BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Três entidades que representam o setor de tecnologia divulgaram nota nesta quarta-feira (19) na qual criticam a decisão de votar a partir da próxima semana o projeto que regula a atuação de plataformas no país, apelidado de PL das Fake News.
Elas pedem que parlamentares rejeitem o requerimento de urgência do projeto (em que ele é votado rapidamente no plenário, sem necessidade de passar pelas comissões) e apoiem a criação de uma comissão especial para tratar do tema.
No texto divulgado, as entidades –que representam empresas como Meta, Twitter, Google e Tik Tok– manifestam “firme preocupação com a ausência de governança do debate”, afirmam que o projeto de lei é fruto “de um processo tortuoso e fechado” e que ele “nunca foi objeto de consulta pública”.
Dizem ainda que, às vésperas da data sinalizada para votação, não há um “texto formal” do projeto e que versões informais que circulam trazem “inúmeros riscos”.
“Esforços de regulação de tecnologia são bem-vindos e nós queremos ser parte da construção de uma legislação que responda de maneira eficiente e equilibrada a desafios públicos. Entendemos, por exemplo, que temas como transparência e um processo justo e equânime para moderação de conteúdo e apelação de decisão, entre outros, são relevantes e devem ser objeto de discussão”, diz o texto.
A nota é assinada pela Associação Latino-Americana de Internet (Alai), pela Câmara Brasileira da Economia Digital (Camara-e.net) e pela Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro).
O texto é uma reação ao anúncio do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de que trabalha com a expectativa de que o projeto seja votado na Casa nos dias 26 e 27 deste mês.
“Todo mundo sabe que se não legislarmos, não coibirmos os excessos e impusermos os limites legislativos mínimos que sejam, nós vamos estar sempre nas mãos ou de um abuso ou de uma injustiça”, disse Lira em entrevista à GloboNews na semana passada.
As entidades listam no documento pontos que consideram “riscos” caso sejam incluídos na versão final do PL que será levado à votação.
Entre eles, afirmam que dispositivos no texto buscam responsabilizar plataformas por conteúdos de terceiros e “fazê-las analisá-los sob o aspecto de legalidade (competência privada do poder Judiciário), criando um perverso incentivo ao vigilantismo e à censura privada por parte das plataformas”.
Criticam também a criação de uma entidade pelo Executivo que “ficaria encarregada de supervisionar o cumprimento das obrigações estabelecidas em lei”.
“O governo, atual ou futuro, teria a prerrogativa de decidir se as plataformas estão arbitrando conteúdo corretamente e enviesar interpretações sobre o que deveria ou não estar nas plataformas, podendo inclusive determinar o banimento dos serviços”, diz o texto.
Elas apontam ainda que obrigações impostas “criam incentivos para que as plataformas atuem como um órgão de monitoramento e vigilância, o que deveria ser afastado por qualquer proposta de legislação”.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, o Congresso acerta os últimos detalhes do texto, em meio à pressão sobre redes sociais motivadas pelos recentes ataques a escolas.
O relator do PL, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), finalizou na segunda-feira (17) uma minuta de substitutivo, incorporando algumas sugestões do governo. Nesta semana, o parlamentar começou a se reunir com bancadas para negociar ajustes à proposta.
Igor Luna, consultor jurídico da Camara-e.net, diz que a posição das entidades é defender a discussão do texto e que uma regulação de alto nível “não é construída do dia para a noite”. “É construída com processo aberto, com participação do Parlamento, da sociedade civil e de entidades privadas com transparência.”
“Temos que criar uma legislação, mas uma legislação que seja coerente. Não adianta ir lá aprovar a lei e daqui a pouco [ela] está sendo uma censura ou somente punitiva. O mundo vai continuar evoluindo, não posso simplesmente fazer o banimento, tem que ver como isso vai se dar”, diz Marcelo Pascios, presidente da Assespro regional de São Paulo.
O gerente para o Brasil da Alai, Sérgio Garcia Alves, diz ainda que “minutas não oficiais surgindo de tempos em tempos transmitem pouca transparência” ao processo. “Esperamos que com o diálogo nós consigamos maior abertura e transparência do processo. Que siga os ritos já tradicionais de governança de internet do Brasil.”
À Folha de S.Paulo Orlando afirma que é “desonesto” dizer que não houve discussão do PL e que a opção de votar o requerimento de urgência e o texto no plenário é regimental e legítima.
“É desonesto dizer que não houve debates porque todas [entidades] participaram de debates públicos e centenas de reuniões bilaterais que eu próprio fiz com todos os setores, todas as plataformas. A ideia de comissão especial, na verdade, é uma tentativa de procrastinar, de adiar a apreciação dessa matéria que é urgente.”
“O Brasil está observando. Olha o caso da violência nas escolas, está todo mundo interessado em discutir medidas para a internet ser um ambiente mais saudável. Infelizmente é uma fake news dizer que não houve debate depois de dois anos de debate sobre esse projeto”, afirma o deputado.
VICTORIA AZEVEDO / Folhapress