Diplomata da China contesta soberania de países da ex-URSS e gera mal-estar na Europa

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cada vez mais cobrada por uma condenação mais efusiva da atuação da Rússia na Guerra da Ucrânia, a China voltou a causar mal-estar na Europa nesta sexta-feira (21). O motivo foi uma declaração de um diplomata chinês em que ele punha em xeque a soberania das ex-nações da União Soviética —categoria a que pertence o país liderado por Volodimir Zelenski, independente desde a dissolução do bloco em 1991.

O diplomata em questão era Lu Shaye, embaixador do país asiático na França, e sua fala se deu em uma entrevista ao canal de notícias LCI. Na ocasião, Lu afirmou que a Ucrânia e outros países da região “não têm um status efetivo sob o direito internacional, porque não há um acordo internacional que confirme seus status como nações soberanas”.

Questionado se a Crimeia era parte da Ucrânia —a pergunta original da emissora—, Lu ainda respondeu que “depende de como se observa o problema”. “Há uma história. A Crimeia era russa a princípio”, declarou.

De fato, a península pertenceu à Rússia por séculos até ser cedida à então Ucrânia soviética em 1954, num agrado do líder Nikita Krushchov à terra onde fizera carreira. Composta basicamente de russos étnicos, ela foi anexada pelo governo de Vladimir Putin sem um tiro em 2014, na esteira da guerra civil que se seguiu à derrubada de um governo pró-Moscou em Kiev.

Embora a ONU não tenha reconhecido a anexação, na comunidade internacional ela era tratada como fato consumado —ao menos, isto é, até a Guerra da Ucrânia. O território é uma das áreas que Zelenski exige que seja desocupada como pré-requisito para iniciar quaisquer negociações de paz.

De todo modo, as declarações causaram alvoroço entre diplomatas europeus, já céticos em relação à neutralidade que Pequim alega ter no conflito dada a sua proximidade com Moscou. O argumento já havia sido evocado, aliás, por líderes como Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, a aliança militar ocidental, para refutar solenemente o plano de paz apresentado pelos chineses em fevereiro, quando a guerra completou um ano.

As reações mais efusivas vieram, previsivelmente, de três ex-repúblicas soviéticas. Nesta segunda-feira (24), Lituânia, Letônia e Estônia convocaram embaixadores chineses a suas respectivas chancelarias —o ato é considerado uma espécie de reprimenda na prática diplomática.

Da Ucrânia, nem Zelenski nem seu ministro das Relações Exteriores, Dmitro Kuleba, pronunciaram-se sobre o incidente. Mas Mikhail Podoliak, principal assessor do presidente, publicou uma série de comentários no Twitter em que aludiu de forma irônica à tentativa do regime de Xi Jinping de se projetar como mediador do conflito.

Uma das publicações era, inclusive, em francês. “Um verdadeiro ‘pacificador’… não incentiva o invasor a seguir com sua expansão; não fecha os olhos a massacres; não negocia territórios estrangeiros por cessar-fogo temporária; não permite que a Rússia ‘salve a própria pele’; não insulta a memória das vítimas da invasão. Esses são axiomas simples que podem ser entendidos em qualquer idioma, certo?”, dizia ela.

Em outra postagem, Podoliak afirmou que era “estranho ouvir uma versão absurda da ‘história da Crimeia’ de um representante de um país escrupuloso com sua história milenar”. “Se você quer estar na mesa de negociações, não papagueie a propaganda de forasteiros russos”, escreveu.

A China, por sua vez, tentou pôr panos quentes na situação. Questionada sobre as declarações em encontro regular da chancelaria com a imprensa, Mao-Ning, uma das porta-vozes do órgão, afirmou que a postura oficial do país era de respeito à soberania de ex-repúblicas soviéticas desde o colapso do bloco, e acrescentou que o regime tem sido “objetivo e imparcial” ao tratar da questão.

O episódio não colabora para a tentativa da ditadura de se reaproximar da Europa, que vem estreitando seus laços com os Estados Unidos desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. Chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell afirmou que ele e demais líderes do continente buscariam “avaliar e recalibrar a estratégia em relação à China” durante sua reunião em Bruxelas nesta segunda —cuja pauta, ele acrescentou, englobaria os comentários de Lu.

A França, por fim, anunciou que teria uma discussão “muito dura” com o embaixador chinês. Expoente da diplomacia assertiva “do lobo guerreiro” instituída sob a liderança de Xi, ele já havia sido convocado ao ministério das Relações Exteriores francês várias vezes antes. Em uma ocasião, insinuou que os franceses estavam abandonando seus idosos em asilos durante a pandemia; em outra, chamou um pesquisador especializado em China de “hiena louca”.

Redação / Folhapress

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