O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou no início da madrugada desta terça-feira (18) pela abertura de ação penal contra cem acusados de participar dos ataques golpistas de 8 de janeiro que causaram destruição nas sedes dos três Poderes.
Esta é a primeira leva de julgamento das 1.390 pessoas denunciadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por participarem dos ataques. A análise começou a ser feita no plenário virtual da corte, com previsão de término às 23h59 da próxima segunda-feira (24).
Moraes sustentou a existência de justa causa para a abertura de ação penal de todos os acusados, divididos entre executores e autores intelectuais dos atos. Na prática, os denunciados se tornam réus.
Ministros podem seguir o voto de Moraes ou divergir. Também podem pedir destaque, para que o julgamento seja transferido para o plenário presencial, atualmente composto por dez integrantes devido à aposentadoria de Ricardo Lewandowski no dia 11 de abril.
Primeiro a se manifestar após Moraes, Dias Toffoli seguiu o entendimento do colega. Com isso, já havia dois votos pela abertura dos processos faltando a manifestação de outros oito ministros.
No voto que abriu o julgamento, o relator das investigações afirmou que parte dos denunciados, conforme narrado na denúncia do MPF, integrava o núcleo responsável pela execução dos atentados materiais contra as sedes dos três Poderes.
Segundo Moraes, outros acusados se associaram, por intermédio de uma estável e permanente estrutura montada em frente ao Quartel-general do Exército Brasileiro, “aos desideratos criminosos” dos demais coautores, “no intuito de modificar abruptamente o regime vigente”.
Ainda conforme a decisão, também havia o interesse de insuflar as Forças Armadas e a população à tomada do poder e à subversão da ordem política e social, gerando, ainda, animosidades entre os militares e as instituições republicanas.
Moraes reiterou não haver dúvidas sobre a competência do STF para analisar as denúncias e, caso sejam recebidas, para processar e julgar posterior ação penal.
Segundo ele, é evidente a existência de conexão entre as condutas dos acusados e os investigados por participação nos atos com prerrogativa de foro, como os deputados André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Coronel Fernanda (PL-MT).
Moraes também citou conexão com os inquéritos das fake news e das milícias digitais, em andamento no STF e cujos envolvidos também possuem prerrogativa de foro, como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No voto sobre as denúncias do 8/1, o magistrado considerou as condutas gravíssimas e correspondentes, ao menos em análise preliminar, aos preceitos primários estabelecidos em artigos do Código Penal.
“Tanto são inconstitucionais as condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático, quanto aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com suas instituições republicanas, pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito à separação de Poderes e aos direitos fundamentais”, argumentou o ministro.
Ele também escreveu que “não existirá um Estado democrático de Direito sem que haja Poderes de Estado, independentes e harmônicos entre si, bem como previsão de direitos fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade desses requisitos”.
Metade do grupo (50 pessoas) alvo dessa primeira análise é acusada pela Procuradoria de incitar a animosidade das Forças Armadas contra os Poderes e associação criminosa.
Os denunciados foram presos na manhã do dia 9 de janeiro no acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército em Brasília. Esses acusados compõem o que é chamado pela Procuradoria de grupo de incitadores, sem envolvimento direto no vandalismo aos prédios.
Contra as demais 50 pessoas, do grupo de executores, pesam as acusações de dano ao patrimônio público, associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado. Esses foram presos nas dependências e nas imediações das sedes dos três Poderes.
Moraes decidiu priorizar o julgamento das denúncias relativas a quem segue preso. Por determinação dele, 313 pessoas são mantidos atrás das grades. Todas tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva pelo ministro.
A PGR não deu publicidade às denúncias, mas em manifestações sobre o caso afirmou haver conjunto probatório para sustentar a acusação, como imagens, mensagens e testemunhos que revelam que existiu uma situação estável e permanente de uma associação formada por centenas de pessoas para atentar contra as instituições.
Advogados e defensores públicos alegam, entre outros argumentos, a inépcia das denúncias, afirmando que elas estão desprovidas de seus requisitos elementares, incluindo a descrição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias.
ARGUMENTOS DAS DEFESAS
Advogados e defensores públicos dos acusados de participar dos ataques golpistas afirmam que as denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral são frágeis e não individualizam devidamente as condutas dos suspeitos.
Segundo eles, para além da vulnerabilidade processual, o tribunal não tem competência para julgar os casos.
Entre outros argumentos, os advogados e defensores dos agora réus citam a ausência de descrição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias.
O advogado Diego Keyne Santos sustentou, em vídeo enviado à corte, que não houve comprovação de autoria, materialidade ou indícios na denúncia contra o seu cliente, Antonio Carlos de Oliveira.
“O que nós observamos é justamente um padrão nas denúncias, sem qualquer individualização”, afirmou.
O defensor público federal Robson de Souza, que advoga para acusados como Edvagner Bega, disse que, em defesa do Estado democrático de Direito, não se pode aceitar uma denúncia genérica, conforme manda a legislação.
“Não se trata somente de descrever o fato de forma genérica, mas também de dizer o que foi feito pela pessoa concretamente”, disse.
Geovana Scatolino Silva, também defensora pública e que atende alguns dos acusados, como Antonio Fidelis da Silva, alegou incompetência do STF para julgar ação. Segundo ela, a Constituição não prevê que crimes comuns sejam analisados pela corte.
“O investigado não tem prerrogativa de função, não foi preso praticando qualquer conduta no interior de um dos prédios da praça dos Três Poderes. É uma pessoa comum que estava apenas acampada em frente ao QG do Exército. Portanto, deve a denúncia ser remetida à instância federal competente”, disse.
Um dos denunciados afirmou, por meio de sua defesa, não ter sido preso depredando o Planalto, estando no interior da sede do Executivo quando da detenção. Diz que a Procuradoria não apontou quais condutas o investigado praticou, imputando a todos que estavam dentro do prédio a mesma conduta.
Outro alegou não ter sido detido dentro do palácio, mas em suas proximidades, quando tentava se proteger das bombas e dos gases de efeito moral.
CONSTANÇA REZENDE / Folhapress