SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde da Prefeitura de São Paulo emitiu um alerta na última semana sobre o aumento de casos de hepatite A na capital. De janeiro até o fim de setembro, foram registradas 225 ocorrências da doença na cidade, número maior do que todos os registros de 2022 (145) e de 2021 (61) somados.
De acordo com o documento, em 71,6% dos casos as pessoas tinham entre 18 e 39 anos no momento do diagnóstico. Um paciente morreu em decorrência da doença, o que não ocorria desde o surto observado há cinco anos.
A hepatite A é causada por um vírus (HAV) e provoca inflamação no fígado. Sua transmissão é fecal-oral (contato de fezes com a boca), por isso a doença é frequente em locais com saneamento básico precário, mas ela também pode ser transmitida pelo consumo de água e alimentos contaminados e pelo sexo com contato oral-anal com parceiro infectado. Neste ano, a prática sexual foi relacionada a 14 casos (6,2%) e alimentos e água contaminados, a 35 (15,6%). Os demais têm origem não estabelecida.
Quais são os sintomas da hepatite A?
A infecção pode ser assintomática ou provocar um quadro agudo, com fraqueza, febre e dores musculares, seguidos de enjoo, vômitos, dor abdominal e diarreia. Ela também pode causar clareamento das fezes, escurecimento da urina e deixar a pele e os olhos amarelados. Alguns pacientes necessitam de transplante de fígado e uma pequena parcela vai a óbito.
“A chance de quadros graves aumenta com o avançar da idade”, diz Paulo Abrão, professor de infectologia na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e membro da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). Enquanto em até 1% dos casos em adultos o quadro é fulminante, nas crianças a doença é frequentemente assintomática -embora transmissível.
O doente já transmite o vírus antes de manifestar os sintomas, que costumam aparecer de 15 a 50 dias após a infecção, e pode manter a eliminação viral mesmo depois da resolução clínica da doença.
Casos de hepatite A na cidade de São Paulo
Ano de notificação – Casos confirmados – Óbitos – Pacientes do sexo masculino – Pacientes entre 18 e 39 anos
2016 – 50 – 0 – 23 (46%) – 10 (20%)
2017 – 684 – 2 – 604 (88,3%) – 543 (79,4%)
2018 – 483 – 3 – 374 (77,4%) – 338 (70%)
2019 – 160 – 0 – 124 (77,5%) – 113 (70,6%)
2020 – 64 – 0 – 36 (56,3%) – 25 (39,1%)
2021 – 61 – 0 – 39 (63,9%) – 43 (70,5%)
2022 – 145 – 0 – 98 (67,6%) – 82 (56,6%)
2023 (até 28 de setembro) – 225 – 1 – 165 (73,3%) – 161 (71,6%)
Total – 1872 – 6 – 1.463 (77,9%) – 1.315 (70%)
Fonte: Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde da Prefeitura de São Paulo
Qual a evolução da doença nos últimos anos?
No último surto, em 2018, foram 483 infecções confirmadas na cidade de São Paulo, com três óbitos. Em 2017, o município somou 684 casos, com duas mortes.
Na época, foi verificado que parte das ocorrências tinha como fonte provável de infecção a prática sexual e foi indicada a vacinação de pessoas que praticavam sexo com contato oral-anal, especialmente homens que fazem sexo com homens. A vacina foi disponibilizada para essa população nos serviços que realizavam atendimento de infecções sexualmente transmissíveis e de profilaxia pré e pós exposição ao HIV, e os índices caíram.
“Esse fenômeno já havia sido observado em outras metrópoles, como Madrid, Londres, Lisboa e, na América Latina, Santiago”, recorda Abrão.
Ele explica que, há algumas décadas, era muito comum as crianças se infectarem devido às condições sanitárias precárias, adquirindo imunidade. Agora, a imunidade é conferida por meio da vacina -disponível na rede pública para crianças entre 15 meses e 5 anos incompletos-, mas uma parte da população ficou sem cobertura.
“De 2014 para cá, as crianças estão sendo vacinadas, mas os adultos não. São adultos que não contraíram a doença na infância e que não foram vacinados, então quando têm práticas sexuais com contato anal-oral pode haver a transmissão.”
Nos anos seguintes ao surto, a pandemia provocou a queda da notificação de casos. Em 2022, porém, com o surgimento da hepatite misteriosa em crianças, as equipes de saúde foram orientadas a investigar ocorrências de hepatite aguda de causa desconhecida e os índices da infecção por vírus A voltaram a subir.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que monitora os casos de hepatite A na cidade e que redimensionou os estoques de vacina. Também disse que retomará, nesta quinta (5), a imunização em unidades municipais de homens que mantêm relações sexuais com homens.
Ainda segundo a pasta, será feito um pedido ao Ministério da Saúde para que o envio do imunizante seja feito de forma regular.
Em todo o país, segundo o Ministério da Saúde, foram 750.651 casos confirmados de hepatites virais de 2000 a 2022. Desses, 169.094 (22,5%) foram de hepatite A. Entre 2000 e 2021, a doença provocou 1.318 mortes.
Como prevenir a hepatite A?
Há três frentes para prevenir a hepatite A.
A primeira é pelo investimento em saneamento básico, com tratamento adequado da água e do esgoto.
A segunda é pela higiene e pelo cuidado no preparo de alimentos. Isso inclui lavar as mãos após o uso do sanitário, após trocas de fraldas, antes das refeições e de cozinhar; lavar adequadamente frutas, legumes e verduras e cozinhar bem os alimentos antes de consumi-los, principalmente mariscos, frutos do mar e peixes. Usar preservativos e higienizar as mãos, genitália, períneo e região anal antes e após as relações sexuais também é de extrema importância.
A terceira é pela vacinação. Na cidade, as taxas de cobertura da vacina contra hepatite A estão abaixo da meta de 95%. O índice foi de 79,66% em 2021, de 84,08% em 2022 e, no primeiro semestre deste ano, ficou em 85,82%.
“A cobertura vacinal é muito importante. Cada vez que temos uma perda de cobertura vacinal há o aumento de pessoas suscetíveis. Se temos 70% de cobertura, temos 30% de suscetíveis e essas pessoas podem ser a base para um surto”, ressalta Abrão.
Além de crianças entre 15 meses e 5 anos incompletos, a vacina contra hepatite A está disponível na rede pública para pessoas com hepatite B ou C, imunossuprimidos e pessoas com HIV, entre outros pacientes. A lista completa pode ser conferida aqui. Na rede particular, o imunizante é oferecido para crianças e adultos.
STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress