SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Diplomatas dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França e da China serão retirados do Sudão após o Exército do país africano concordar em cooperar na operação. Os cidadãos estrangeiros fogem de um conflito que completa uma semana neste sábado (22) e já matou 413 pessoas e feriu outras 3.551, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
O general Fatah al-Burhan, líder do Sudão, disse que o Exército está fornecendo caminhos seguros, mas alguns aeroportos –incluindo o da capital Cartum e o de Nyala, na região de Darfur– ainda estão instáveis.
O grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido, em português), comandado pelo rival de Burhan, Mohamed Hamdan Dagalo, disse estar pronto para abrir parcialmente os aeroportos. Imagens ao vivo na televisão, porém, mostravam uma enorme nuvem de fumaça preta subindo do aeroporto de Cartum e o som de tiros e estrondos de artilharia neste sábado. A situação de outros pontos não é clara.
Os conflitos acontecem após mais uma tentativa fracassada de cessar-fogo. As duas partes envolvidas no conflito haviam afirmado que interromperiam os combates por três dias a partir desta sexta-feira (21), durante o Eid al fitr –feriado islâmico que marca o fim do período de jejum do Ramadã. Ambos os lados se acusam de romper a trégua.
A vitória de alguma das facções militares parece distante, mas também não há sinais de recuo de nenhum dos lados. O Exército tem poder aéreo, mas as RSF estão avançando em áreas urbanas –inclusive em instalações importantes da capital como o palácio presidencial, segundo as tropas de Burhan.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, deu as “boas-vindas aos anúncios”, mas afirmou estar claro que “não existe confiança entre as duas partes”. Assim como Espanha, Alemanha e ONU, entre outros atores internacionais, Blinken pediu que os combatentes honrem o cessar-fogo.
Os EUA anunciaram o envio de militares para a região para uma eventual retirada de cidadãos de sua embaixada em Cartum. Já a Coreia do Sul e o Japão enviarão aviões neste sábado, embora o aeroporto da capital permaneça fechado. A União Europeia, por sua vez, planeja uma operação de retirada por via terrestre. Segundo o ministro das Relações Exteriores espanhol, José Manuel Albares, 60 espanhóis estão no país, junto com outras 20 pessoas da América Latina.
De acordo com a televisão estatal da Arábia Saudita, cidadãos resgatados do Sudão chegaram por mar à cidade portuária de Jeddah. “O primeiro navio de resgate do Sudão chegou transportando 50 cidadãos sauditas e várias pessoas de países amigos”, afirmou a emissora Al-Ekhbariyah.
Neste sábado, o general Burhan fez seu comentário mais conciliador desde o início dos combates ao afirmar que os lados precisavam se sentar, como sudaneses, e “encontrar a saída certa para devolver a esperança e a vida”. “No Eid deste ano, nosso país sangra: a destruição, a desolação e o barulho das balas prevalecem sobre a alegria”, afirmou em pronunciamento na televisão estatal.
Sami al Nour, morador de Cartum, lamentou que o feriado muçulmano fosse celebrado este ano com “o som de tiros e o cheiro de morte em vez de bolos, crianças felizes e bons momentos em família”. Para Ibrahum Awad, outro habitante da capital, a situação era inevitável. “Um país com dois líderes e dois exércitos não pode avançar”, afirmou.
O atual conflito é fruto das divergências dos antigos aliados Burhan, líder sudanês, e Hemedti, como é conhecido o chefe das RSF. Em 2019, eles derrubaram a ditadura de 30 anos de Omar al Bashir e, após um golpe em 2021, ocuparam os dois principais cargos em um conselho que supervisionava a transição política para um governo civil e planejava a fusão das RSF com o Exército. Após não chegaram a um acordo sobre como integrar a milícia às Forças Armadas, mergulharam o Sudão no caos.
Fora de Cartum, os relatos de mais violência vêm de Darfur, região vizinha do Chade já desestruturada por uma guerra de 2003 que matou 300 mil pessoas e deslocou outras 2,7 milhões. Segundo a ONU, saqueadores levaram pelo menos dez veículos do Programa Mundial de Alimentos depois de invadir os escritórios da agência em Nyala, no sul dessa região.
Durante o conflito, três funcionários do programa foram mortos, o que levou o órgão a interromper suas operações no país –cerca de um quarto da população enfrenta fome aguda.
Em Omdurman, uma das cidades vizinhas de Cartum, teme-se o destino dos detidos na prisão de al-Huda, a maior do Sudão. Na última sexta-feira, o Exército acusou as RSF de invadir a prisão –o que a força paramilitar nega. Os advogados de um prisioneiro, porém, disseram em nota que um grupo armado esvaziou a penitenciária.
Centros de saúde, que sofrem com desabastecimento, não estão sendo poupados. O sindicato dos médicos sudaneses disse no início deste sábado que mais de dois terços dos hospitais em áreas de conflito estavam fora de serviço, com 32 esvaziados à força por soldados ou atingidos pela violência.
Alguns dos hospitais restantes, que precisam de água, pessoal e eletricidade adequados, prestavam apenas os primeiros socorros. Nas redes sociais, pessoas postam pedidos urgentes para assistência médica, transporte e medicamentos.
Qualquer interrupção nos combates pode acelerar uma corrida desesperada dos moradores. Entre 10 mil e 20 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças, cruzaram a fronteira com o Chade, disse o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) na quinta-feira (20).
O Sudão faz fronteira com sete países, incluindo a instável região africana do Sahel. As hostilidades correm o risco de aumentar as tensões regionais –Burhan disse que conversou com o líder militar do leste da Líbia, Khalifa Haftar, após relatos de fornecimento de armas às RSF. O general sudanês disse ainda que também estava em contato com os líderes do Chade e da Etiópia.
Redação / Folhapress