Câmara sob Lira deixa prazo médio de 19 dias para Senado analisar MPs

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara dos Deputados, o Senado teve em média 19 dias para analisar MPs (medidas provisórias) editadas entre 2021 e 2022, segundo levantamento feito pela Folha.

O período representa uma fração de 16% do prazo total de 120 dias para uma MP tramitar no Congresso.

A falta de tempo para os senadores analisarem as MPs é o centro do cabo de guerra que se instaurou entre Câmara e Senado por causa do rito de apreciação dessas medidas.

A Constituição prevê a criação de comissões mistas antes de o texto ser levado ao plenário de cada Casa. Com a pandemia de Covid-19, as duas Mesas chegaram a um acordo em março de 2020 para suspender temporariamente a instalação desses colegiados.

As MPs passaram a ser votadas diretamente em plenário, primeiro na Câmara, depois no Senado. Sob esse modelo, no entanto, não há um limite de tempo para os deputados se debruçarem sobre a matéria.

Diante da demora, senadores reclamaram seguidas vezes de terem virado “carimbadores de texto”, sem tempo hábil para propor mudanças.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tenta desde o início do ano retomar o rito constitucional da instalação de comissões mistas. Lira resiste.

O levantamento da Folha considera todas as 117 MPs editadas desde 1º de fevereiro de 2021, quando Lira e Pacheco foram eleitos para o comando das respectivas Casas pela primeira vez, e que tiveram tramitação encerrada até 6 de abril deste ano.

Dessas, 84 foram votadas e convertidas em lei entre 2021 e o início de 2023. Outras 31 perderam eficácia, uma foi devolvida e uma foi revogada.

Ao considerar as MPs validadas, o prazo médio que o Senado teve para votar os textos foi de 19 dias. Das 84 propostas, apenas 11 chegaram às mãos dos senadores com mais de 30 dias para apreciação.

Uma das MPs, a 1.133/2022, que permitiu a participação da iniciativa privada na exploração de minérios nucleares em parceria com a estatal INB (Indústrias Nucleares do Brasil S.A.), foi enviada ao Senado faltando apenas três dias para o fim do prazo.

No fim de março, Lira citou um mapeamento feito pela própria Câmara para defender o rito especial e rebater críticas.

“No ano de 2021, nós levamos 87 dias de média [para votar] as MPs na Câmara, nunca ultrapassamos os 90 dias. E no ano de 2022, 72 dias de média. Portanto, aquela alegação de que o Senado ficava espremido, sem prazo, não é verdadeira”, afirmou. Lira citou o número em artigo na Folha.

A reportagem pediu a Lira, via assessoria, acesso a esse levantamento, mas ele não foi enviado.

Em nota, ele reafirmou os números que vem usando e disse que “os 70 dias de prazo médio de permanência das MPs na Câmara estão abaixo do limite médio de 90 dias acordado com o Senado, fato inclusive elogiado publicamente por aquela Casa Legislativa”.

À Folha, por meio de sua assessoria, Pacheco disse defender um prazo mínimo de 30 dias para o Senado analisar as MPs e evitou elevar o tom de embate com a Câmara.

“Em alguns casos fugiu um pouco ao tempo ideal, e algumas medidas provisórias foram enviadas de última hora para o Senado. Mas foram poucos os casos”, diz Pacheco.

A queda na quantidade de dias usados pela Câmara para apreciar as MPs não está necessariamente relacionada a uma maior agilidade dos deputados.

Em um primeiro sinal de insatisfação, Pacheco passou a segurar os despachos de envio das medidas à Câmara. É uma questão procedimental: como presidente do Congresso, cabe a ele assinar o ofício para atestar que a MP e suas emendas estão aptas para votação.

No início de 2021, o intervalo entre a publicação da MP no Diário Oficial da União e a assinatura deste despacho ficava entre três e sete dias. Em 2022, passou dos 30 dias e, em alguns casos, beirou os 90 dias.

Na prática, isso serviu para impor aos deputados um ritmo mais célere –numa medição de forças cujo saldo final foi o menor tempo para as discussões de mérito de cada proposta.

A disputa em torno das MPs é acompanhada de perto pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista já editou 16 MPs, e algumas delas expiram em 1º de junho.

Um acordo firmado entre Executivo e Legislativo permitiu a instalação de três comissões mistas que analisarão MPs consideradas estratégicas para o Planalto: a que trata da estrutura do governo, a que instituiu o novo Bolsa Família e a do novo Minha Casa, Minha Vida.

A cientista política Magna Inácio, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que a comissão mista favorece a negociação inicial entre as duas Casas.

“Suprimindo isso, a Câmara ganha ainda mais poder de barganha. Iniciar diretamente pela Câmara abre espaço para ela não só definir o relator, mas ter um controle sobre o tempo de tramitação. Esse controle maior é o que permite beneficiar aliados e grupos com relatorias de MPs”, diz.

Ela considera ainda que o prazo de tramitação das MPs é necessário para dar vazão ao processo político de negociação. “O Senado já recebe uma versão negociada, que foi modificada na Câmara. Mas isso não significa que o Senado precise de menos tempo. E a dinâmica do bicameralismo é essa: as leis aprovadas dependem da concordância desses três atores institucionais.”

Sob o rito especial de tramitação das MPs, os presidentes das Casas também decidem quem serão os relatores, figuras centrais para definir o texto final.

A regra é diferente do que ocorre nas comissões mistas, em que o relator é indicado pelo presidente da comissão –que, por sua vez, é eleito entre os 12 deputados e 12 senadores do colegiado. Há ainda uma regra de alternância entre Câmara e Senado.

Nas 117 MPs analisadas, Lira priorizou aliados: seu próprio partido, o PP, e o PL de Jair Bolsonaro com 13 relatores cada, seguidos pelo Republicanos, com 9. As três siglas compunham o bloco que deu apoio à sua eleição ao comando da Câmara em 2021.

No Senado, o número é liderado pelo PSD, partido ao qual Pacheco se filiou em 2021. Foram 13 indicações. Na última legislatura, a legenda tinha uma das maiores bancadas da Casa, por vezes empatada com o MDB, que teve 11 relatores, empatado com o PL de Bolsonaro.

IDIANA TOMAZELLI E VICTORIA AZEVEDO / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS