SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Sebastião Reis Júnior determinou que vítimas de violência doméstica devem ser ouvidas antes que medidas protetivas aplicadas contra os seus agressores sejam extintas. A decisão, inédita, pacifica diferentes entendimentos sobre o tema que surgiram na corte superior nos últimos anos e já pode ser adotada por tribunais de todo o país.
O caso analisado pelo ministro chegou ao STJ em 2018, por intermédio do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo. Uma vítima reivindicava que as medidas cautelares aplicadas contra o seu agressor fossem mantidas mesmo após seu processo judicial ser considerado extinto.
Esse tipo de medida impede, por exemplo, que o autor de um crime de violência doméstica se aproxime da residência da mulher agredida ou tente contato com ela.
Diferentemente de processos criminais, a Lei Maria da Penha prevê que medidas protetivas sejam aplicadas independentemente se um homem é declarado ou não culpado, desde que seja comprovado que a mulher se encontra em situação de perigo ou de violência. A ideia é, sobretudo, prevenir um crime antes que ele eventualmente ocorra.
“O procedimento [que vigorava antes da decisão] condicionava a proteção das mulheres ao desfecho de um processo criminal. A medida protetiva era revogada sem verificar se havia risco ou não para mulheres”, afirma a defensora pública Nalida Coelho Monte, que levou o caso ao STJ.
A decisão da corte superior ainda pode proteger mulheres em casos em que as ações judiciais se extinguem por demora ou ineficiência na investigação. Além disso, a nova jurisprudência poderá resguardar vítimas que não desejam abrir um boletim de ocorrência contra o seu agressor -seja por não confiar nas autoridades policiais ou por receio de alguma outra represália-, mas que ainda querem se ver protegidas.
“A revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial”, decidiu o ministro Sebastião Reis Júnior
“Tem-se que, antes do encerramento da cautelar protetiva, a defesa deve ser ouvida, notadamente para que a situação fática seja devidamente apresentada ao juízo competente para que, diante da relevância da palavra da vítima, verifique a necessidade de prorrogação ou concessão das medidas, independente da extinção de punibilidade do autor”, afirmou ainda.
O recurso apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo à corte superior foi respaldado por um parecer jurídico assinado pelo Consórcio Lei Maria da Penha, responsável pelo projeto que fundamentou a norma contra a violência doméstica.
Para Nalida Coelho Monte, a decisão do STJ sana uma das principais divergências em torno da Lei Maria da Penha e que diminuía a sua eficácia.
“Esse julgamento traça contornos de como a lei pode ser efetivada, por exemplo, estabelecendo que a medida protetiva não pode ser extinta sem que a mulher seja ouvida antes para verificar se persiste a necessidade de mantê-las ou conceder outras mais adequadas ao caso”, afirma a defensora pública.
Há dúvidas, no entanto, sobre o grau de adesão à aplicação da jurisprudência do STJ por juízes de todo o país. “Há uma resistência muito grande por parte do Judiciário em aplicar a lei em uma perspectiva de assistência à mulher e à prevenção”, afirma Monte.
A decisão da corte se soma à mudança legislativa feita na semana passada na Lei Maria da Penha. Na quinta-feira (20), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma proposta que altera a Lei Maria da Penha para incluir o direito a medidas protetivas imediatas para mulheres vítimas de violência.
Dessa forma, os juízes apenas poderão indeferir um pedido de medida protetiva se identificarem que não há risco para a integridade das mulheres.
A proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados no fim de março. Ela é de autoria da ex-senadora Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra do Planejamento do governo Lula.
O texto determina que a Lei Maria da Penha passará a ter um artigo prevendo que as medidas protetivas de urgência sejam concedidas pelos juízes de maneira sumária a partir do depoimento da vítima para uma autoridade policial ou ao apresentar suas alegações escritas.
“Essa é das poucas alterações legislativas da Lei Maria da Penha que, de fato, é conectada com a realidade das mulheres. Tanto é assim que foi articulada por um Consórcio de ONGs feministas”, afirma a defensora pública Nalida Coelho Monte.
MÔNICA BERGAMO / Folhapress