De repente, nos damos conta de que vivemos como sonâmbulos sem saber a que buscamos, sem desejo de estrelejar o futuro, nos acostumamos à melancolia, com uma enganosa alegria cronometrada, presa a redes, sociais ou não, que mostram apenas uma versão, temporária, do ser humano. Não dialogamos com o mundo, apenas respondemos ao que ele nos apresenta. Não questionamos. Passamos a ser uma espécie de engrenagem cansada na roda dos dias. Não nos apaixonamos mais pelas descobertas e deixamos para trás o êxtase da vida, que havia em nós quando éramos crianças.
O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) disse que a linguagem é a morada do ser. Habitamos o que produzimos pela palavra. Mas com quais palavras convivemos, com quais palavras nos deitamos, amanhecemos? E, principalmente: aprendemos a falar com nós mesmos? Os filósofos, especialmente Sócrates, nos apresentaram o diálogo como meio para ultrapassar a violência, para trabalhar contradições e para pacificar os homens. Mas não há violência maior do que o silêncio de uma pessoa consigo mesma.
Lembram-se de Ultraje a Rigor?
“Há quanto tempo eu vinha me procurando
Quanto tempo faz, já nem lembro mais
Sempre correndo atrás de mim feito um louco
Tentando sair desse meu sufoco
Eu era tudo que eu podia querer
Era tão simples e eu custei pra aprender
Daqui pra frente nova vida eu terei
Sempre a meu lado bem feliz eu serei
Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim”
Retomando, é evidente que não se habita o mundo fora de si. Mas, hoje, nos dias atuais, o conhecer a si mesmo é a mais escassa de todas as formas de comunicação. O mal-estar da cultura contemporânea freou nosso olhar para dentro. E adoecemos. O dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare (1564-1616), pelo personagem Hamlet, apresentou questionamentos sobre a nossa existência que até então nunca haviam sido feitos, trazendo ao debate “qual o sentido da vida”.
Para o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, que completou em julho 98 anos e será um dos homenageados da Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto, a vida pode ser divida em dois caminhos, que se cruzam diariamente: o da prosa e o da poesia. O viver prosaico seria o que fazemos por obrigação, o necessário à nossa sobrevivência, o fazer que não nos oferece esperança. Já o viver poético é a celebração do amor, quando asserenamos o coração ou entramos em euforia com uma música, quando colorimos o olhar diante do que é belo, diante do mar, de uma árvore florida, o que nos dá paixão, fervor, emoção. Ambos convivem em nós, mas a parte poética está sendo, dia a dia, apagada.
Se analisarmos, domesticamos a criança, nos trancamos em um compartimento social e ceifamos, também, o diálogo com a poesia. No fundo, temos todos um destino em comum. Estamos na mesma aventura, nos ensina Morin. E pessoalmente digo: a vida é o próprio sonho, quase escasso, solitário, acuado, para o qual precisamos acordar, antes que nosso olhar se cerre para sempre. E então, qual o papo, para hoje, com você mesmo?