que o nível de cooperação com os EUA atingiu um “um nível sem precedentes na história”.
Um funcionário dos EUA disse que o governo começou a revisar os envios de armas no mês passado, quando ficou claro que Israel parecia estar chegando a uma decisão sobre a invasão de Rafah. Biden inicialmente tomou a posição de que Israel não deveria atacar a cidade sem uma estratégia para minimizar o número de vítimas civis, mas, nas últimas semanas, a Casa Branca indicou que não acreditava na possibilidade de tal plano.
Tel Aviv não deixou claro quando iniciará a prometida operação terrestre em Rafah, como fez nas demais regiões do território palestino, mas suas ações nos últimos dias indicam a iminência da ofensiva. As forças israelenses bombardearam alvos nas áreas de fronteira em resposta a um ataque do Hamas que matou quatro soldados no fim de semana, depois ordenaram a retirada de 110 mil civis da cidade e tomaram a passagem homônima com envio de tanques um movimento que Israel chama de “operação contraterrorismo”.
Em audiência no Senado nesta quarta-feira, o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, reforçou a posição da Casa Branca para embasar a pausa nos envios. “Fomos muito claros desde o início [ao afirmar] que Israel não deveria lançar um grande ataque a Rafah sem prestar contas e sem proteger os civis que estão naquele espaço de batalha”, disse.
Criticado por senadores da oposição, Austin fez a ressalva de que o governo ainda não tomou uma decisão final sobre o que fazer com o carregamento paralisado. Na prática, porém, Washington não suspendeu o envio de todas as armas para Israel, e autoridades disseram que a gestão acabara de aprovar a última parcela de ajuda no valor de US$ 827 milhões em armas e equipamentos e pretendia enviar “cada dólar” da verba recém-aprovada pelo Congresso.
Biden não mencionou sua decisão de reter as bombas durante um discurso em uma cerimônia em memória do Holocausto na terça, mas reafirmou seu apoio a Israel. “Meu compromisso com a segurança do povo judeu, a segurança de Israel e seu direito de existir como um Estado judeu independente é inabalável, mesmo quando discordamos”, disse o presidente.
A tensão entre Biden e o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, tem crescido constantemente nos últimos meses. Há um mês, durante uma conversa por telefone, o americano ameaçou pela primeira vez repensar o apoio dos EUA à guerra se Netanyahu não mudasse sua conduta. Embora Biden não tenha dito explicitamente que limitaria ou cortaria o fornecimento de armas, essa era uma possibilidade implícita.
Desde então, a Casa Branca afirmou que Israel reagiu às demandas do presidente ao se empenhar para facilitar a ajuda humanitária. Mas as divergências sobre uma possível operação em Rafah permaneceram sem solução. Autoridades israelenses foram a Washington para discutir seus planos para o ataque, mas não deixaram claro como evitariam uma grande quantidade de mortes de civis.
Autoridades americanas disseram a seus homólogos israelenses que não poderiam repetir a mesma abordagem que usaram no norte de Gaza, o que levou a pesadas baixas e devastou grande parte do território. Quase 35 mil pessoas, incluindo combatentes e civis, foram mortas nos sete meses de guerra, de acordo com o Ministério da Saúde de local, controlado pelo Hamas.
Israel depende dos EUA para armar seu Exército, especialmente para baterias de defesa aérea como as usadas para derrubar quase todos os mais de 300 mísseis e drones disparados pelo Irã no mês passado. A defesa bem-sucedida destacou quão essencial tem sido a ajuda americana para a segurança de Israel.
A pausa nas bombas ocorre no momento em que o secretário de Estado, Antony Blinken, prepara a apresentação de um relatório ao Congresso avaliando se Israel usou armas americanas respeitando a lei americana e internacional.
O aguardado documento poderia preparar o terreno para um acirrado debate sobre a responsabilidade americana no conflito em Gaza, que já provocou protestos generalizados em campi universitários. Uma constatação de que Israel violou o direito internacional aumentaria exponencialmente a pressão sobre Biden para restringir ainda mais o apoio militar, enquanto uma constatação de que Tel Aviv conduziu sua guerra legalmente alimentaria protestos e geraria mais reclamações dos democratas do Congresso.
Redação / Folhapress