Exército contrata acusado de garimpo ilegal para perfurar solo na terra yanomami

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O 6º Batalhão de Engenharia e Construção do Exército, em Roraima, contratou a empresa de um acusado de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami para a realização da perfuração de poços artesianos dentro do território.

Rodrigo Martins de Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas, foi denunciado pelo Ministério Público Federal sob suspeita de chefiar uma organização criminosa que operava com a exploração ilegal do solo na área das comunidades tradicionais. Ele e sua empresa, a Cataratas Poços Artesianos, são réus na Justiça Federal e negam as acusações.

Procurado, o Exército não se pronunciou até a publicação.

Isso não impediu que, em março deste ano, o Exército contratasse, sem licitação, essa mesma empresa para a “perfuração de poço artesiano no território indígena yanomami”, por R$ 185 mil. O acordo foi publicado no Diário Oficial da União, como mostrou o site Amazônia Real.

Segundo o contrato, o local de execução do poço artesiano é dentro da terra indígena, na região de Surucucu, onde fica um pelotão de fronteira do Exército. O serviço prevê uma perfuração de 120 metros de profundidade e o prazo para realização é até novembro deste ano.

Cataratas, por meio de sua advogada, afirmou que o contrato firmado é “público e acessível”. “Não há nenhuma ilegalidade da empresa que a impeça de prestar o serviço que a comunidade precisa. Aliás, o serviço só tem a levar o melhor para a comunidade Yanomami, já que a perfuração de poços artesianos tem o objetivo de facilitar o abastecimento de água”, disse.

Rodrigo Cataratas é piloto e empresário. Suas aeronaves já foram alvos de uma série de operações da Polícia Federal e do Ibama.

No início deste ano, ele foi multado pelo instituto em R$ 5 milhões por ser dono de um helicóptero que era utilizado pelo garimpo ilegal.

Bolsonarista, ele foi candidato a deputado federal e declarou à Justiça Eleitoral ser dono de R$ 4,5 milhões em dinheiro vivo. Ele foi preso por suspeita de compra de votos e não foi eleito.

Seu filho, Celso Rodrigo de Mello, que também é sócio da Cataratas Poços Artesianos, chegou a ser preso em em novembro de 2022, resultado de uma investigação sobre a queda de um helicóptero.

Segundo a PF, o grupo comandado por Cataratas movimentou mais de R$ 200 milhões.

Mello é dono de empreendimentos que receberam recursos do governo federal, principalmente para o transporte aéreo relacionado à saúde indígena, como a Folha de S.Paulo revelou em setembro de 2021.

Duas empresas já comandadas por Mello, uma delas a própria Cataratas Poços Artesianos e outra, a Icaraí Turismo Táxi Aéreo, receberam R$ 39,5 milhões da União desde 2014, sendo a maior fatia –R$ 23,5 milhões à Icaraí– no governo Bolsonaro.

Já a Icaraí, da qual o empresário deixou a sociedade em junho de 2022 por decisão judicial, foi contratada para o transporte aéreo de profissionais de saúde e de indígenas yanomamis durante o governo Bolsonaro. A firma descumpriu o contrato, no valor de R$ 7,4 milhões, e deixou de fornecer helicópteros para acesso à terra indígena por pelo menos 14 dias.

No período, houve mortes de crianças na região de Surucucu e fechamento de unidades básicas de saúde no território, em Roraima.

A interrupção dos serviços, os óbitos e o fechamento de postos de saúde se deram em dezembro de 2020, de acordo com um ofício do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami, que comunicou aos sócios da empresa a aplicação de penalidade em razão do descumprimento do contrato. O ofício foi anexado a um processo judicial de dissolução da sociedade da firma.

A defesa de Cataratas disse, em nota, que sua empresa foi boicotada por um de seus sócios, que tinha a intenção de “forçar a retirada de Rodrigo Mello” da sociedade, por deter o “poder de administração nas mãos”.

“A defesa esclarece novamente, que todo o esforço voltado a manchar a imagem da empresa e de seu proprietário, tentando relacioná-los a atividade de garimpo ilegal em terras indígenas, não passam de falácias, desprovidas de provas e fundamentos jurídicos”, afirmou Cataratas.

“Inclusive, sua defesa foi apresentada à Justiça federal, e pode ser acessada a quem interessar, sem deixar-se levar pelas narrativas inverídicas que insistem em ser propagadas, como se verdade fossem”, completou.

Em 20 de janeiro deste ano, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou estado de emergência em saúde pública na terra indígena. As ações emergenciais seguem em curso.

Em 2021 e em 2022, a crise humanitária dos yanomamis se agravou, com explosão de casos de malária e de doenças associadas à fome, como desnutrição grave, diarreia aguda, pneumonia e infecções respiratórias.

JOÃO GABRIEL / Folhapress

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