SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desancar as ideias imbecis veiculadas por best-sellers de não ficção é o objetivo de “If Books Could Kill” –algo como se livros fossem capazes de matar–, podcast apresentado pelo jornalista Michael Hobbes e pelo advogado Peter Shamshiri, ambos americanos. O resultado frequentemente é hilário, além de mostrar como o sucesso de muitas dessas obras se baseia em picaretagem mal disfarçada.
Hobbes e Shamshiri, que já tinham participado de outros podcasts de sucesso antes –criticando modas da indústria do bem-estar e a Suprema Corte dos EUA, respectivamente–, iniciaram o projeto em novembro do ano passado. Por enquanto, os dois têm publicado episódios quinzenais, intercalados semanalmente com programas apenas para seus apoiadores.
Os alvos escolhidos pela dupla vêm de um leque ecumênico de blockbusters literários, incluindo obras sobre ciência, relacionamentos, economia, esoterismo e até relações internacionais.
Alguns dos livros detonados pelos apresentadores são, é preciso admitir, sacos de pancada bastante óbvios –é o caso do sucesso místico “O Segredo”, de Rhonda Byrne–, enquanto outros ainda são levados a sério até por acadêmicos, como “O Fim da História e o Último Homem”, do filósofo Francis Fukuyama.
A maioria dos títulos também fez ou ainda faz sucesso no Brasil –caso de “Pai Rico, Pai Pobre”, “Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus”, “Freakonomics” e “Fora de Série – Outliers”.
A cada episódio, um dos apresentadores se encarrega de ler cuidadosamente a obra a ser malhada –poupando assim seu colega de se submeter ao mesmo sacrifício. Depois disso, sua tarefa é apresentar as principais ideias do livro para o outro, além de fazer uma checagem de fatos a respeito de algumas das afirmações factuais de cada obra.
Descrever as coisas desse jeito faz os episódios parecerem muito mais sisudos do que realmente são. O elemento mais importante de “If Books Could Kill” é a disposição para demolir os best-sellers resenhados na base da machadada. O comentário inicial de Shamshiri a respeito de “Pai Rico, Pai Pobre”, suposto guia de educação financeira, representa bem o ritmo do podcast.
“Se você quiser escrever um livro sério de educação financeira, o resultado vai ser muito chato e óbvio: gaste menos do que você ganha, tenha uma reserva, diversifique seus investimentos se possível”, resume Shamshiri. “Para virar best-seller nessa área, você tem de ser capaz de invocar aquela energia caótica do mal, senão não adianta.”
Além de derrubar interpretações simplistas ou equivocadas de fenômenos complexos nesses livros, a dupla também mostra como os saltos de retórica usados por eles muitas vezes têm pressupostos ideológicos.
No formato atual, os episódios quase sempre são garantia de boas risadas –a não ser, é claro, que o ouvinte seja fã de carteirinha ou autor dos livros citados– e de uma bem-vinda checagem de fatos. O calcanhar de Aquiles da abordagem, no entanto, é provavelmente o fato de ela pregar para convertidos.
Afinal, a tiração de sarro impiedosa dificilmente vai ser capaz de convencer um admirador dessas obras a mandá-las para a reciclagem. Em alguns casos, o efeito pode até ser o contrário.
Por outro lado, se os ouvintes forem capazes de transformar as críticas da dupla em algo mais palatável e diplomático na hora de conversar com os incautos que gostam desse tipo de livro, o resultado será ótimo para todos os envolvidos.
IF BOOKS COULD KILL
Quando: Novos episódios toda quinta
Onde: Disponível nas plataformas de streaming
Criação: Michael Hobbes e Peter Shamshiri
Avaliação: Muito bom
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress