Novo disco de Marina Sena tenta equilíbrio de diva pop e dádiva indie

FOLHAPRESS – Em suas entrevistas, Marina Sena sempre deixou claro seu gosto por uma música pop e popular ou vice-versa.

Seu maior trunfo até agora, a faixa “Por Supuesto”, é tão radiofônico que ganhou versões de funk, sertanejo e pisadinha —o maior prêmio que ela poderia receber pelo disco “De Primeira”, para além das duas indicações ao Grammy Latino no ano passado.

Habitar os pen drives dos paredões das ruas e as casas de show descoladas não é tarefa simples. “Vício Inerente”, seu segundo disco, reforça e põe à prova sua tentativa.

Desta vez, contudo, Sena ousa se afastar do típico songbook brasileiro que surgiu renovado em seu primeiro disco. Perdem espaço a voz e o violão, as tonalidades alegres e o sambinha genérico.

Entram em cena sintetizadores de funções variadas, texturas importadas sob células rítmicas nacionais e cruzamentos de gêneros que vêm abocanhando o pop global.

Das novas ondas britânicas do eletrônico de pista ao reggaeton desconstruído, Sena traz muito do mundo para o catálogo de sons do novo álbum.

Se há alguma liga entre sua estreia solo e seu segundo disco é o tino da cantora para letras fáceis em forma de canção. “Dano Sarrada”, faixa que abre o álbum, é um R&B com atmosfera de trip-hop e batidas de drill —o típico deslize de bumbo e chimbais deslocados que dão característica a esse subgênero do rap. É uma descrição que não se encaixaria para a Marina Sena de 2022, que reside aqui na lírica —um amor lascivo e lúbrico disfarçado em um gesto tão sensual quanto popular.

Muito dessa faixa tem a marca do produtor Iuri Rio Branco, e Sena tem talento para melodias. A cantora é capaz de desenhar a letra no tempo do ritmo, enquanto o produtor brasiliense é quem traz timbres e arranjos para o disco.

Homem-orquestra, Rio Branco é baterista de formação e decidiu incluir uma paleta de sons oníricos junto da cantora. Ao contrário do que fizera em seu primeiro trabalho com Sena, Rio Branco surge em “Vício Inerente” mais como parceiro de composição.

Essa é uma entrada semelhante ao que se vê nos álbuns de estreia de Jean Tassy ou em “Eletrocardiograma”, o mais aclamado disco da rapper brasiliense Flora Matos.

“Tudo pra Amar Você”, um dos singles do disco, é um afrobeats sem tirar nem pôr. Por mirar o mercado nacional e não a cena nigeriana ou a diáspora, Rio Branco deixa espaço suficiente para o protagonismo de Marina Sena.

O esquema se repete em “Tudo Seu”. A faixa vem puxada para o baile funk, ainda mais acessível ao público brasileiro. “Que Tal” é mais um afrobeats com cara de funk. A participação do rapper Fleezus, de quem Sena declaradamente tirou inspiração para largar a pegada acústica, areja a faixa e passa um recado —a cantora está antenada no que tem rolado de novo, uma vez que seu único convidado do disco é um dos representantes da cena grime brasileira.

A artista mineira também se apoia nas batidas do reggaeton, ritmo que domina a América Latina e é a cara musical do continente, para dar consistência a seu intento entre o pop e o popular.

“Sonho Bom” desponta como uma das faixas mais peculiares do disco, explorando um misto de dembow dominicano desacelerado com tambores típicos do amapiano —sonoridade que é a febre mais recente da música eletrônica sul-africana.

“Me Ganhar” é direta no trato do gênero latino-americano. Segue a sensualidade do álbum, com texturas que se fazem e desfazem aos poucos, novamente apostando num andamento vagaroso.

Ainda que esse olhar da artista para o mundo e para as sonoridades globais seja bem-vindo no leque criativo da cantora, é no seu gosto pelos sons brasileiros que Marina Sena mostra as suas verdadeiras promessas de hit.

“Partiu Capoeira”, por exemplo, é um pagode baiano que parece feito para ganhar versões carnavalescas que vão tocar em trios elétricos.

A guitarra de Gianluca Pernechele, de pegada minimalista, e os metais de Douglas Antunes, que são sempre etéreos, são destaque na faixa.

A música “Mais de Mil” é uma bem-feita homenagem ao funk de Belo Horizonte, de artistas como MC Rick e WS da Igrejinha.

“Olho no Gato”, uma das faixas divulgadas antes do lançamento do disco, segue aquele toque de canção grudenta que a artista revelou em “Por Supuesto”. A música não tem o mesmo apelo do hit, mas aposta em clímax e rimas simples, feitas para cantar junto.

É o mesmo caminho que a cantora segue em “Mande um Sinal”. Essa faixa, contudo, mostra uma Sena com toques de lady crooner, um lugar de difícil acesso a sua voz. A música lembra uma Marisa Monte em “Beija Eu” —embora sem o mesmo brilho.

A canção é exemplar dessa dualidade que a artista transparece, algo entre diva do pop e dádiva do underground. Marina come pelas beiradas. Ela não mira a música arrasa quarteirão das megaestrelas brasileiras, mas tampouco quer se arraigar a uma música de pouca entrada no país.

“Vício Inerente” é uma via singular ainda pouco explorada no Brasil. Se alguma de suas faixas virar trend no TikTok sem desagradar os indies, seus fãs de longa data, Marina Sena triunfou.

VÍCIO INERENTE

Avaliação Muito bom

Quando Dia 27, às 21h, nas plataformas digitais

Autoria Marina Sena

Produção Iuri Rio Branco

Gravadora Sony

FELIPE MAIA / Folhapress

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