Por que Jenny Offill escreve sobre mulher que falhou como grande escritora

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Jenny Offill publicou “Departamento da Especulação”, em 2014, porque aquele era o tipo de livro que ela gostaria de ler. Curto, com parágrafos que mais parecem pensamentos de passagem por uma cabeça atormentada, o título narra a história da escritora, sem nome, que se tornou esposa, depois mãe e se vê sufocada pela nova vida.

Ambiciosa, ela almejava ser o que Offill batizou de “monstro da arte”, uma escritora implacável, que jamais se apaixonaria e que trabalharia sem amarras na direção do sucesso, como fazem os homens.

Mas, no meio do caminho, tinha um músico, um apartamento infestado de percevejos no Brooklyn, uma bebê, uma traição e nenhum livro escrito pela monstra da arte.

“Quando pensamos em pessoas assim, que se dedicam exclusivamente à sua arte, pensamos em homens, que têm esposas que bloqueiam o ruído da vida doméstica”, diz Offill em entrevista por Zoom.

Para a protagonista, certa ferocidade seria necessária para a produção de boa arte. Para Offill, o sentimento se aplica, na realidade, à maternidade, que atropela a esposa.

A autora afirma que, na época, havia um estigma em torno de falar das dificuldades em ter filhos ou mesmo em falar sobre a antiga vida que foi implodida depois da chegada do bebê. “Se torna um mundo muito feminino, de repente só se fala em filhos e vida doméstica”, diz.

A escritora disse que a exaustão do período era diferente de tudo que já havia vivenciado. “Eu queria escrever sobre essa combinação de abatimento e cansaço, mas que tem lampejos do sublime nos momentos mais inesperados.”

Para ela, era novidade naquele momento que mulheres estivessem escrevendo sobre a maternidade de um ponto de vista que escape das dicas práticas. Quase dez anos depois, títulos como “Pequenas Resistências”, de Rivka Galchen, e o trabalho autoficcional de Rachel Cusk já constroem um conjunto maior de obras que não se esquivam de trazer as controvérsias das figuras maternas.

Offill, hoje com 55 anos, publicou seu primeiro livro em 1999. A obra angariou algum reconhecimento, mas foi “Departamento da Especulação”, de 2014, que fez com que ela ganhasse tração no mundo editorial. O livro foi um dos dez melhores de 2014 do New York Times Book Review, foi pré-selecionado para o prêmio Folio e, em 2016, ganhou uma bolsa Guggenheim.

O reconhecimento se justifica. A obra se encaixa bem no cânone pós-moderno ao apelar para o fluxo de pensamento, mas aparece aqui sempre interrompido —bem aos modos da rotina do tempo picotado de uma mãe novata.

Redemoinhos de autocomiseração e paranoias sobre um marido infiel e percevejos se misturam a referências filosóficas a nomes como Wittgenstein e Rilke —a narradora é, afinal, uma intelectual— e até religiosas —mas nada de cristianismo, afinal, ela é também uma descolada moradora de Nova York.

“Não havia grandes expansões de tempo. Não havia o privilégio de ela ser uma artista que pode se isolar na floresta e escrever”, diz Offill. “O conteúdo levou a essa forma.”

Como resultado, o leitor ganha páginas com espaços em branco, sejam algumas linhas depois de cada parágrafo ou grandes vãos entre os capítulos. Mas nada disso significa um respiro, muito pelo contrário. O sentimento ao ler “Departamento da Especulação” é de habitar uma mente confusa e doente.

“Eu estava lendo muita poesia na época em que escrevi e pensando em como os poemas se organizam na página. Existe o fim de uma linha e o espaço tradicionalmente para a respiração, existia uma necessidade de respiro antes de continuar”, diz Offill.

Mas não só a poesia inspirou os espaços em branco. “Criei uma narradora tão intensa e com uma mente galopante. Para evitar a claustrofobia no leitor eu criei espaços negativos, como nas artes visuais. Além disso, não quis entregar tudo para o leitor, quis que ele ligasse alguns pontos.” Playlists secretas, estômagos revirados, livros de autoajuda. Vem em pistas o caso que o marido da narradora tem com uma mulher mais jovem.

“Sempre escrevo de forma autobiográfica. Quis escrever sobre a solidão, sobre depressão, sobre corações partidos, traição. São experiências universais. Mas às vezes converso com pessoas que se decepcionam quando revelo fragmentos da minha biografia e eles não batem com o livro. Mas é meu trabalho fazer acreditarem que aquilo é real.”

DEPARTAMENTO DE ESPECULAÇÃO

Preço R$ 59,90 (136 págs.); R$ 42,90 (ebook)

Autoria Jenny Offill

Editora Todavia

Tradução Carol Bensimon

BÁRBARA BLUM / Folhapress

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