DUBAI, EMIRADOS ÁRABES UNIDOS (FOLHAPRESS) – Em dois discursos nesta sexta (1º), na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrou compromissos climáticos mais ambiciosos dos países participantes, criticou o dinheiro dispensado em guerras e a falta de compromisso em seguir os protocolos climáticos já acertados anteriormente.
Lula disse que é preciso “trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”.
Nesta quinta-feira (30), porém, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sinalizou o interesse do Brasil em aceitar convite para ingressar na Opep+, grupo que funciona como um cartel dos petróleos de petróleo. O Palácio do Planalto afirma que a proposta está em análise.
Para especialistas em clima, a adesão ao grupo seria um contrassenso com a imagem de potência ambiental que o Brasil procura construir. Na quarta (29), em visita a Riad, Lula disse que o Brasil vai ser “a Arábia Saudita da energia verde”.
No segundo discurso, realizado na plenária do evento por volta das 15h30 (8h30 no Brasil), Lula afirmou que “temos um problema coletivo de inação, outro de falta de ambição”. “As NDCs atuais não estão sendo implementadas no ritmo esperado”, disse.
NDC, sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, é a metas de cada país proposta no Acordo de Paris. Segundo Lula, “o Brasil ajustou sua NDC e se comprometeu a reduzir 48% das emissões até 2025 e 53% até 2030, além de atingir neutralidade climática até 2050”.
“Nossa NDC é mais ambiciosa do que a de vários países que poluem a atmosfera desde a revolução industrial no século 20”, afirmou.
O ajuste da NDC do Brasil, no entanto, apenas corrigiu uma “pedalada” feita pelo governo Bolsonaro, e a meta climática brasileira voltou ao nível da proposta em 2015, sem que houvesse um aumento real da ambição de cortes nos gases de efeito estufa do Brasil.
Lula disse também ser “inaceitável que a promessa de US$ 100 bilhões por ano assumida pelos países desenvolvidos não saia do papel enquanto, só em 2021, os gastos militares chegaram a US$ 2 trilhões e US$ 200 bilhões.”
No discurso feito na cerimônia de abertura, Lula já havia citado o custo das guerras. “Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo crianças e mulheres famintas?”.
Ele também criticou a ONU e cobrou que os países cumpram o prometido anteriormente. “É preciso resgatar a crença no multilateralismo. É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra. É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto (1997) ou os Acordos de Paris (2015) não sejam implementados.”
O plano de ação para limitar o aquecimento global do Acordo de Paris inclui manter o aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2°C em relação aos níveis pré-industriais e em tentar limitar o aumento a 1,5°C.
Já o Protocolo de Kyoto foi o primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Entre suas metas, estabelecia a redução de 5,2% na emissão de poluentes em relação a 1990, principalmente por parte dos países industrializados.
A agenda do presidente inclui também uma série de reuniões bilaterais, entre outras atividades. Ao todo, estavam previstos 26 compromissos num intervalo de 32 horas. Mas, pela manhã, um encontro com o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, acabou cancelado. Pela noite, não aconteceu a comnversa com o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali. A assessoria da presidência não soube explicar as razões até o momento de publicação deste texto.
Outras bilaterais foram realizadas nesta sexta. Com o presidente do Estado de Israel, Isaac Herzog, Lula conversou sobre a questão dos reféns da guerra que o país atualmente trava com o grupo Hamas.
Na reunião com o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi discutido o papel do Brasil na presidência do G20 e como a ONU pode ajudar neste processo. Discutiu-se também o papel das instituições de governança global, e Lula ressaltou a importância de uma reforma na ONU, em especial do Conselho de Segurança.
Outro assunto foi o plano brasileiro que prevê um mecanismo de sustentação financeira a países que preservam suas florestas. Também participaram dessa conversa a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.
Com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, Lula discutiu o acordo Mercosul-UE e foi comentado que houve avanços significativos nas reuniões entre as equipes técnicas dos dois lados, em particular após a última ligação telefônica entre ambos, na segunda-feira da semana passada (20).
Ambos se comprometeram a dar continuidade às negociações até a próxima cúpula do Mercosul e, ao final discutiram o conflito no Oriente Médio.
O premiê da Espanha, Pedro Sánchez, foi o último do dia e ele também tratou com Lula sobre aspectos do acordo Mercosul-UE. Falaram ainda sobre a formação do governo da Espanha, cujo novo mandato Sánchez está iniciando agora.
Outro ponto do primeiro discurso de Lula nesta sexta-feira foi o combate à desigualdade em meio às mudanças climáticas. “A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres. O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial”, afirmou.
“Trabalhadores do campo, que têm suas lavouras de subsistência devastadas pela seca, e já não podem alimentar suas famílias. Moradores das periferias das grandes cidades, que perdem o pouco que têm quando a enchente arrasta tudo: casas, móveis, animais de estimação e seus próprios filhos.”
Também afirmou que “a injustiça que penaliza as gerações mais jovens é apenas uma das faces das desigualdades que nos afligem”. Para ele, “o mundo naturalizou disparidades inaceitáveis de renda, gênero e raça” e “não é possível enfrentar a mudança do clima sem combater as desigualdades.”
Lula iniciou o primeiro discurso citando a queniana Wangari Maathai, vencedora do prêmio Nobel da Paz em 2004. “Uma mulher africana sintetizou bem o dilema da humanidade em sua relação com a natureza. Disse ela: A geração que destrói o meio ambiente não é a geração que paga o preço.”
No segundo, finalizou citando uma lenda amazônica: “A mitologia indígena diz que o rio Amazonas nasceu das lágrimas da Lua. A Lua teve de abrir mão do seu amor pelo Sol para que a Terra não fosse destruída pelo calor. Se não deixarmos nossas diferenças de lado em nome de um bem maior, a vida no planeta estará em perigo. E será tarde demais para chorar.”
A cerimônia de abertura teve também discursos do secretário-geral da ONU, António Guterres, e do rei Charles 3º do Reino Unido, que falou logo antes de Lula.
Após o presidente do Brasil, houve fala da também brasileira Isabel Prestes da Fonseca, liderança indígena do povo munduruku que é cofundadora e diretora ambiental do Instituto Zag, dedicado ao reflorestamento.
A necessidade de proteger as araucárias e preservar o conhecimento tradicional dos povos indígenas foi o ponto central do discurso de Fonseca, que vive na Terra Indígena Xokleng Laklãnõ, em Santa Catarina. O processo de demarcação dessa terra foi o alvo da discussão do marco temporal de terras indígenas no STF (Supremo Tribunal Federal).
*
LEIA A ÍNTEGRA DOS DISCURSOS DE LULA
PELA TARDE (EM DUBAI), NA SESSÃO PLENÁRIA:
É uma grande responsabilidade estar aqui em Dubai hoje.
Estamos diante do que talvez seja o maior desafio já enfrentado pela humanidade.
Em vez de unir forças, o mundo trava guerras, alimenta divisões e aprofunda a pobreza e as desigualdades.
O caminho desta COP28 à COP30, no Brasil, ditará nosso futuro.
Aqui faremos o primeiro balanço global do Acordo de Paris.
Na COP 29, definiremos um novo objetivo quantificável de financiamento.
E em Belém formularemos nossas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).
O último relatório do IPCC é categórico sobre o perigo de um aumento na temperatura global superior a um grau e meio.
A meta do Acordo de Paris, de mantê-lo entre um grau e meio e dois, já é insuficiente para conter o aquecimento global em nível seguro.
Temos um problema coletivo de inação, outro de falta de ambição.
As NDCs atuais não estão sendo implementadas no ritmo esperado.
E, mesmo que estivessem, não conseguiriam manter a temperatura abaixo do limite de um grau e meio.
O Brasil ajustou sua NDC e se comprometeu a reduzir 48% das emissões até 2025 e 53% até 2030, além de atingir neutralidade climática até 2050.
Nossa NDC é mais ambiciosa do que a de vários países que poluem a atmosfera desde a revolução industrial no século XIX.
Mantemos o firme compromisso de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.
Já conseguimos reduzi-lo em quase 50% nos 10 primeiros meses deste ano, o que evitou a emissão de 250 milhões de toneladas de carbono na atmosfera.
Mas muitos países do Sul Global não terão condições de implementar suas NDCs, nem de assumir metas mais ambiciosas.
Os mais vulneráveis não podem ter que escolher entre combater a mudança do clima e combater a pobreza. Terão que fazer ambos.
O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas é inegociável.
Ameaçá-lo vai na contramão de qualquer noção básica de justiça climática.
Essa noção demanda que sejam cumpridas as obrigações de financiamento, de transferência de tecnologia.
É inaceitável que a promessa de 100 bilhões de dólares por ano assumida pelos países desenvolvidos não saia do papel enquanto, só em 2021, os gastos militares chegaram a 2 trilhões e 200 bilhões de dólares.
No Brasil, a emergência climática já é uma realidade.
A Amazônia está atravessando, neste momento, uma seca inédita.
O nível dos rios é o mais baixo em mais de 120 anos.
Nunca imaginei que veria isso no lugar onde estão os maiores reservatórios de água doce do mundo.
Mas o futuro da Amazônia não depende só dos amazônidas.
O desmatamento em todo mundo só responde por 10% das emissões globais.
Mesmo que não derrubemos mais nenhuma árvore, a Amazônia poderá atingir seu ponto de não-retorno se outros países não fizerem sua parte.
O aumento da temperatura global poderá desencadear um processo irreversível de savanização da Amazônia.
Os setores de energia, indústria e transporte emitem muitos gases do efeito estufa.
Temos que lidar com todas essas fontes.
É por isso que o Brasil está propondo a Missão 1.5 uma missão coletiva que vai nos manter na trilha do um grau e meio.
Nos dois anos até a COP30, será necessário redobrar os esforços para implementar as NDCs que assumimos.
E, em Belém, precisamos anunciar NDCs mais ousadas e garantir os meios de implementação necessários para concretizá-las.
Os países em desenvolvimento requerem incentivos positivos para promover medidas de ação climática alinhadas às suas prioridades de desenvolvimento.
A mitologia indígena diz que o rio Amazonas nasceu das lágrimas da Lua.
A Lua teve de abrir mão do seu amor pelo Sol para que a Terra não fosse destruída pelo calor.
Se não deixarmos nossas diferenças de lado em nome de um bem maior, a vida no planeta estará em perigo. E será tarde demais para chorar.
Muito obrigado.
PELA MANHÃ (EM DUBAI), NA ABERTURA DA CÚPULA DE LÍDERES NA COP28:
Uma mulher africana, a queniana Wangari Maathai, vencedora do prêmio Nobel da Paz, sintetizou bem o dilema da humanidade em sua relação com a natureza.
Disse ela: “A geração que destrói o meio ambiente não é a geração que paga o preço”.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas alertou que temos somente até o final desta década para evitar que a temperatura global ultrapasse um grau e meio acima dos níveis pré-industriais.
2023 já é o ano mais quente dos últimos 125 mil anos.
A humanidade sofre com secas, enchentes e ondas de calor cada vez mais extremas e frequentes.
No Norte do Brasil, a Amazônia amarga uma das mais trágicas secas de sua história. No Sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito de destruição e morte.
A ciência e a realidade nos mostram que desta vez a conta chegou antes.
O planeta já não espera para cobrar da próxima geração.
O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos.
De metas de redução de emissão de carbono negligenciadas.
Do auxílio financeiro aos países pobres que não chega.
De discursos eloquentes e vazios.
Precisamos de atitudes concretas.
Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?
Somente no ano passado, o mundo gastou mais de US$ 2 trilhões e 224 milhões de dólares em armas. Quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática.
Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo crianças e mulheres famintas?
A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres.
O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial.
Trabalhadores do campo, que têm suas lavouras de subsistência devastadas pela seca, e já não podem alimentar suas famílias.
Moradores das periferias das grandes cidades, que perdem o pouco que têm quando a enchente arrasta tudo: casas, móveis, animais de estimação e seus próprios filhos.
A injustiça que penaliza as gerações mais jovens é apenas uma das faces das desigualdades que nos afligem.
O mundo naturalizou disparidades inaceitáveis de renda, gênero e raça.
Não é possível enfrentar a mudança do clima sem combater as desigualdades.
Quem passa fome tem sua existência aprisionada na dor do presente. R torna-se incapaz de pensar no amanhã.
Reduzir vulnerabilidades socioeconômicas significa construir resiliência frente a eventos extremos.
Significa também ter condições de redirecionar esforços para a luta contra o aquecimento global.
Em 2009, quando participei da COP15, em Copenhague, a arquitetura da Convenção do Clima estava à beira do colapso.
As negociações fracassaram e foi preciso um grande esforço para recuperar a confiança e chegar ao Acordo de Paris, em 2015.
Ao retornar à presidência do Brasil, constato que estamos, hoje, em situação semelhante.
O não cumprimento dos compromissos assumidos corrói a credibilidade do regime.
É preciso resgatar a crença no multilateralismo.
É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra.
É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto (1997) ou os Acordos de Paris (2015) não sejam implementados.
Governantes não podem se eximir de suas responsabilidades.
Nenhum país resolverá seus problemas sozinho. Estamos todos obrigados a atuar juntos além de nossas fronteiras.
O Brasil está disposto a liderar pelo exemplo.
Ajustamos nossas metas climáticas, que são hoje mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos.
Reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia e vamos zerá-lo até 2030.
Formulamos um plano de transformação ecológica, para promover a industrialização verde, a agricultura de baixo carbono e a bioeconomia.
Forjamos uma visão comum com os países amazônicos e criamos pontes com outros países detentores de florestas tropicais.
O mundo já está convencido do potencial das energias renováveis.
É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis.
Temos de fazê-lo de forma urgente e justa.
Vamos trabalhar de forma construtiva, com todos os países, para pavimentar o caminho entre esta COP28 e a COP30, que sediaremos no coração da Amazônia.
Não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada Humanidade.
Todos almejamos tornar o mundo capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes e não apenas uma minoria privilegiada.
Como nos convida o Papa Francisco na Encíclica “Todos Irmãos”, precisamos conviver na fraternidade.
Muito obrigado.
IVAN FINOTTI / Folhapress