SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em decreto que deu uma nova regulamentação para a LAI (Lei de Acesso à Informação) no estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ampliou o rol de agentes que podem classificar documentos no grau ultrassecreto, nível máximo de sigilo, com prazo de 25 anos.
Na mesma norma, também transferiu as competências sobre o cumprimento dessa lei para a CGE (Controladoria-Geral do Estado) até então, a maioria delas estava sob responsabilidade do Arquivo Público do estado. Tarefas como a normatização e a fiscalização da LAI, que define procedimentos para garantir acesso a dados públicos, passam a ser atribuição da CGE.
O órgão é chefiado por Wagner Rosário, que durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) esteve à frente da CGU (Controladoria-Geral da União).
A Controladoria também poderá publicar enunciados sobre a aplicação do decreto, algo semelhante ao que foi estabelecido para a CGU, no plano federal, pelo governo Lula (PT).
Segundo a CGE, a nova regulamentação, que integra o programa anticorrupção do governo paulista, é uma medida para conferir maior transparência e aperfeiçoamento do acesso à informação no estado.
Também a Comissão Estadual de Acesso à Informação, última instância recursal para pedidos negados, passa a estar vinculada à Controladoria.
Entre uma série de alterações, o decreto autorizou que a competência de classificar informações no grau ultrassecreto, que está prevista para o governador, vice-governador, secretários, controlador-geral e procurador-geral, possa ser delegada a agentes públicos que ocupem o cargo ou função de coordenador, e também aqueles de hierarquia equivalente ou superior.
A previsão de que mais pessoas possam impor sigilo foi criticada pela ONG Transparência Brasil, que defende a revogação desse trecho do decreto.
“O aumento na quantidade de pessoas autorizadas a restringir o acesso a informações representa um risco ao princípio de que o sigilo deve ser uma exceção, pois fragiliza um dos mecanismos criados pela LAI para garanti-lo”, disse a entidade em nota.
Em nota à Folha de S.Paulo, a CGE disse que a regulamentação possibilita a delegação “apenas no nível mínimo de coordenador ou equivalente, vedada a subdelegação” e adiciona que se fica estabelecido também um “robusto processo de supervisão e revisão de classificação de informações”.
Um decreto com medida semelhante, estendendo a mais agentes a delegação de sigilo, foi publicado pelo governo Bolsonaro em seu primeiro mês de mandato. Após pressão da sociedade civil e do Congresso, acabou revogado. À época, Rosário era quem chefiava a CGU ele tinha sido nomeado ainda na gestão de Michel Temer e foi mantido por Bolsonaro à frente do órgão.
Quanto à transferência de competências para CGE, Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, avalia que é bom ter um órgão específico para monitorar a LAI e estabelecer padrões para o cumprimento. Ela diz ainda que é importante que se encontre um desenho estável e que não seja provisório.
Já Clarissa Schmidt, vice-presidente da Associação de Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP) e professora da Universidade Federal Fluminense, vê como negativa a mudança, tanto pelo enfraquecimento do Arquivo Público quanto por ver uma desvinculação da política de gestão de documentos da política de acesso à informação.
Uma outra mudança, e que tem paralelo no sistema federal, é a junção do sistema de ouvidoria ao de acesso à informação em uma mesma plataforma a Fala.SP.
Também está prevista no novo decreto a possibilidade de que o solicitante possa optar por ter sua identidade preservada, o que é importante para pessoas que têm receio de represálias. A redação porém não deixa claro quem deixaria de ter acesso aos dados cadastrais nesta hipótese.
Fernando Meloni, que é membro da RETPS (Rede pela Transparência e Participação Social) e atua no setor público, critica mudanças no decreto sobre transparência ativa divulgação de dados independentemente de solicitações.
Ao invés de estabelecer um rol mínimo, especificando o que já está na LAI, por exemplo, o decreto paulista diz que os órgãos obedecerão “padrão estabelecido pela Controladoria”. A CGE diz que o formato possibilita “a atualização e ampliação” de informações por meio de guias.
Além disso, a nova regulamentação estadual incorpora itens semelhantes aos do decreto federal, como a previsão de que pedidos considerados “desproporcionais” ou que “exijam trabalhos adicionais” de análise e interpretação não serão atendidos. Não faz, porém, qualquer ressalva, para evitar negativas genéricas.
A versão federal diz ao menos que, nesta hipótese, o órgão deverá indicar o local onde se encontram as informações para que o requerente possa realizar ele mesmo a tarefa de consolidação dos dados.
Marina Atoji aponta que ter uma indicação logo depois do artigo que fala da possibilidade de negativa faz diferença, porque muitos servidores que atendem pedidos de informação não têm grande intimidade com a Lei de Acesso
À Folha de S.Paulo a CGE apontou um outro artigo do decreto que aparece mais à frente dizendo que “caso a informação esteja disponível ao público em formato impresso, digital ou em outro meio de acesso universal”, o órgão deve orientar o requerente quanto à consulta.
Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência na ONG Conectas, considera que a formulação usada em trecho sobre pedidos de informação para uso judicial ou administrativo relacionados a direitos fundamentais pode abrir risco de uma interpretação mais restritiva pelos órgãos que respondem aos pedidos.
A versão paulista diz, por exemplo, que “o requerente deverá demonstrar a existência de nexo entre as informações requeridas e o direito que se pretende proteger”, enquanto a versão federal fala em “apresentar razões que demonstrem”.
“Parece aqui que o que se está procurando legitimar é a restrição”, diz Sampaio. “Como se tivesse um ônus para a pessoa que solicita informação de provar de forma cabal qual é a natureza do uso que ela vai dar à informação numa eventual tutela judicial ou administrativa.”
A CGE diz que o decreto estabelece de forma muito clara “a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção” e que “não há o que se falar em interpretações mais restritivas que possam ser depreendidas dessa redação”.
RENATA GALF / Folhapress