ARACAJU, SE (FOLHAPRESS) – Fora do ar há 25 anos, a Rede Manchete (1983-1999) tem duas passagens bem curiosas em relação ao ano de 1994, que foi um divisor de águas, para o bem e para o mal, em sua trajetória. Trinta anos atrás, a Manchete perdeu a Copa do tetra e estreou um fenômeno sem pagar nada.
A Manchete era bastante forte no esporte desde fundação, e havia transmitido todas as Copas e Jogos Olímpicos realizados desde a estreia. A sua equipe era formada essencialmente por Paulo Stein (1947-2021), Marcio Guedes (1947-2023), Alberto Léo (1950-2016) e, posteriormente, Osmar Santos.
Na Copa de 1990, dois extremos. Convidado para ser comentarista, Paulo Roberto Falcão foi tão bem e elogiado pelo público que foi chamado para ser técnico da seleção brasileira. A experiência não foi boa e durou apenas um ano.
Mas naquele mesmo mundial, João Saldanha (1917-1990) morreu enquanto cobria a torneio de futebol disputado na Itália. Debilitado por causa do vício ao tabagismo, Saldanha não iria, mas pagou a passagem do próprio bolso para estar na Europa.
A Manchete permitiu porque não havia mais como deixá-lo no Brasil, mas Saldanha não resistiu. Morreu em 12 de julho de 1990, em Roma, alguns dias depois da final que consagrou a Alemanha como a campeã.
Outro baque ocorreu em 1994. Em 1992, o Grupo Bloch vendeu a Manchete para o IBF (Indústria Brasileira de Formulários), de Hamilton Lucas de Oliveira. Em um caos financeiro, a Manchete não pagou os valores de cota para transmitir o Mundial de 1994 naquele ano.
Com isso, a Manchete fez todos os Mundiais de futebol em que estava no ar. A primeira cobertura foi na Copa de 1986, no México. Menos, justamente, a que o Brasil ganhou.
O SUCESSO DA CONSTELAÇÃO
Mas 1994 também foi um ano bom para a Manchete em outro sentido. Enquanto o Brasil comemorava o quarto titulo mundial de futebol, a empresa negociava com distribuidora de brinquedos Santoy uma animação japonesa que faria o mercado brasileiro mudar: “Os Cavaleiros do Zodíaco”.
A Manchete já havia exibido desenhos do Japão antes e já tinha notado como o tempero oriental era um sinônimo de audiência e repercussão, como conta Leandro Gonçalo, um dos fundadores do JBox, projeto de internet especializado em animes. Entre estreias e reprises, a Manchete só ficou sem um produto japonês em exibição no ano de 1987.
“Em seus programas infantis ou sessões de desenhos, várias produções foram apresentadas como ‘Pirata do Espaço’, ‘Patrulha Estelar’ e ‘Don Drácula’. Mas foi com a dupla ‘Jaspion’ e ‘Changeman’ que a emissora se popularizou no nicho infantil, inclusive ajudando a impulsionar a carreira de Angélica como apresentadora. Essas produções se tornaram sinônimos de heróis japoneses em nosso país e provocaram um tsunami de lançamentos do mesmo estilo, na própria Manchete e nos canais concorrentes, entre o fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990”, relembra Gonçalo.
Mas no caso de “Os Cavaleiros do Zodíaco”, a situação era diferente. A Santoy queria colocar o desenho na TV de qualquer jeito. Já havia tentado em todas as outras, inclusive a Globo e o SBT, mas recebido um não. Na Manchete, após muita insistência, a Manchete fez um acordo: exibia o desenho, e “pagava” com espaço publicitário no intervalo, sem desembolsar nenhum dinheiro.
“Chegando ao Brasil no primeiro ano do plano Real, o desenho se tornou um fenômeno comercial com a venda da vasta coleção de bonecos importados, gerando também um boom no mercado editorial para o público jovem -através de revistas como a Herói e Animax. O motivo do sucesso pode ser explicado pelo hiato deixado por outros fenômenos infantis que já estavam sendo reprisados e não eram mais novidade”, opina Gonçalo.
A Manchete tentou manter a febre da animação japonesa em pé nos anos seguintes, mas não conseguiu. “O fenômeno ‘Cavaleiros’ foi tão avassalador, que inevitavelmente a emissora investiu em mais produções orientais, como ‘Sailor Moon’ e ‘Yu Yu Hakusho’, mas nenhuma conseguiu marcar tanto como os heróis de armadura”, relembra Gonçalo.
O legado de “Cavaleiros” é tão forte até hoje que, em setembro, mês que marca a estreia da história de Seiya na TV brasileira, o JBox lançará um documentário detalhado para explicar o tamanho da animação no Brasil. E sem a Manchete, jamais teríamos o Japão tão em voga por aqui.
GABRIEL VAQUER / Folhapress