ASSUNÇÃO, PARAGUAI (FOLHAPRESS) – O domingo (30) tranquilo contrasta com a multidão que se aglomera nos colégios eleitorais de Assunção. Enquanto as ruas preservam um vazio silencioso, os pátios das escolas acumulam filas que impressionam até os paraguaios e refletem o clima de tensão das eleições de turno único.
Em Chacarita, uma das maiores e mais antigas favelas do país, uma mulher ultrapassa o portão afobada, reclamando de uma pessoa que estaria induzindo votos em Santiago Peña, do Colorado -sigla que está no poder há quase sete décadas mas que neste ano sofreu um baque por denúncias de corrupção. “Não pode isso”, critica.
O país está habituado à polarização, com famílias inteiras filiadas a um ou outro partido, mas agora vive um clima de profunda indefinição. O opositor Efraín Alegre conseguiu formar uma grande coalizão da esquerda à centro-direita, enquanto o governo foi enfraquecido por denúncias e estagnação econômica.
Esse contexto, aliado a uma mudança na regra eleitoral que separou as listas e aumentou o engajamento de cada candidato em suas campanhas, pode ter feito as filas crescerem e o clima esquentar desde cedo.
Mesmo antes da abertura das mesas, o dia amanheceu com notícias de brigas pelo menos em dois locais. Em um deles, no pequeno distrito de Sapucai (a 100 km de Assunção), um homem chegou a ter parte da orelha cortada após uma discussão entre os dois partidos sobre onde a urna seria instalada.
A comissão de observação eleitoral da OEA (Organização dos Estados Americanos) diz que registrou “um uso excessivo do voto assistido e recebeu denúncias de violação do voto secreto”. “A missão acolhe com satisfação o pronunciamento da Justiça Eleitoral desestimulando esse tipo de voto”, afirma a entidade.
A crítica mais frequente é de membros dos partidos que entram nas urnas junto com os eleitores, sob o pretexto de ajudar idosos ou pessoas com deficiência (o que é permitido), mas acabam induzindo o voto a determinado candidato. Com os postos de votação mais cheios, fica mais difícil fiscalizar.
“Está mais cheio porque as pessoas querem mudança”, palpita a veterinária Andrea Espínola, 33, com o filho, Santiago, no colo. “Mas, como sempre, acho que o Colorado vai ganhar”, diz, enquanto espera o irmão terminar de votar no colégio San José, um dos mais abastados, no centro da capital paraguaia.
“As pessoas também ainda não se acostumaram com a máquina, só sabem votar manual”, afirma o ajudante de caminhão Carlos Arruba, 47, na escola de Chacarita. É a primeira vez que o país utiliza máquinas nas eleições gerais, que já haviam sido usadas nas primárias e em eleições municipais.
As urnas não são eletrônicas, já que não estão ligadas a uma rede, mas imprimem um boletim de voto. Isso evita uma prática antiga no Paraguai, chamada de “compra de mesa”, na qual os membros de partidos maiores dividiam ilegalmente os votos de partidos menores.
Nas eleições paraguaias, as siglas também são autorizadas a transportar eleitores aos locais de votação, mas sem identificação ou propaganda nos veículos. Ali em Chacarita, carros e motos não paravam de chegar por volta das 10h, o que fez o pátio do colégio se apinhar.
Idosos e pessoas com dificuldade de locomoção disputavam espaço enquanto outros desanimados esperavam por longos períodos. Do lado de fora, ambulantes vendendo Coca-Cola e pipoca aproveitavam o movimento -o país tem uma taxa altíssima de trabalho informal, de 64%, contra 40% no Brasil.
“Para mim dá igual, mas votei em Santi [Peña] pela parte da família, me convenceu por isso”, disse a aposentada Clotilde Cardozo, 54, enquanto terminava um salgado na porta da escola. “Não quero que meu neto esteja com homens, essas coisas.” Evangélica, ela rejeita a terceira via que despontou nas intenções de voto nas últimas semanas. “No [extremista] Paraguayo Cubas não voto porque ele é louco. Falou em abaixar o preço da maconha. Mesmo que seja piada, não se pode falar essas coisas”, defende.
Foi justamente o mesmo motivo que fez o churrasqueiro Carlos Ivañez, 35, escolher o ex-senador, que é comparado a Jair Bolsonaro (PL) e já chegou a defender a morte de “ao menos 100 mil brasileiros”. “Votei porque ele vai dar uma coça nessa polícia, porque ele é louco. Os outros ficam só de blá-blá-blá”, diz, enquanto assa uma linguiça.
JÚLIA BARBON / Folhapress