SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A morte de um homem de 70 anos por um policial militar na tarde de terça-feira (7) no Tatuapé, na zona leste de São Paulo, foi o estopim de uma nova crise na já conturbada relação entre as polícias Militar e Civil de São Paulo durante o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A reportagem apurou que o homicídio de Clóvis Marcondes de Souza não foi comunicado para a Polícia Civil, responsável pela investigação de homicídios praticados por policiais militares.
O autor do disparo, um sargento, disse aos superiores que o tiro ocorreu de forma acidental durante a abordagem a dois homens que estavam em uma moto. O idoso não tinha ligação com a ocorrência e foi atingindo quando passava pela calçada.
Ao contrário do recomendado, os PMs apresentaram a ocorrência a uma unidade da própria corporação, que autuou o sargento em flagrante e encaminhou o caso para o Tribunal de Justiça Militar.
Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) chefiada por Guilherme Derrite afirmou, em nota, que “conforme previsto no Código Penal Militar, por se tratar de um crime culposo, cometido por um policial militar em serviço, o caso foi registrado junto à Polícia Judiciária Militar, que está à frente da investigação e confirmou a prisão em flagrante do responsável pelo disparo”.
Delegados ouvidos pela reportagem se disseram irritados com a situação. Um deles classificou como arbitrária, ilegal e inconstitucional a condução do caso pela PM. Eles rechaçam a avaliação de que a morte de Souza seja um crime militar e de que não haveria necessidade de passar por uma delegacia ou departamento especializado da Polícia Civil.
Procurado, o Ministério Público disse que acompanhará a investigação sobre o caso, nos termos da lei.
Na avaliação do advogado criminalista e ex-procurador Roberto Tardelli, houve usurpação de competência. “A PM concluiu que o disparo foi acidental e por isso não há necessidade de investigação, e vida que segue? Isso é usurpar a função da polícia judiciária, do Ministério Público e do próprio Judiciário”, afirmou.
“Como quem dispara o tiro fatal é quem conclui sobre a natureza desse disparo? Isso é um absurdo. Não excluo a possibilidade de que tenha sido uma infelicidade, mas é preciso que essa conclusão seja resultado de uma investigação e de uma declaração judicial”, acrescentou. “Estamos com uma Polícia Militar que atira, mata e imediatamente conclui que tudo não passou de um acidente”, indagou.
A reportagem também apurou falhas na prisão. O flagrante da prisão do sargento foi realizado por um tenente, mas deveria ter sido homologado pelo comandante do batalhão, que não o fez.
O sargento autor do disparo passou por audiência de custódia no Tribunal de Justiça Militar na tarde desta terça-feira. O juiz Ronaldo João Roth determinou a prisão preventiva e pediu novas diligências. O objetivo é esclarecer se trata-se de homicídio culposo ou doloso, este último atribuição da Justiça comum.
Uma resolução da própria secretaria (SSP-040), publicada em março de 2015, descreve o procedimento a ser realizado em casos decorrentes de intervenção policial, e no documento não há distinção entre homicídio doloso, com intenção, ou culposo, sem intenção. De acordo com a resolução, o local dos fatos deve ser preservado até a chegada de um delegado, e o centro de comunicação da PM deve relatar o caso ao centro de comunicação da Polícia Civil e dar ciência imediata da ocorrência ao comandante de batalhão da área territorial e à Corregedoria da PM.
Recentemente, após mais um atrito entre as duas forças de segurança, a gestão Tarcísio recuou da decisão de autorizar a Polícia Militar a elaborar os chamados TCOs (Termos Circunstanciados de Ocorrência), destinados a registrar crimes de menor potencial ofensivo. O recuo foi anunciado pelo secretário Guilherme Derrite, em vídeo no qual afirmou que seria criado um grupo de trabalho para debater o assunto.
A mudança de posição aconteceu após o Conselho da Polícia Civil de São Paulo realizar uma reunião extraordinária na qual se colocou contra a possibilidade de a PM elaborar os termos. Delegados que participaram do encontro classificaram essa possibilidade como ilegal.
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress