SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Crie um hábito em 21 dias, consolide uma nova rotina em pouco mais de dois meses: não faltam livros e gurus de autoajuda a calcular prazos para uma vida disciplinada e de realizações. Estudo feito a partir da análise de milhões de dados por inteligência artificial, entretanto, indica que não existe um número mágico de dias para à adesão a uma atividade, que pode variar pessoalmente e em decorrência da complexidade do desafio.
O trabalho mostrou, porém, que ir treinar sempre nos mesmos dias ajuda a criar o hábito de ir para a academia. Para 76% dos frequentadores, quanto maior o intervalo de tempo entre uma visita e outra, menos provável foi a chance de continuarem a treinar de modo contínuo. Em 69% dos casos, os usuários mantiveram treinos constantes quando compareciam ao centro de treinamento sempre nos mesmos dias da semana.
O estudo norte-americano foi publicado este ano pela Universidade de Princeton na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences) e avaliou um conjunto massivo de informações por meio de inteligência artificial, observando a formação de hábitos entre usuários de academias de ginástica e profissionais da saúde.
O trabalho considerou registros de 60.277 frequentadores de 560 academias da rede 24h Fitness.
“Os dados que analisamos rastreiam o comparecimento à academia para cada pessoa desde o primeiro dia em que frequentou. Nosso conjunto de dados de frequência à academia abrange 14 anos, variando de 2006 a 2019, e inclui mais de 12 milhões de pontos, cada um correspondendo a uma entrada na academia”, relatam os autores.
Para o segundo comportamento, a inteligência artificial avaliou mais de 40 milhões de dados sobre lavagem das mãos em ambientes hospitalares. As informações eram de 5.246 profissionais de saúde e foram coletadas por cerca de um ano. Uma empresa que monitora cuidados de saúde individuais em 30 hospitais forneceu os dados.
“Ao contrário da crença popular em um ‘número mágico’ de dias para desenvolver um hábito, descobrimos que normalmente leva meses para formar o hábito de ir à academia, mas semanas para desenvolver o de lavagem das mãos no hospital”, aponta a pesquisa.
Em outro estudo, feito em 2012 por pesquisadores de Londres (Inglaterra), autores apontam que a criação de uma nova rotina pode levar de 18 a 254 dias para ser construída. Uma variação grande e que acaba tornando a média de 66 dias uma generalização pouco eficaz.
Segundo o médico Fábio Salzano, do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), incorporar hábitos saudáveis é possível, mas características de personalidade interferem no resultado e podem facilitar ou dificultar essa transição.
“Reforços positivos tendem a estimular que essas mudanças ocorram, mas relativo à atividade física, só se deve ter cuidado para que não se transformem em exagero. Um psicólogo pode conduzir o estímulo ao autoconhecimento e o educador físico a incorporação gradativa da atividade física adequada”, recomenda Salzano.
No campo nutricional, a adesão a dietas também tem peculiaridades. Um artigo alemão de 2022 aponta que o hábito tende a se consolidar significativamente com o tempo, especialmente em pessoas com desempenho comportamental mais estável. A recompensa e a estabilidade são essenciais para o resultado.
Daniela Cierro, vice-presidente da Asbran (Associação Brasileira de Nutrição), estima que a adesão a um novo hábito alimentar pode ser consolidada de 20 a 30 dias para alguns, mas outros precisarão de 60 a 90 dias, pois a jornada é pessoal.
“A reeducação é para todos, mas nem todas as pessoas estão dispostas a ela. Conhecer sua individualidade, buscar qualidade de alimentos que nutram seu corpo, comer em quantidade adequada para o seu funcionamento, experimentar novos ingredientes e preparações são comportamentos importantes para ter hábitos saudáveis”, pontua.
Para alterações no hábito alimentar, Cierro propõe que outros costumes sejam mudados anteriormente, como diminuir o consumo de alimentos que não promovem qualidade de vida -não é preciso, porém, que os itens fiquem de fora do cardápio para sempre. Planejar um plano alimentar, uma lista de compras e o tempo necessário para cozinhar ajuda a preencher o espaço que antes era ocupado só pelo consumo de produtos pouco nutritivos.
“Quando sentir vontade de comer, se pergunte: estou com fome ou com vontade? Converse consigo mesmo. O importante é ir aos poucos. Com constância, pequenas mudanças, mas de forma efetiva”, aponta.
A educadora física Juliana Bissoli diz que, em geral, mudanças que visam um estilo de vida saudável devem partir do básico: metas realistas para não gerar frustração, boas noites de sono e consumo adequado de água. “Organize, assim você cria uma rotina e evita os deslizes”, indica.
DANIELLE CASTRO / Folhapress