SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A gestão Ricardo Nunes (MDB) divulgou em seu site dados inflados de regularização fundiária no ano eleitoral, assunto que é uma das vitrines da pré-campanha do prefeito.
A administração divulgou que havia entregado mais de 100 mil certidões de regularização de imóveis na capital paulista. No entanto, documentos obtidos pela Folha de S.Paulo mostravam que a maioria dos casos se tratava de etapas burocráticas ainda longe da real entrega aos moradores.
Questionada, a gestão afirmou que beneficiou mais de 121 mil pessoas com procedimentos de regularização fundiária e nega uso eleitoral do assunto.
Recentemente, o prefeito chegou a participar de um evento no estádio do Canindé (zona norte) para a entrega de mais de 14 mil certificados, ao lado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). A questão da habitação é uma das frentes de batalha de Nunes na tentativa de reeleição contra seu principal adversário, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), ligado a movimento sem-teto.
Uma planilha obtida pela reportagem que listava o estágio de cada um dos casos de regularização fundiária na cidade mostrava que, de cerca de 92 mil famílias beneficiadas, pouco mais de 20 mil se referia às duas etapas finais do processo, que são a emissão dos certificados (18.246 registros) e das matrículas (2.225 títulos).
Os números que vinham sendo divulgados no site da prefeitura como “entregues” incluem estágios iniciais como classificação, definição de estratégia de regularização e notificação dos titulares de domínio.
A meta da gestão é mais genérica e fala em beneficiar 220 mil pessoas com regularização fundiária.
O secretário de Planejamento e Entregas Prioritárias, Fernando Chucre, cita um provável “equívoco na comunicação” como responsável pelo uso do termo que dá a entender que os títulos foram entregues.
Ele afirmou à reportagem que o número atualizado de títulos efetivamente entregues é de 39.649 e que a expectativa é até o fim do ano dobrar essa quantidade.
Em um ano, entre 2022 e 2023, o indicador do plano de metas da prefeitura (de procedimentos de regularização fundiária, não só entregas) subiu de 19 mil para os mais de 121 mil atuais. O salto ocorreu, segundo o secretário, devido ao fim de imbróglio que permitiu a empresas contratadas para fazer o serviço de fato atuarem.
Apesar do atraso devido ao contrato sub judice, a gestão espera chegar perto da meta até o fim do ano, atingindo entre 180 mil e 200 mil beneficiados.
Chucre afirma que em um eventual novo plano de metas, em uma nova gestão, poderia haver um ajuste para deixar mais claro o que são procedimentos e o que foi finalizado.
Pela métrica atual do plano de metas, mesmo que a pessoa não veja ainda qualquer melhoria na vida prática, ela acaba contando como alguém que foi beneficiada no painel online que monitora esses compromissos.
A administração, no entanto, vinha tratando em seu material noticioso um tom acima disso, isto é, como se essas pessoas fossem legalmente donas de suas residências.
Um exemplo disso pode ser visto na divulgação da entrega de 14 mil certificados, ao lado do governador, neste mês. O texto publicado no site da gestão afirmava que “essas certidões se somam às mais de 100 mil já entregues pela Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) desde 2021”.
Após a reportagem questionar a prefeitura sobre o assunto, o texto foi reescrito com a afirmação de que a gestão “desde 2021 já beneficiou mais de 110 mil famílias com procedimentos de regularização fundiária”.
Em texto do fim do ano passado, a gestão afirmava que “até o final de 2023, 100 mil famílias na capital paulista terão a oportunidade de sair da irregularidade e receber as matrículas de seus imóveis e passarem ser legalmente proprietárias de suas casas”.
As informações dessas notícias geralmente são usadas pela imprensa como dado oficial, seja na época dos fatos ou posteriormente para fiscalizar promessas de uma gestão.
A planilha à qual Folha teve acesso é usada em processos internos da Sehab (Secretaria Municipal de Habitação), enviada pela Coordenadoria de Regularização Fundiária.
Analisando os processos em questão, é possível ver que alguns deles se encontram em estágio bastante acanhado.
O relatório de regularização de um loteamento no Jardim Carumbé, na zona norte de São Paulo, por exemplo, traz diversas lacunas sem preenchimento.
No espaço para uma planilha com os títulos de propriedade que envolvem o loteamento, por exemplo, há trechos como o seguinte: “Espaço Livre da Rua XXXXX (Atual Rua XXXXX)”.
Na planilha obtida pela reportagem, consta que o processo está na fase 1b, de definição de estratégias, assim como áreas que totalizam moradias de 57 mil famílias.
A reportagem questionou a prefeitura sobre o relatório do Jardim Carumbé, que afirmou que se trata de um documento preliminar.
“A finalidade do estudo é apresentar diagnóstico do núcleo urbano e propor um plano de ação para a regularização fundiária, atitude que pauta o trabalho desta gestão”, diz a administração em nota.
A gestão Nunes afirmou que “não há qualquer manipulação de números com viés eleitoral” e que “as informações fornecidas pela administração pública refletem a realidade dos serviços prestados”.
ARTUR RODRIGUES / Folhapress