Indonésia, que vai às urnas nesta semana, tem desafio de diminuir carvão e desmatamento

JACARTA, INDONÉSIA (FOLHAPRESS) – Um dos países mais populosos do mundo, a Indonésia vai às urnas na próxima quarta-feira (14) para escolher um novo presidente. O resultado da eleição será importante no cenário de luta contra as mudanças climáticas, já que o país é o terceiro maior produtor mundial de carvão e abriga uma das maiores florestas tropicais do planeta.

É possível ver sinais destas características superlativas na capital, Jacarta. Em meio aos prédios altos e ao trânsito caótico típico de uma metrópole, estão salpicadas árvores frondosas, com flores que perfumam o ar ao redor com um cheiro doce. Ao mesmo tempo, especialmente em dias secos, uma grossa camada de poluição provocada pela queima de combustíveis fósseis e de lixo turva a paisagem e incomoda os olhos.

A nação do Sudeste Asiático é um bom exemplo para retratar os desafios de um país emergente que precisa fazer a transição energética, ao mesmo tempo que deve conservar a floresta e possibilitar o desenvolvimento econômico.

A maioria de sua energia vem de combustíveis fósseis, liderada pelo carvão (30,3%), seguida de petróleo (28,9%) e gás natural (14,4%), segundo dados de 2021 da AIE (Agência Internacional de Energia). Considerando apenas a energia elétrica, a dependência do carvão fica ainda mais explícita, correspondendo a mais de 60% do total utilizado.

Para Marlistya Citraningrum, gerente do programa de acesso à energia sustentável da ONG indonésia IESR (Instituto de Reforma dos Serviços Essenciais), a maior dificuldade para a transição energética é se livrar do “vício em carvão”, que é o mais poluente de todos os combustíveis fósseis.

“A Indonésia é uma economia emergente que procura subir na hierarquia —como prometeu o atual presidente, Joko Widodo no início do seu mandato [em 2014]”, diz a especialista, acrescentando que atualmente o país tem um crescimento econômico anual inferior a 5%.

Ela conta que desde o mandato do presidente anterior, Susilo Bambang Yudhoyono, que governou de 2004 a 2014, o país vem investindo pesadamente em centrais elétricas a carvão para ampliar o acesso da população à energia. Segundo dados da plataforma Mapbiomas Indonésia, as minas de carvão aumentaram 334% de 2000 a 2022.

“Quase 20 anos depois, a Indonésia está viciada no carvão e a transição energética passou lentamente a fazer parte do discurso energético dominante [aproximadamente desde 2018], mas as políticas e a implementação são ainda mais lentas”, afirma Citraningrum.

Além da segurança energética, o carvão e o gás também são importantes para a economia indonésia, representando quase 20% das exportações, enquanto os royalties do carvão foram a origem de cerca de 3% das receitas do governo em 2021.

“A questão da Indonésia não é necessariamente técnico-econômica”, opina Agus Sari, um dos autores do relatório mais recente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), vinculado à ONU. “É uma questão de política e de economia política”.

“Como acontece em muitos outros países em desenvolvimento, aqueles que definem as políticas públicas normalmente ou têm uma central elétrica a carvão ou minas de carvão. Ou suas campanhas políticas são financiadas pelas mineradoras de carvão. E, assim, não é fácil para eles dizerem, ‘vamos deixar o carvão de lado e adotar as energias renováveis'”, explica.

Além disso, a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa do país é o desmatamento.

Apesar de uma redução substancial no desmate na última década, a derrubada da floresta —associada principalmente à produção de commodities de origem agrícola, como óleo de palma, celulose, madeira, borracha, café e cacau— representa 33,8% do total de carbono emitido no país.

A energia corresponde a 44% das emissões e a agricultura, a 10,4%.

“A Indonésia precisa de ser capaz de dizer que já basta. Que vamos parar de cortar mais florestas e iremos apenas utilizar áreas que já estão abertas, usá-las o máximo possível. Intensificar [a produtividade] em vez de expandir [a área desmatada]”, afirma Sari. “Já somos o maior produtor de óleo de palma do mundo. Por que deveríamos continuar abrindo mais áreas?”

Abordado superficialmente nas campanhas políticas dos três candidatos à Presidência, o tema da crise climática não parece ser nem um assunto polarizador nem decisivo para esta eleição.

Estão concorrendo Ganjar Pranowo, que pertence ao maior partido do país, e o independente Anies Baswedan, ambos ex-governadores na casa dos 50 anos, e o ministro da Defesa, Prabowo Subianto, um ex-comandante das forças armadas de 72 anos que faz uma terceira tentativa de chegar à Presidência e lidera as pesquisas de intenção de voto.

O atual presidente, Joko Widodo (conhecido como Jokowi) já governou por uma década e, por isso, não pode concorrer à reeleição.

“Eu diria que nenhum deles leva realmente a sério a transição energética ou as mudanças climáticas”, afirma Sari, que diz acreditar que Baswedan é o melhor informado sobre o assunto, enquanto Subianto é o mais comprometido com a indústria do carvão.

“Nos planos de governo, Baswedan assume a posição mais forte em relação às ações climáticas dentro do conceito de ‘justiça’ —diferenciando-os dos outros dois, que se inclinam mais para o desenvolvimento econômico. Todos os três candidatos mencionam explicitamente a eliminação progressiva do carvão”, analisa Marlistya Citraningrum, do IESR.

Ela acrescenta que apenas dois presidenciáveis têm metas de energia renovável: Baswedan, com uma parcela de 22% a 25% de energias renováveis na geração de eletricidade até 2029, e Pranowo, com 25% a 30% de energias renováveis na matriz energética total até 2029.

Já o grupo de Subianto parece perceber as questões climáticas e energéticas do ponto de vista empresarial e de soberania, em conformidade com a política adotada por Jokowi, analisa ela.

“A sua principal escolha renovável é a bioenergia, incluindo o biodiesel e o biocombustível de aviação, e refere-se a outras energias renováveis como ‘energia verde alternativa’. Isto é preocupante devido ao histórico ruim de conflito fundiário na Indonésia e ao aumento do desmatamento”, explica a pesquisadora.

No entanto, especialistas apontam que os potenciais para fontes renováveis no país vão muito além dessas possibilidades.

“A utilização de energia renovável na Indonésia é tão mínima que a oportunidade de usá-la é simplesmente enorme”, ressalta Sari, que também é presidente da Landscape Indonesia, uma consultoria ambiental e de recursos naturais.

“A maior oportunidade é com energia solar”, diz. Por seu um país tropical, não falta incidência de luz solar, tampouco falta espaço para instalar as placas, seja em terra ou na água. “Com a nova tecnologia para painéis solares flutuantes, como 70% da água do nosso país é água do oceano, é fácil cobrir o mar com painéis solares”.

No ano passado, foi inaugurada uma planta flutuante de energia solar no reservatório de uma hidrelétrica na ilha de Java, a terceira maior deste tipo no mundo. O empreendimento é uma parceria da empresa estatal de energia indonésia com a estatal Masdar, dos Emirados Árabes.

Outras fontes promissoras, segundo o pesquisador, seriam a geotérmica e a hidrelétrica.

A Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) aponta que, embora existam planos de eliminação progressiva do carvão no país, ainda não foram tomadas medidas concretas para a sua implementação.

O governo indonésio chegou a estabelecer metas de ter 23% de participação renovável na sua matriz energética até 2025 e 31% até 2050, mas mais tarde reduziu a ambição, colocando o objetivo de apenas 17% a 19% da matriz renovável até 2025. Apesar disso, o Ministério da Energia não abandonou a meta de ter 70% de energias renováveis até 2060.

Um decreto de Jokowi de 2022 proibiu o desenvolvimento de novas usinas elétricas a carvão —exceto para aquelas já incluídas no plano de desenvolvimento da concessionária estatal, a PLN. Essa norma exige que o Ministério da Energia e Recursos Minerais elabore um roteiro para o encerramento antecipado das centrais elétricas a carvão existentes.

Tanto a pasta da Energia quanto a chefia da Parceria de Transição Energética Justa da Indonésia foram procurados pela reportagem para tratar do andamento dos planos de abandono dos fósseis, mas não responderam.

A análise da Irena afirma ainda que a participação das energias renováveis na matriz energética da Indonésia foi de 13% no ano passado, crescendo apenas cerca de 0,5% anualmente nos últimos cinco anos.

Em contraste, o vizinho Vietnã conseguiu ultrapassar a meta do seu plano de desenvolvimento energético de instalar 6 GW de energia solar e eólica até 2025, atingindo surpreendentes 21,8 GW de energia solar e eólica em 2023.

A repórter viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores da Indonésia.

JÉSSICA MAES / Folhapress

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