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Da Banda São Sebastião à USP-Filarmônica

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Da Banda São Sebastião à USP-Filarmônica
Rubens Russomanno Ricciardi, colunista do Portal Thathi

Vamos tratar aqui de um breve panorama histórico da música em Ribeirão Preto.

A região de Ribeirão Preto possui história recente. Seu povoamento remonta ao terceiro quartel do século XIX, impulsionado, em especial, pelo café, que, como se sabe, nos primórdios de seu ciclo, contava com mão de obra escrava.

O processo de urbanização e do estabelecimento econômico da região se deu também pelas mãos de brasileiros que vieram de outras regiões do país, em grande maioria das minas, já então há muito exauridas.

Imigrantes que fugiam de crises econômicas em seus países – oriundos da Europa (em especial da Itália), do Oriente Médio e Extremo Oriente – completaram o contingente dos assim chamados “desbravadores”.

Em meio a esta demanda civilizatória multifária, tiveram início também as atividades musicais em Ribeirão Preto, no final do século XIX e início do século XX.

Duas instituições devem ser citadas inicialmente em matéria da música em Ribeirão Preto: a Igreja Matriz de São Sebastião (construída na década de 50 do século XIX e demolida em 1904 – situava-se aproximadamente onde se encontra hoje a fonte luminosa da Praça XV) – e o Theatro Carlos Gomes (inaugurado em 1897 e demolido em 1944, situava-se no terreno da atual Praça Carlos Gomes, também no centro da cidade).

Portanto, entre 1897 e 1904, ambas as edificações de importância histórica para a música se situaram a poucos metros de distância uma da outra.

Igreja Matriz de São Sebastião em Ribeirão Preto (1868)

A Banda São Sebastião, a mais antiga corporação musical de Ribeirão Preto que se tem notícia, cuja atuação abrange os últimos anos da monarquia e os primeiros anos da república, esteve atrelada à Igreja Matriz de São Sebastião. Além daqueles recém chegados à região, cuja origem hoje se torna de difícil reconhecimento em sua totalidade (mais provavelmente mineiros, e, menos provável, europeus), é possível que escravos ou alforriados (na época se dizia forros) também tenham atuado entre seus músicos.

Como se sabe, entre as atividades humanas, a música é aquela que, pelo menos no Brasil, desde os primórdios da escravidão, mais viabilizou a ascensão social de negros e pardos – e de maneira ainda mais contundente, desde os tempos de Marquês de Pombal, com sua política colonial de inserção e maior mobilidade social, enquanto déspota esclarecido.

Na história do Brasil, muitos escravos não só obtiveram a liberdade por conta do talento musical, mas tornaram-se também oficiais em milícias (a tropa não paga de antigamente) ou galgaram posições eclesiásticas, entre outras honrarias.

Este último é o caso de Pedro Xavier de Paula (oriundo de Guaratinguetá, com datas ainda desconhecidas de nascimento e morte), a primeira liderança musical de Ribeirão Preto.

Banda São Sebastião – Foto do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (Registro 284)

A Banda São Sebastião está retratada neste que até aqui é o documento iconográfico mais antigo da música em Ribeirão Preto.

Esta foto acima remonta ao final da década de 70 do século XIX, com o vigário da paróquia, o italiano Nunzio Grecco (atuou em Ribeirão Preto de 1877 a 1890), ao centro, sentado, e, de pé, o terceiro da esquerda para direita, Pedro Xavier de Paula, aqui um músico ainda bastante jovem.

Pedro Xavier de Paula (também citado por cronistas como “alfaiate negro”, ou ainda pelo apelido de “Pedro Músico” ou “Pedro Tudo”) seria, posteriormente, o mestre desta banda e ainda, de 1887 a 1889, fabriqueiro da Matriz de São Sebastião (esta última informação oriunda da tese de doutorado Do santo? ou de quem… Ribeirão Preto – gênese da cidade mercadoria, p.208, de Valéria Eugênia Garcia, defendida em 2013, junto ao IAU-USP, em São Carlos). Portanto, Pedro Xavier de Paula se tornou não só autoridade musical como também, enquanto importante membro do conselho paroquial, o principal responsável pela administração e finanças da nossa antiga Matriz.

O repertório da Banda São Sebastião, tal como ocorria em muitas corporações musicais daqueles anos, era talvez composto basicamente por música sacra, em grande parte com adaptações de obras do período colonial brasileiro. A Banda São Sebastião participava das procissões, atuava na Semana Santa, bem como atendia ao exigente calendário católico dos tempos do Padroado (sistema vigente no Brasil até 1889, no qual Estado e Igreja eram uma só e mesma entidade sob poder do monarca).

Com a proclamação da república que instaurou o estado laico, contudo, a Banda São Sebastião entrou em decadência, levando-a a uma precoce extinção. Infelizmente, nem seu arquivo musical sobreviveu aos tempos. A própria Igreja Matriz também foi demolida, numa ação articulada pela Câmara Municipal, tendo-se em vista o lema positivista “abaixo as velhas taperas” da velha república. Em nome do progresso e da modernização, justificava-se todo tipo de demolição por conta do espírito antimonárquico, antilusitano, anticlerical e, acima de tudo, contrário à história e à natureza (naqueles tempos, no Rio de Janeiro, por exemplo, não só demoliram o Colégio dos Jesuítas, mas arrancaram o Morro do Castelo inteiro, destruindo a geografia original e dilacerando, para sempre, o próprio coração da cidade).

Outro fato que pode ter contribuído para a extinção da Banda São Sebastião foi a política da Igreja Católica para com a música, notadamente por meio do Motu próprio, intitulado Tra le sollecitudini, publicado em 1903. O papa Pio X proibia então, na liturgia católica, qualquer repertório distante do cantochão (canto gregoriano medieval) ou da polifonia clássica (Renascimento do século XVI). Este escrito apostólico papal sobre a música na igreja pode ter sido fatal não só para a Banda São Sebastião, como provocou também, não em raros casos, a extinção de antigas corporações musicais religiosas no Brasil, incluindo-se seus arquivos coloniais e do século XIX. Ou seja, perderam-se obras sacras de compositores locais, no Brasil, porque não atendiam mais às novas diretrizes do papa em Roma.

Banda São Sebastião – Foto do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (Registro 283)

Esta agora, acima, é a segunda foto que se tem notícia da Banda São Sebastião, tirada pelo fotógrafo Aristides Motta, na última década do século XIX. O mesmo Pedro Xavier de Paula, na foto anterior com Sax-Horn Alto, reaparece agora, sentado, ao centro, já mais velho, com barba, segurando uma baqueta de bumbo.

É possível que outros músicos constem também em ambas as fotos, como é o caso certamente do Oficleide – em ambas as fotos de pé, segundo da direita para a esquerda. Com outros instrumentos também podem constar os mesmos músicos, como Helicom / Barítono (Bombardino), Sax-Horn Alto, Clarineta (dúvida músico), Trombone (dúvida músico e instrumento) e Eufônio / provavelmente outro instrumento grave.

Passando agora da música religiosa para a profana, o Theatro Carlos Gomes é exemplo significativo não só de uma vocação artística presente na cidade desde sempre, como também registra seu espírito historicamente empreendedor e ousado em projetos musicais.

Theatro Carlos Gomes

Com a decadência do repertório sacro, a música em Ribeirão Preto passa a ter outros focos de atuação. Em 1905, temos notícia da Banda de Conegundes Rangel (?-1964) se apresentando com seus novos repertórios numa festa na Capela de Santo Antônio (hoje ainda existente, na Avenida da Saudade, próxima à Rua Rio de Janeiro):

Festa de Santo Antonio – Com toda a pompa realisou-se hontem na Capella de Santo Antonio nesta cidade, a festa do grande e popular Santo Antonio de Lisbôa. Foi celebrante da missa o Revdmo. Sr. Padre Euclides Gomes Carneiro. Tocou em todos os actos religiosos a banda musical do Sr. Conegundes Rangel. A concurrencia dos fieis áquelle templo foi enorme (Jornal “A Cidade”, 14 de junho de 1905).

O maestro Conegundes Rangel foi funcionário público estadual (na Secretaria da Fazenda) e professor, fundador a primeira escola pública de Viradouro, em 1915, tendo atuado também em Casa Branca. Rangel é um exemplo de músico compositor amador atuante em Ribeirão Preto no início do século XX. Fontes primárias de várias de suas obras se encontram hoje depositadas no Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP. Entre outros, há títulos como Rio Branco – Gran Dobrado; Valsa; Ciúmes d’arte – Sinfonia; Sem malícia – Tango; Ingênua – Schotisch; Ore di Meditazione – Mazurka; Paródia – Sinfonia e A cidade – Marcha.

Já a Filhos de Euterpe, banda de música ainda mais importante, foi regida pelo maestro José Delfino Machado (18?? – São Paulo, 1942), residente em Ribeirão Preto por muitos anos. Em 1901, há notícia de apresentação sua na inauguração do novo jardim “do Dr. Loyola” (Praça XV), com Hino Nacional e Marselhesa. Já em 1909, a Filhos de Euterpe foi premiada em segundo lugar num concurso de bandas em São Paulo.

Na foto abaixo temos o maestro e compositor Delfino Machado (único de perfil, bem à esquerda) à frente de sua banda Filhos de Euterpe:

Banda Filhos de Euterpe – Foto do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (Registro 153)

José Delfino Machado foi também compositor produtivo. Fontes primárias de várias de suas obras se encontram hoje depositadas no Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP. Entre outros, há títulos como Vagaroza – Polka; Mellancolica (Melancholica) – Valsa; Amor filial – Mazurka; Recreação – Fantasia; Sempre gelozza – Valsa lenta; Deuzina (Deusinha) – Mazurka; Valsa brasileira sensível; Capital d’oeste – Passo doppio symphonico; Capadocio – Rapisodia; Minas Geraes – Marcha; Chateau dos promptos – Habanera; O teu regimento – Marcha; O cordão – Tango; Odeon (1914) – Marcha – para a inauguração do novo Cine Odeon; Triumphal – Passo doppio; Marcha final; O Bandoleiro – Tango; Zezinha – Mazurka; Morrer de amores – Phantasia grande; Um samba no Bom Retiro; Na floresta – Mazurka; Invencível – Marcha; Los pimpolhos e Marcha; Canção árabe – Melodia.

Delfino Machado seria ainda o primeiro maestro da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (doravante OSRP), nos anos de 1920. Na foto a seguir podemos observar, além do maestro Delfino Machado (quinto da esquerda para direita, sentado à frente), outros músicos importantes, como Max Bartsch (na fileira do meio, terceiro da esquerda para a direita, que seria o fundador da Sociedade Musical em 1938, além de um importante articulador musical junto à PRA-7, Rádio Clube de Ribeirão Preto, compositor e tocava cítara, paisagista e funcionário da Cervejaria Paulista), o spalla Hermenegildo Beretta (na fileira de trás, o segundo da esquerda para a direita) e o pianista e maestro Carlos Nardelli (sentado à frente, quarto da esquerda para a direita). Lembramos ainda que esta é a foto mais antiga da OSRP.

 

OSRP (1923) – Foto do Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP (Acervo Belmácio Pousa Godinho)

Belmácio Pousa Godinho (Piracicaba, 1892 – Ribeirão Preto, 1980), atuante em Ribeirão Preto desde 1917, é um nome também importante da música na cidade. Seu acervo pessoal (contendo notícias de jornais, fotos, documentos pessoais e a maior parte de suas partituras impressas e manuscritas) encontra-se depositado no Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP. Além de músico, foi jogador de futebol do XV de Piracicaba e do Comercial Futebol Clube (tendo sido também seu presidente), e, por muitos anos, proprietário da Loja “A Musical” de pianos e partituras, que se localizava na Rua General Osório, fundada em 1919.

Também flautista da OSRP (como se observa de sua foto acima, na fileira do meio, o quarto da direita para a esquerda), Belmácio Pousa Godinho é compositor do Hino do Comercial Futebol Clube e Supremo Adeus, entre outras obras que marcaram época.

A estreia do Hino do Comercial Futebol Clube se deus logo após a excursão vitoriosa da esquadra alvinegra ribeirãopretana pelo nordeste do Brasil, noticiada pela imprensa local. Nota-se que o Hino do Comercial abria e encerrava a retreta, ao lado de árias de óperas e operetas do século XIX, entre outros, de Lehár e Verdi:

Jardim Publico – A Banda “Independente”, em homenagem aos valorosos e bravos rapazes do “Commercial F. C.” executará hoje no coreto do Jardim Publico , o seguinte programma:

I Parte
– Hymno do Commercial F. C., B. Pousa Godinho
– Aída, final do segundo ato, G. Verdi.
– Viúva alegre, fantasia, Franz Lehar.
– Sonho dourado, dueto, V. Georgio.

II Parte
– Trovador, Aria, G. Verdi.
– Brasillianita, Ouvertur, N.N.
– Colloqui d’Amore, Duetto, N.N.
– Hymno do Commercial F. C., B. Pousa Godinho.

(Jornal “A Cidade”, 6 de junho de 1920)

A OSRP, das mais antigas do Brasil e, desde 1938, mantida pela Associação Musical, tornou-se uma entidade de importância histórica para a música em Ribeirão Preto. Fundada por músicos amadores, vem tentando um difícil processo de profissionalização desde os anos 90 do século passado, uma vez que se trata da única orquestra sinfônica profissional no Brasil não mantida com recursos públicos.

Um dos maestros, músicos e diretores da OSRP, Edmundo Russomanno (Bragança Paulista, 1893 – Ribeirão Preto, 1963), também foi compositor. Seu acervo de autógrafos musicais se encontra hoje depositado no Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP.Entre outros, há títulos de composições suas como Primavera – fantasia para clarineta e orquestra; Canto dos Bandeirantes; Carlos Roberto – tango; O Órphão – Dobrado; Samba do crioulo – para banda; Ave Maria para coro e orquestra e Sublimação – Valsa para piano, além de inúmeras obras para piano, missas e chorinhos.

OSRP (1951) regida por Edmundo Russomanno – Foto do Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP (Acervo Edmundo Russomanno)

Esta última foto já marca a atuação da OSRP no Theatro Pedro II, inaugurado em 1930. Trata-se de um dos melhores palcos para a música no Brasil.

Anteriormente com capacidade para mais de 1500 pessoas, hoje este número foi reduzido para menos de 1200, porque, no Brasil, infelizmente, confunde-se erroneamente a segurança em eventos de indústria da cultura, por conta da Boate Kiss, com as atividades artísticas dos grandes teatros, sem qualquer incidente em suas histórias centenárias.

O Theatro Pedro II é um teatro de ópera com excelente fosso de orquestra e acústica perfeita tanto para música cantada com cena como para concertos sinfônicos e mesmo música de câmara.

Voltando à OSRP, em sua primeira fase, dos anos 20 do século passado até 1962, atuou enquanto orquestra clássica a 2 e a 3 em cada naipe de sopros (flautas, oboés, clarinetas, fagotes, trompas, trompetes e trombones), tímpano e cordas (com oito primeiros violinos / oito segundos violinos /três violas /dois violoncelos /dois contrabaixos).

Contava com bons e variados regentes, tais como José Delfino Machado, Carlos Nardelli, Cônego Barros, Antônio Giammarusti, Edmundo Russomanno, Dinorá de Carvalho, Armando Belardi e Enrico Ziffer, tendo sido Ignácio Stábile o principal regente por maior tempo.

Em seus repertórios houve estreias de obras de compositores residentes na cidade, como Pietro Giammarusti, Belmácio Pousa Godinho, Edmundo Russomanno e Ignácio Stabile, entre outros, incluindo-se os músicos da região, como Homero de Sá Barreto (irmão do prefeito Fábio Barreto), natural de Cravinhos e radicado no Rio de Janeiro.

De seus projetos realizados no Theatro Pedro II, constavam também récitas de óperas completas, como Il Guarany, Rigoletto, La Traviata e Madame Butterfly.

Outros destaques se deram na programação constante de compositores brasileiros, nomes como Antônio Carlos Gomes, Henrique Oswald, Luiz Levy, Alexandre Levy, Alberto Nepomuceno, Francisco Braga e Francisco Mignone, entre outros.

A PRA-7, Radio Clube de Ribeirão Preto, transmitia ao vivo, por telefone, os concertos da OSRP, diretamente do Theatro Pedro II.

Theatro Pedro II logo após sua inauguração (década de 1930)

Podemos citar um exemplo do espírito inovador dos repertórios apresentados pela OSRP, digno de constar nos centros mais avançados, como no concerto de 21 de setembro de 1956, sob regência do maestro convidado Jorge Kaszás (maestro húngaro, 1915-2002), com obras de Mozart (Serenata nº 6 e a Abertura da ópera O Rapto do Serralho), Bartók (Dos quadros da Hungria), Katchaturian (Gayameh), Leopoldo Miguez (Elegia), Alexandre Levy (Samba), Cláudio Santoro (Ponteio) e Guerra-Peixe (A Inúbia do Caboclinho e Ponteado), com vários músicos extras convidados de São Paulo.

Em sua segunda fase, de 1962 a 1994, a OSRP foi inicialmente regida por Spartaco Rossi (regente titular), havendo posteriormente um aumento acentuado das dificuldades, com problemas técnico-operacionais, perspectivas artísticas redutivas, quase não havendo regentes convidados, bem como com a estagnação de seus repertórios. Somava-se a tudo isso ainda a decadência do Theatro Pedro II (que após adaptações para se transformar em cinema sofreu um incêndio em 1980).

Em sua terceira fase, de 1995 a 2012, a OSRP passa por um sempre difícil processo de profissionalização, não obstante acentuada evolução técnica e artística de seus quadros, em especial, por conta da atuação de dois entre seus regentes titulares, Roberto Minczuk e Cláudio Cruz – ambos vieram a Ribeirão Preto por nossa iniciativa.

Com número expressivo de bons regentes e solistas convidados, houve uma renovação dos repertórios já numa orquestra clássica completa. Destacam-se projetos como o “Juventude tem Concerto”, os “Concertos Internacionais”, “Concertos OHL” (com a gravação de CDs), bem como se incluindo ainda a realização de montagens completas de récitas de óperas, como Die Zauberflöte (em parceria com a Cia Minaz), Cavalleria Rusticana, Rigoletto e La Bohème, entre outros projetos.

Toda esta agenda foi articulada com maior sucesso desde a reinauguração do Theatro Pedro II, em agosto 1996, que voltou a ser teatro de ópera com suas excelentes configurações originais – não obstante a boa reforma que modernizou suas instalações gerais.

Em 1990, destaca-se também, nas produções operísticas da cidade, a fundação da Cia Minaz, hoje em plena atividade e contando com teatro próprio.

Por conta do projeto articulado pelos professores Moacyr Antônio Mestriner e Wilson Roberto Navega Lodi (ambos da FMRP-USP), seguidos por nossa humilde pessoa, o Conselho Universitário da USP, presidido pelo magnífico reitor Jacques Marcovich, deliberou a fundação e a instalação do Curso de Música no Campus de Ribeirão Preto, como extensão da ECA de São Paulo, a 31 de julho de 2001. A 26 de setembro daquele ano, nós éramos nomeados para a primeira coordenação da ECA-USP em Ribeirão Preto.

A Sala de Concertos da Tulha (prédio do último quartel do século XIX, outrora tulha de café da Fazenda Monte Alegre de Francisco Schmidt) já havia sido reinaugurada em 1997. Desde então, a Sala de Concertos da Tulha – que passou a pertencer ao Curso de Música – tornou-se um dos mais importantes locais para apresentações de música de câmara na região de Ribeirão Preto. Outros dois prédios importantes para a música foram inaugurados nos anos seguintes no campus da USP, o Auditório da FDRP-USP e o Teatro do Campus (antiga Capela da Medicina).

Para que o Curso de Música da USP pudesse almejar um status de excelência nacional e internacional, a primeira tarefa que se tornava urgente – enquanto linha prioritária para as futuras pesquisas – era sua consolidação enquanto curso regional. Assim, em 2004, foi fundado o Bacharelado em Instrumento Viola Caipira, projeto pioneiro no gênero, consolidando as essenciais interfaces da arte da música com a cultura caipira local.

Outra iniciativa foi a reunião e depósito na USP de arquivos e documentos históricos da música em Ribeirão Preto e região. Numa ação conjunta com José Gustavo Julião de Camargo, intermediamos a aquisição de coleções e acervos de partituras, manuscritos e documentos iconográficos de bandas paulistas, como a Gomes & Puccini e a Pietro Mascagni de Jaboticabal, a Antonio Passarelli de Birigui, e demais bandas extintas da região de Ribeirão Preto, bem como de compositores e músicos tais como Belmácio Pousa Godinho, Edmundo Russomanno, Gaetano Baccega e, recentemente, todo o Acervo Gilberto Mendes.

Tais fontes se tornaram, desde 2012, o Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP, ainda em processo de instalação e consolidação, com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP.

Sala de Concertos da Tulha e também sede do NAP-CIPEM da FFCLRP-USP e do Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP

O Conselho Universitário da USP deliberou a fundação do Departamento de Música da FFCLRP-USP a 14 de dezembro de 2010, com conselho departamental próprio e constituído por massa crítica local e comprometida diretamente com o bom desenvolvimento da música no Campus de Ribeirão Preto da USP.

De 2002 a 2010, a massa crítica de professores foi crescendo, chegando a um total de 15 claros docentes. Um projeto importante que está sendo proposto agora é o Mestrado Profissional em Performance Musical, o primeiro do gênero no Centro-Sul do Brasil.

O Departamento de Música da FFCLRP-USP promove ainda Encontros de Musicologia (na semana passada ocorreu sua oitava edição, sob curadoria de Marcos Câmara de Castro) e festivais de música – como o Festival Música Nova “Gilberto Mendes”, tendo o Campus da USP de Ribeirão Preto como sede principal desde 2012 (em 2018 ocorreu a 52ª edição, sob curadoria de Lucas Eduardo da Silva Galon).

Destacam-se também atualmente as duas séries mensais Concertos USP, no Theatro Pedro II (uma das mais antigas e tradicionais do Brasil, desde 1969, quando então era promovida pelo Grupo-Música, sempre na última terça-feira de cada mês, em parceria com a Fundação D. Pedro II), e no Teatro Municipal de São Carlos (uma parceria com o Grupo Gestor da USP de São Carlos, sempre na última quarta-feira de cada mês).

Bloco 34 da FFCLRP-USP – Bloco didático do Curso de Música

Os principais grupos musicais do Departamento de Música da FFCLRP-USP são: Ensemble Mentemanuque (com nossa direção desde 1993); Grupo de Percussão de Ribeirão Preto – GRUPURI (sob direção de Eliana Sulpício); Coral da Filô (sob direção de Marcos Câmara de Castro), Oficina Experimental da Voz e Oficina Experimental de Instrumentos (sob direção de Silvia Maria Pires Cabrera Berg), Banda Mogiana (sob direção de José Gustavo Julião de Camargo), In Tempori Duo (com Carlos Sulpício, trompete, e Eliana Sulpício, percussão) e Duo Corvisier (duo pianístico com Fátima Corvisier e Fernando Corvisier).

Além de laboratórios e grupos de pesquisa, o DM-FFCLRP-USP conta com o Núcleo de Pesquisa em Ciências da Performance em Música (NAP-CIPEM). O principal projeto hoje do NAP-CIPEM é a série de livros com gravações, intitulada “Coleção USP de Música”, integrando a pesquisa musicológica publicada na forma de livros, acrescentada de gravações artísticas (produzidas pelo próprio estúdio do NAP-CIPEM) –

também um modelo de produção para o mestrado profissional.

Vários projetos recentes em música, visando a formação de crianças e adolescentes, vêm também marcando época.

Pela USP, em Ribeirão Preto, temos o USP-Música-Criança, numa parceria com a FMRP-USP, levando aulas de música para crianças em postos de saúde, afinal, criança que toca e canta não fica doente. Lembramos que aulas de música para crianças, para muito além da mera cultura, é arte, é saúde, é a melhor educação e é também segurança. Pena que ainda não conseguimos apoio da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto para incrementar este projeto, que tanto benefício traz às crianças e suas famílias envolvidas.

Já em São Joaquim da Barra, com apoio da Loja Fraternal Jorge de Lollo, e com o mecenato de Carlos Alberto Nicolau, o Projeto USP-Música-Criança, instalado no Centro Cultural Carlos Alberto Nicolau, tornou-se um dos mais bem sucedidos do país. Com poucos anos de atuação, já temos orquestra sinfônica e coral formado pelas crianças, nossos alunos naquele projeto, com escola própria em excelentes instalações e teatro sinfônico próprio também. Mas claro que não podemos comparar, afinal, São Joaquim da Barra é cidade muito maior, e com maiores recursos que Ribeirão Preto.

Outro projeto de excelência, em convênio com a USP, é a Academia Livre de Música e Artes (ALMA), voltada à formação de jovens em música, teatro e dança, com aprendizado artístico mais avançado. A ALMA vem se tornando o principal celeiro de jovens talentos na cidade de Ribeirão Preto.

Destaca-se, por fim, a USP-Filarmônica, orquestra de alunos bolsistas do Departamento de Música da FFCRLP-USP, fundada em fevereiro de 2011.

USP-Filarmônica no Theatro Pedro II (2014)

Ao nosso lado (atuamos aqui como maestro principal), José Gustavo Julião de Camargo (maestro assistente) atua na direção artística desde a sua fundação. Outros jovens valores da cidade também têm atuado como maestro convidado, como é o caso de Lucas Eduardo da Silva Galon.

Concertos sinfônicos e récitas de óperas já foram realizadas em Ribeirão Preto (Theatro Pedro II, Espaço Cultural Capela da USP e depois Teatro do Campus, Auditório da FDRP-USP, Sala de Concertos da Tulha da FFCLRP-USP, Teatro Municipal e Espaço de Eventos do RibeirãoShopping), Santos (Teatro do SESC), Barrinha (Teatro Municipal, em sua inauguração), São Carlos (Auditório Sérgio Mascarenhas do IFSC-USP, Teatro Municipal e Teatro da UFSCar “Florestan Fernandes”), Jaboticabal (Teatro Municipal, Ginásio Municipal de Esportes e UNESP), Franca (Teatro Municipal), Ourinhos (Teatro Municipal), Avaré (Igreja Matriz), Piracicaba (ESALQ), Itajubá (Teatro Municipal) e São Paulo (FM-USP e Centro de Difusão Internacional da USP).

A USP-Filarmônica tem participações em todas as edições anuais do Festival Música Nova “Gilberto Mendes” desde 2012, bem como récitas das óperas Bastien und Bastienne de Mozart e La serva padrona de Pergolesi.

Para junho de 2020, a USP-Filarmônica está trabalhando para apresentar a íntegra da ópera Gianni Schicchi de Puccini, no Theatro Pedro II, com destaque para a direção cênica de Ansgar Haag (do Teatro de Meiningen, Alemanha) e com a participação do grande tenor Johannes Grau (Berlim, Alemanha).

A filosofia de trabalho da USP-Filarmônica – em consonância com a filosofia pedagógica do DM-FFCLRP-USP, contempla a unidade da poíesis (a composição ou invenção musical, ofício de compositor) com a práxis (a interpretação-execução, ofício de instrumentista e cantor) com a theoria (a pesquisa em música, ofício do musicólogo), articuladas com os fundamentos de ensino, pesquisa e extensão da universidade pública.

Ao lado do repertório contemporâneo do século XXI, a USP-Filarmônica também trabalha com clássicos da música universal, num contraponto entre tradição e inovação, apresentando ainda alternadamente compositores de outros países e brasileiros.

Em relação específica à produção musical brasileira de concerto – um dos focos de trabalho da USP-Filarmônica – seus repertórios abrangem desde o período colonial até o contemporâneo, com forte interface com a produção do NAP-CIPEM do Departamento de Música da FFCLRP-USP enquanto resultado de suas pesquisas histórico-musicológicas.

Há também uma dedicação especial às obras dos compositores locais, tanto os de valor históricos já citados, cujas obras estão depositadas no Centro de Memória das Artes da FFCLRP-USP, como aqueles que estão em plena atividade, como José Gustavo Julião de Camargo, Silvia Maria Pires Cabrera Berg, Marcos Câmara de Castro, Lucas Eduardo da Silva Galon, Rafael Alexandre Fortaleza, Fernando Emboaba, Vitor Zafer, José Matsumoto e Lucas Pigari, entre outros, incluindo-se nossa humilde pessoa.

Somam-se a estes repertórios inéditos também obras de compositores diretamente relacionados ao Curso de Música da USP de Ribeirão Preto, como são os casos de Olivier Toni e Gilberto Mendes, entre outros.

Da Banda São Sebastião à USP-Filarmônica, a história da música em Ribeirão Preto é rica em inovação, na elaboração de repertórios locais, ao lado daqueles consagrados. Vale a pena investir e valorizar a música em nossa cidade, seja ópera, música de câmara ou sinfônica, projetos acadêmicos ou sociais, de instituições públicas ou privadas. Seguramente, Ribeirão Preto é um importante centro musical no Brasil.