Como tudo mundo sabe, o Brasil é um país cuja governança funciona na base do acordão, e até que bolem um novo, estarão todos esses institutos mais ou menos em posição de vulnerabilidade. É difícil prever com exatidão quem deve preencher essa vacância e quem deve ser vítima de bala perdida, mas temos algumas pistas. E o fato é que, cedo ou tarde, serão solucionados – a coisa vai se organizar, com ou sem Bolsonaro.
Ao mesmo tempo que é de uma extrema ingenuidade acreditar que algumas de suas trapalhadas mais graves, como a quebra de decoro no tweet do golden shower, podem acarretar um processo de impeachment por crime de responsabilidade, é também muito inocente quem acha que os poderosos não iriam removê-lo sumariamente caso julguem a situação insustentável.
O fiador da estabilidade e da permanência política no Brasil não é a estrita observância legal ou o respaldo popular, mas sim o apoio da classe política. O filósofo Marcos Nobre brincou uma vez em seu livro Imobilismo em Movimento que no Brasil é como se, a partir do momento em que alguém assume a presidência, é aberto um processo de impeachment contra o sujeito, processo esse que fica dormente. A satisfação da classe política para com o presidente é o que indica em que estado de latência encontra-se o processo.
Os motivos per se são secundários; pode-se e consegue-se impedir qualquer um, se assim a classe política julgar necessário. Uma vez encontrada uma razão mais ou menos convincente e pertinente, adequam-se os pormenores. Dilma Rousseff, por exemplo, caiu simplesmente porque perdeu todo o apoio político que tinha. Os motivos que levaram a isso são objeto para outro texto, mas chega a ser gritante que o suposto crime de responsabilidade fiscal de que teria sido culpada, o das pedaladas fiscais, tenha sido como que legalizado pelo Senado dois dias depois da votação pelo impedimento de Dilma, com a Lei 13.332/16.
A prisão de Michel Temer foi a Fundação Lava-Jato dando um recado semelhante: nós podemos e conseguimos prender qualquer um. Contudo, diferente da maioria dos políticos, grupo este em que incluem-se seus filhos, Bolsonaro não tem muito o que se preocupar com a Lava-Jato. O homem, afinal, parece ser realmente honesto. Dando-lhe o benefício da dúvida, sua maior preocupação deveria ser, de fato, o apoio do Congresso e do Senado, e como sabemos, esses não costumam penalizar desonestidades, mas sim trapalhadas políticas.
Mas de nada adianta Jair Bolsonaro ser um homem honesto se é incapaz de perceber que a classe política com que ele vem tanto se bicando está, na realidade, bastante disposta a trabalhar junto. A pergunta é até onde vai essa paciência, e a resposta é, na verdade, igualmente simples: vai até Sérgio Moro e Paulo Guedes.
Moro e Guedes não foram incluídos no improviso partidário do PSL a toa: eles são os para-raios de Bolsonaro, estão ali para indicar ao mercado, que opera através da classe política, que existem adultos profissionais e competentes na equipe, que são confiáveis.
Contudo, de nada adianta essa garantia se o próprio presidente insiste em passar seus dias no olho do furacão. Falo de Olavo de Carvalho. O carinho e atenção do presidente ao filósofo auto-exilado têm descabelado cientistas políticos Brasil afora. É mesmo muito estranho, afinal é duvidoso que Bolsonaro tenha lido a obra de Olavo. O que se passa? Por que é ele o conselheiro mais ouvido, tendo conseguido engatar sua ideia proto-monarquista de pronunciamentos oficiais semanais? Com os 100 dias de governo especulou-se que o dito olavismo estava perdendo suas forças, só para Olavo então indicar um terceiro ministro e dar entrevista a Pedro Bial no horário nobre da Globo. As razões, tão misteriosas, para que isso venha ocorrendo, são, também, objeto para outro texto. O que é bastante evidente e que nos interessa apontar é que, se a paciência da classe política para com Jair Bolsonaro deve estender-se até enquanto ainda estiverem presentes seus para-raios, Paulo Guedes e Sérgio Moro, a deles deve ir até onde conseguirem suportar as intromissões obscurantistas e grosseiras do astrólogo. O presidente tem que fazer uma escolha.