‘Cidade; Campo’ encanta com beleza plástica e tensão dramática

FOLHAPRESS – Coautora de filmes com uma marcante combinação entre suspense e crítica social, como “Trabalhar Cansa” (2011) e “As Boas Maneiras” (2017), Juliana Rojas lança agora “Cidade; Campo”.

O novo longa reúne duas histórias que poderiam ser consideradas independentes, não fosse a presença de uma estrela vermelha no céu e o tema que as une: migração e luto.

Na primeira, Joana (Fernanda Vianna) chega a São Paulo à procura da irmã, depois que o rompimento da Barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, destruiu-lhe a casa, a plantação e tudo ao redor. Na segunda, Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer) tentam se estabelecer na fazenda que a primeira herdou do pai, falecido há pouco tempo, no Mato Grosso do Sul.

O ponto e vírgula do título dá uma pista da relação complexa entre os dois ambientes. Não se trata de separação, nem de união, tampouco de atualizar a dicotomia gasta entre campo e cidade, que vê num o passado edênico e noutro as violências do progresso.

Se na metrópole Joana está cercada por arranha-céus, experimenta o trabalho uberizado e presencia mesquinhez e trapaça, encontra ali também espaço para fumar seu cachimbo ao amanhecer, ensinar o sobrinho sobre as plantas do quintal e tomar uma cervejinha no fim do expediente.

Na segunda história, Flávia e Mara são duas mulheres da cidade que chegam à zona rural imbuídas de ideais -e medos- forjados na cidade grande.

Há, portanto, um entrelaçamento sutil entre os dois espaços. As duas tramas fazem sentido juntas. Para além de questões de enredo, o maior valor de “Cidade; Campo” talvez esteja na aposta em algumas cenas-chave.

Construídas com grande beleza plástica e alta tensão dramática, elas parecem ter funcionado como motores do processo criativo, na linha do que a francesa Céline Sciamma vem defendendo em seus roteiros, menos regidos pela lógica do conflito do que pelo desejo.

Nesse sentido, Rojas investe em imagens como um grupo de amigas divertindo-se em um karaokê, um cavalo branco que pisa o asfalto à noite ou duas mulheres nuas tomando banho de lua sobre o gramado.

Algumas dessas situações são filmadas no clima de mistério, entre o sobrenatural e o cômico, tão característico de seu cinema. Delas, talvez a mais ousada seja a cena de sexo de Flávia e Mara, sustentada na duração.

Os dois corpos, absurdamente diferentes e ao mesmo tempo lindamente harmônicos, são filmados de perto enquanto se enlaçam ao som de Leandro e Leonardo, numa sequência que vale o filme.

Há, na estrela vermelha, uma conexão com “Passagem do Cometa”, curta anterior de Rojas, e também uma referência a “Still Life” de Jia Zhangke.

Filme de barragem assim como “Cidade; Campo”, o longa chinês tem duas histórias independentes unidas pela passagem sobrenatural de uma espaçonave.

No filme brasileiro, a imagem do cavalo branco no asfalto da metrópole funciona como síntese dos deslocamentos que Rojas opera, trabalhando com maestria a matéria de que são feitos os sonhos, a poesia e o bom cinema, perturbando o senso comum e abalando certezas.

Cidade; Campo

Quando: Estreia nesta quinta (29) nos cinemas

Classificação: 16 anos

Elenco: Fernanda Vianna, Mirella Façanha, Bruna Linzmeyer

Produção: Alemanha, França, Brasil, 2024

Direção: Juliana Rojas

Avaliação: Ótimo

LÚCIA MONTEIRO / Folhapress

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