Brasil é um país estratégico para o estudo de vírus emergentes, diz diretor do Institut Pasteur

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Zika, dengue, malária, chikungunya e febre amarela são doenças conhecidas como arboviroses, transmitidas por mosquitos, e que podem trazer sérias consequências para os infectados e para o sistema de saúde pública.

Em comum, além do vetor envolvido na transmissão ser um inseto (mosquito), elas possuem alta incidência no Brasil, tornando o país estratégico para as pesquisas das doenças emergentes virais, segundo o diretor do Institut Pasteur na França, Stewart Cole.

“O Brasil é um país de grandes dimensões e com a maior fonte de biodiversidade do planeta. Existem muitos problemas de saúde pública no país associados à sua posição [em desenvolvimento] mas também com a intervenção humana no meio ambiente, como, por exemplo, alterações no comportamento dos vetores que transmitem malária devido ao desmatamento”, disse Cole em entrevista à reportagem.

No final de março, o centenário instituto de pesquisa francês firmou um acordo com a USP (Universidade de São Paulo) para criar o primeiro laboratório Pasteur no país.

A parceria entre USP e Institut Pasteur já existe desde 2016, quando foi criada a plataforma Pasteur-USP. A evolução do acordo científico em um novo instituto traz mais aporte financeiro, maior longevidade dos projetos de pesquisa e a contratação de pesquisadores diretamente associados ao Pasteur em seu país sede.

“O Brasil tem uma tradição de pesquisa biomédica de excelente qualidade, não só pelos cientistas brasileiros, mas também pela colaboração com pesquisadores estrangeiros. Neste sentido, a nova sede do Pasteur em São Paulo irá trazer ainda mais avanços”, afirmou o diretor.

O foco deste e de outros laboratórios previstos no acordo será o de doenças infecciosas, como zika, chikungunya e até Covid-19, algo que a plataforma já estava desenvolvendo. Além do apoio a pesquisas que aprimorem os testes diagnósticos e possíveis vacinas para prevenção, o Pasteur tem interesse especial nas pesquisas sobre o desenvolvimento dos bebês que tiveram síndrome de microcefalia após infecção das mães pelo vírus da zika.

Segundo Cole, a integração da nova unidade do Pasteur em uma rede colaborativa com outros 30 laboratórios em todo o mundo permitirá identificar novos surtos e epidemias.

“A área de pesquisa de prevenção de epidemias é algo que hoje o mundo todo está voltado. A filial do Pasteur na USP pode desempenhar um papel fundamental de inteligência ao detectar em primeira mão um surto de zika ou até mesmo de um vírus até então totalmente desconhecido no país, colocando o instituto em uma posição privilegiada de procurar investigar e tentar oferecer soluções”, disse.

Além das doenças emergentes, outra área de interesse do instituto (e que arrefeceu no momento devido à situação mais favorável da pandemia) é a Covid-19. No início da pandemia, o instituto se colocou à frente com pesquisas sobre testes diagnósticos e no desenvolvimento de terapias à base de anticorpos monoclonais para tratar a doença.

A rede composta pelo Pasteur e demais institutos brasileiros irá também atuar no sequenciamento genômico de variantes do vírus, para detectar uma nova cepa assim que ela entrar em circulação. Cole afirma que a expectativa mundial é que a Covid não retorne aos níveis dos dois primeiros anos de pandemia, mas que é importante estar preparado se os casos voltarem a subir, por isso o instituto continuará com as análises genômicas do vírus.

Outra frente de atuação do instituto em São Paulo será em doenças neurodegenerativas, como demência, Alzheimer e a perda auditiva associada a elas, e também entender as causas genéticas do transtorno do espectro autista.

“O Institut Pasteur investiga pelo menos há duas décadas as doenças que afetam o funcionamento e desenvolvimento do cérebro, levando a distúrbios como depressão ou ao transtorno autista, que têm crescido em número de casos diagnosticados nos últimos anos.”

Neste sentido, as relações das infecções virais com doenças neurodegenerativas, como a própria microcefalia por zika vírus, é um dos principais focos de pesquisa.

“Há uma expectativa também que o laboratório localizado em São Paulo atue nessa área de pesquisa de uma maneira criativa e inovadora, considerando o cenário epidemiológico no Brasil”, finaliza.

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RAIO-X

Sir Stewart Cole, 67

Microbiologista, é professor de patogênese e microbiologia no Instituto de Saúde Global na Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça) e do Instituto Federal Suíço de Tecnologia. Recebeu o prêmio “Pare-TB” em parceria de Kochon com a OMS (Organização Mundial da Saúde) por sua pesquisa com tuberculose. Foi diretor do departamento de Tecnologias Estratégicas e diretor científico executivo do Institut Pasteur, na França, antes de se tornar presidente do instituto, em 2018.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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