SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As reclamações por causa de alagamentos na cidade de São Paulo aumentaram 28% no ano passado, entre janeiro e outubro, em relação ao mesmo período de 2022. Ao mesmo tempo, a prefeitura atrasou projetos previstos no Plano de Metas da cidade, substituindo a promessa de construir 11 piscinões por “230 obras no sistema de drenagem” até o fim deste ano.
Os dados publicados pela Ouvidoria-Geral do Município mostram que houve uma piora nas reclamações mesmo antes da sequência de tempestades que atingiu a capital paulista nos últimos três meses. Houve também um aumento de 12% nas queixas sobre varrição e acúmulo de lixo, que entope galerias subterrâneas e agrava as enchentes.
Um dia depois de um temporal que provocou grandes alagamentos na região central, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse nesta quinta-feira (11) que a situação na cidade ainda é “melhor do que era antes”. Nunes afirmou que as mudanças no Plano de Metas ocorreram por readequações em projetos que tinham problemas, mas ressaltou que já foram investidos mais de R$ 3 bilhões nos últimos dois anos em canalização de córrego, contenção de encostas, drenagem e microdrenagem.
A subprefeitura da Sé, que concentrou 9 de 36 pontos de alagamento da cidade na noite de quarta-feira (10), teve o segundo maior número de demandas relacionadas a drenagem no ano passado no portal 156, canal oficial para solicitar serviços urbanos. Ao todo, foram 1.739 solicitações de serviço na Sé em nove meses, o que representa uma média de seis pedidos por dia.
Apenas Itaquera, na zona leste, superou a Sé em número de solicitações, com mais de sete por dia, em média. Ali também está um dos locais que ficaram bloqueados no caos da noite de quarta: a avenida Jacu-Pêssego, onde um alagamento ficou intransitável por mais de quatro horas e só foi liberado durante a madrugada, à 1h50 de quinta, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências).
Já em relação às reclamações por acúmulo de lixo, coleta domiciliar e pedidos de remoção de grandes objetos, a área da subprefeitura da Lapa teve 6.600 solicitações de serviço no SP 156 (cerca de 24 pedidos por dia). A Sé também se destaca nesse quesito, também em segundo lugar, com 5.200 pedidos (ou 19 por dia).
Os 11 piscinões com obras adiadas pela prefeitura estão nas áreas mais problemáticas da cidade. Os planos incluíam a construção de reservatórios em regiões como Itaquera, Vila Prudente e Aricanduva, na zona leste, e Santo Amaro, na zona sul.
Nunes ressaltou que esses atrasos são compensados por outras intervenções de drenagem que, segundo ele, estão ocorrendo em toda a cidade. Ele destacou que há obras para a construção de quatro piscinões em Perus, no extremo norte da cidade, e um no Capão Redondo, no extremo oposto.
Ele também destacou que reformas menores, apenas com canalização de córregos e contenção de encostas, serão entregues com mais rapidez e podem ter impactos sociais melhores. “Às vezes é melhor antecipar uma obra de canalização de córrego, que talvez não tenha uma capacidade tão grande de armazenamento como um piscinão, mas é uma obra mais rápida e tira residências de áreas de risco”, disse o prefeito.
Nesta quinta, toda a cidade de São Paulo ficou estado de atenção para alagamentos pelo quarto dia seguido, somando-se à série de tempestades que deixou grandes territórios da capital sem energia elétrica em ao menos três ocasiões desde novembro.
Especialistas ouvidos pela Folha questionam a preparação da cidade para a alta frequência de eventos climáticos extremos. Para a geógrafa Melina Amoni, gerente de Risco Climático e Adaptação na WayCarbon -consultoria que trabalha na elaboração de planos de contingência contra eventos climáticos-, há um problema de adequação da infraestrutura ao novo comportamento de tempestades, ventanias e outros fenômenos.
“As obras de engenharia que existem nas cidades, e isso não é uma característica somente de São Paulo mas de todas as grandes cidades, é que elas foram planejadas com fatores climáticos que não acontecem mais hoje em dia. Ou seja, não respondem ao clima que vivemos hoje e que é o esperado para o futuro”, diz Amoni.
O professor Pedro Roberto Jacobi, titular do Instituto de Energia e Ambiente da USP, diz que o atraso ou a falta de grandes obras, como os piscinões, deveria ser compensado por manutenção e limpeza periódica das galerias que recolhem a água da chuva -o que parece não ter ocorrido, considerando imagens que mostram acúmulo de lixo nos alagamentos da última quarta.
“Na medida em que obras de maior porte não são realizadas, é preciso ter cuidado com a questão da manutenção de todos os dias. Mas não parece que há preocupação com a zeladoria urbana, que é justamente o que garante menos episódios como esses, decorrentes de eventos extremos”, disse Jacobi.
A prefeitura disse, em nota, que seis novos reservatórios de água estão sendo construídos na cidade: quatro na bacia do ribeirão Perus, na zona norte, um no córrego Morro do S, na zona sul, além do lago do Parque do Carmo, na zona leste. “Outros quatro piscinões já contam com as licitações de obra em andamento”, disse a administração municipal.
Segundo a gestão Nunes, a Siurb (Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras) já concluiu 211 obras no sistema de drenagem e para contenção de riscos na cidade. Outras 36 estão em andamento. A prefeitura também diz que conta com 800 equipes que atuam “de forma ininterrupta para mitigar os impactos das fortes chuvas com serviços de limpeza, desobstrução de vias e remoção de galhos e árvores”.
TULIO KRUSE / Folhapress