‘Minidoc’ da mala vira estratégia antiperrengue em voos internacionais

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A partir do momento em que colocou os pés no Terminal 3 do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, a aposentada Sandra Oliva Stefanovitz, 66, passou a filmar todo o seu trajeto ao lado da mala até o momento em que a bagagem rolou pela esteira após fazer o check-in rumo à Holanda. As imagens foram compartilhadas com familiares.

Neurose? “Não, estou sendo cautelosa, todo cuidado aqui é pouco”, disse ela. “Não dá para confiar. Quantas pessoas inocentes podem estar presas mundo afora por não conseguirem provar que a mala com droga não era delas.”

Eram 16h15 da última sexta-feira de feriado (21) quando Sandra entrou em Cumbica. Registrou em vídeo as imagens da empresa colocando o plástico de proteção em sua bagagem. Filmou a mala já plastificada. Dentro da bagagem, ela separou em pacotes diferentes itens, todos identificados com seus dados pessoais. A mala, ao ser despachada, também ostentava uma etiqueta de pano feita à mão. Tudo filmado e fotografado.

“Meu filho não entendeu nada quando mandei os vídeos”, brinca. O filho, no caso Deon, 32, conta Sandra, vive em Diemen, a pouco menos de 7 km de Amsterdã, onde trabalha como profissional de TI há três anos. “Ao longo da semana, tive que colocá-lo a par da história”, recorda-se.

“Olha a estrutura desse aeroporto. Como pode acontecer coisa desse tipo aqui dentro?”

Sandra refere-se ao fato recente que ganhou o noticiário nacional sobre as brasileiras Kátyna Baía e Jeanne Paolini terem ficado 38 dias presas em Frankfurt, na Alemanha, porque golpistas puseram as etiquetas de identificação da bagagem delas em malas cheias de cocaína no Aeroporto Internacional de São Paulo.

Após ação do Ministério da Justiça brasileiro, que enviou à Alemanha a investigação sobre a quadrilha que agia no aeroporto, Kátyna e Jeanne foram finalmente liberadas.

No lugar de selfie com a família na hora da despedida, o roteiro agora das viagens internacionais incorporou uma espécie de “minidoc” registrando passageiros ao lado de suas malas, explica Kenio dos Santos Cavalcanti, 42, designer, que foi levar a amiga Kelen Cristina Paviani, 31, analista de qualidade, em sua viagem rumo a Brisbane, na Austrália, com conexão em Doha, no Qatar.

“Já estou velha demais para puxar cadeia”, completou a mãe dele, Helena Alice, 73, que também acompanhou a amiga. “Por mim, a gente filma tudo, deixa todos os procedimentos gravados em vídeo e compartilha tanto com quem vai ficar por aqui como para o meu filho que estará na Austrália à espera dela”, disse Alice.

Kelen colocou, além de etiquetas externas, também internas, em diferentes partes da bagagem como medida de precaução. “É claro, a gente fica com medo”, disse ela.

Outra passageira, a esteticista Ana Kélita, 43, de Goiânia, mesma cidade das duas brasileiras presas na Alemanha, estava igualmente bastante apreensiva.

“Nós estamos saindo do Brasil para comemorar o meu aniversário em Paris. Imagina a gente cair numa emboscada dessas e ir parar na cadeia. Deus nos livre”, disse Ana.

Ao lado de Aniely, 14, mãe e filha se revezaram nas filmagens do percurso das bagagens de ambas. “Estou compartilhando tudo com a minha mãe e com o meu marido”, contou Ana. “Nem viajar em paz a gente pode mais, mas tudo bem”, complementou Aniely, esboçando um sorriso, sem reclamar das tarefas pré-check-in. Afinal, a garota faz parte da geração TikTok, acostumada a registrar quase tudo em vídeos.

“Não adianta. Agora, os passageiros filmam tudo. A partir da entrada, eles já ligam o celular. Gravam todo o processo de proteção da mala até a hora de despachar. Estão com medo”, conta o envolvedor de malas Matheus Henrique, 23, da Protec Bag. Com preços entre R$ 89 e R$ 109, ele costuma dar quatro voltas horizontais e outras quatro verticais com o material plástico em cada mala. “Muita gente também está pedindo para escrever o nome do passageiro, bem grande, no plástico envolto na mala.”

Assim foi feito com a bagagem do advogado Max Madruga, 51, que veio da Paraíba, rumo a Frankfurt, local onde ocorreu o incidente com as brasileiras, e, de lá, seguiria para a Suíça, em viagem a trabalho.

“Filmei todo o procedimento e vou filmar também no guichê da companhia aérea”, avisou. “O vídeo será encaminhado à minha mulher. É um procedimento paliativo para evitar um problema maior. Espero que as companhias aéreas e o próprio aeroporto se responsabilizem, caso ocorra algum imprevisto, não só os passageiros.”

O movimento em torno da proteção de bagagens, após o episódio da prisão das brasileiras, triplicou nas unidades da rede dentro do aeroporto, segundo Henrique, da Protec Bag.

Assim como aumentou a presença de ambulantes, os chamados “homens do plástico”, acionados pela segurança do aeroporto com a senha “rolo na mão”, conta os envolvedores de malas.

Um dos ambulantes, que pediu para o seu nome não ser revelado, diz que a demanda, depois da ação da “máfia da cocaína nas malas”, como assim a descreve, aumentou também bastante para eles. Os vendedores clandestinos de proteção de malas cobram entre R$ 25 e R$ 50, a depender do tamanho da bagagem.

O ambulante entrevistado, que perdeu o pé até a altura do calcanhar num acidente de moto, usa uma prótese para se locomover. Conta que o número de vendedores sem autorização nas últimas semanas mais que dobrou, tanto no Terminal 3 quanto no Terminal 2, na área de check-in das companhias internacionais. E acrescenta que, desempregado, pai de três filhos e morador da favela das Malvinas, está ali por que precisa sobreviver.

Procurada, a GRU Airport, concessionária que administra o maior aeroporto do país, informa que o manuseio das bagagens, desde o momento do check-in até a aeronave, é de responsabilidade das empresas aéreas.

A concessionária afirma ainda que contribui, quando solicitada, com informações aos órgãos policiais. Por fim, esclarece que, quando ocorre um incidente, se reúne com as autoridades policiais para discutir melhorias nos protocolos de segurança.

A empresa diz alertar, por meio de avisos sonoros, sobre o comércio ilegal e que também dispõe de agentes aeroportuários no saguão que orientam os passageiros sobre os serviços clandestinos.

ROBERTO DE OLIVEIRA / Folhapress

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