Sempre gostei muito de viajar. É claro que, em se tratando de férias, tanto melhor. Recordo-me de que, quando mais jovem, era tomado pela ansiedade quando estava em vias de pegar um avião e conhecer um novo lugar. Era uma ansiedade boa. Afinal, naquela época, o glamour da viagem começava no aeroporto. Gente bonita, bem arrumada e educada. Na aeronave o tratamento era espetacular. Após a decolagem logo chegaria às mãos algo especial para comer, um suco gelado, um vinho, uma cerveja ou um bom scotch. No bolsão do assento havia souvenires da companhia aérea. Era uma maravilha, e não estou falando de classe executiva ou primeira classe. Isso acontecia na econômica mesmo.
De tempos para cá, continuo ansioso quando da iminência de uma viagem. Só que, agora, uma ansiedade ruim, que compromete meu humor (que acredito já não ser dos melhores em circunstâncias normais). Na bagagem de mão a cartela de Rivotril é indispensável.
Os aeroportos do País se transformaram em rodoviárias pioradas, onde a sensação de glamour foi substituída pela premonição de que um grande barraco está para acontecer a qualquer momento. O sacrifício que antecede o embarque é cruel, muito cruel. Nem quero falar dos constantes atrasos para decolagem, porque, atualmente, decolagem atrasada é pleonasmo.
Pois bem, se pago para o despacho de mala, me sinto no prejuízo, porque as companhias se comprometeram a reduzir os preços das passagens em contrapartida à cobrança pelo despacho. Ledo engano, o preço só tem aumentado e outras espécies de cobrança foram instituídas: cobrança pela escolha de assento; cobrança pelo embarque prioritário; cobrança para viajar com dez centímetros a mais de espaço, na primeira fileira ou nas saídas de emergência, e cobrança por qualquer comida ou bebida que se queira consumir na aeronave. Se não despacho a bagagem, o sentimento de prejuízo é permutado pela raiva, ante o péssimo comportamento dos passageiros.
A fila de embarque mais parece uma corrida pelo ouro. No avião, o comissário de bordo avisa que mochilas devem ser mantidas embaixo dos assentos, para que os compartimentos sejam ocupados apenas por malas. Perda de tempo. Aqueles ávidos por levar vantagem, que não são poucos, alojam nos compartimentos suas malas, na maioria das vezes com dimensões e peso superiores ao permitido, além de mochilas gigantescas. Aí, em benefício dos espertalhões e com o assentimento da companhia aérea (porque também está levando vantagem). Se o compartimento está todo ocupado a ponto de não restar espaço nem para uma lancheira, a bagagem do coitado que entrou na aeronave no final da fila (porque não pagou por embarque prioritário) terá que ser despachada. E o comissário, com a maior cara de pau, dirá: “não haverá custo adicional para o despacho”. Pronto, a única vantagem de somente levar mala de bordo, para não ter que enfrentar a esteira de bagagem no desembarque, ficou prejudicada.
Superada essa etapa, que já requer pelo menos dois comprimidos sublinguais, vem a fases da acomodação física e da viagem, e dá-lhe contrariedade. A poltrona standard (padrão) faz com que qualquer ser de estatura e peso medianos se sinta numa cápsula. Fico sensibilizado com o sofrimento extra das pessoas fisicamente avantajadas e de mães acompanhadas de criança de colo. Chegar moídas no destino é inevitável. Não bastasse isso, a falta de bom senso de muitos impõe que se ouçam discursos em bom som nos aparelhos de celular.
O desembarque também é sofrível. Pessoas se descabelando pelo risco de perder conexões, a correria para a esteira de bagagem ou o ponto de taxi, onde a fila pode ser desanimadora.
Assim, nos voos domésticos, não há como escapar desses transtornos, que podem ser menores se assumidos os gastos com “assento conforto”, e com “embarque prioritário”. Alimenta-se a ganância das companhias aéreas, mas o risco de um infarto ou de um colapso nervoso é menor. Em viagens para o exterior, o conselho para aqueles que não nadam em dinheiro seria o de fazer uma boa poupança e viajar na executiva. Se a grana for escassa, a executiva vai doer no bolso (pelo menos três vezes o preço do assento na classe econômica). A racionalidade e a responsabilidade frente à fatura do cartão de crédito acabarão apontando o caminho da classe econômica. Ai é rezar pela sobrevivência, principalmente se a companhia for uma daquelas que se pautam pelo capitalismo selvagem – que colocam dois assentos onde caberia um; oferecem sanduiches ou marmitinhas incomíveis, e tratam o passageiro como se fosse uma cabeça de gado.
Faz pouco tempo, Luiz Felipe Pondé, filósofo e colunista da Folha de São Paulo, em um de seus bons artigos, sustentava algo que, por minha conta, batizei de tese da indispensabilidade da viagem aérea. Em resumo: subir num avião comercial somente por inadiável compromisso relacionado ao trabalho, ou para imprescindível tratamento de saúde. Eu ainda acrescentaria: se for para aproveitar as férias, dependendo do temperamento capitalista da companhia aérea, a viagem deve ser precedida de psicoterapia intensiva e rigorosa.