SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um pódio incompleto e com posições invertidas foi um retrato perfeito para a etapa brasileira do Mundial de F1 de 2003.
Ainda chamado de GP Brasil antes de ser rebatizada recentemente para GP São Paulo, a corrida realizada há 20 anos é lembrada até hoje como uma das mais caóticas da história da categoria, e com um desfecho que durou quase uma semana para ser definitivo, graças a imagens de uma câmera danificada.
Naquele ano, os promotores da corrida em Interlagos queriam mostrar que o autódromo poderia continuar recebendo as etapas a despeito dos questionamentos da F1. Para isso, atendeu exigências como colocar câmeras à disposição da direção de prova para que não houvesse uma dependência de imagens da Globo, detentora dos direitos de TV à época.
“Nós teríamos as nossas imagens. Fizemos um teste e funcionou tudo. Foi perfeito. Já na hora da largada, começou a apagar. Câmera por câmera. Tudo começou a ficar caótico por causa da chuva”, conta à Folha André Augusto Pires, proprietário da Kallimage, empresa que montou as câmeras.
A falha no equipamento foi um entre diversos transtornos que chegaram a colocar a realização do GP em xeque. Antes do italiano Giancarlo Fisichella, da Jordan, ter sua vitória reconhecida, vários obstáculos se acumularam ao longo do fim de semana.
Na sexta-feira, houve um impasse político. Devido a uma lei proibia qualquer propaganda tabagista, aprovada três anos antes no Congresso Nacional e que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2003, as equipes não poderiam mostrar nenhuma marca de cigarro.
Naquela época, cinco escuderias eram patrocinadas por companhias do ramo: Ferrari (Marlboro), McLaren (West), Renault (Mild Seven), BAR (Lucky Strike) e Jordan (Benson & Hedges).
Bernie Ecclestone, ex-dono da F1, estava irredutível: não haveria corrida se as equipes fossem proibidas de exibir seus parceiros. Para encerrar o impasse, foi editada uma Medida Provisória, permitindo este tipo de propaganda no GP.
Com os carros na pista, seria a vez de o clima assumir um papel decisivo. Historicamente, Interlagos tem a fama de promover corridas imprevisíveis devido às condições climáticas. Naquele dia, garoa, chuva e um temporal castigaram a pista.
Pelo regulamento daquele ano, cada fornecedor de pneus podia levar apenas um tipo de composto para pista molhada. A Bridgestone, parceira da Ferrari e da Jordan, optou por pneus intermediários, enquanto a Michelin, que trabalhava com McLaren, entre outras, escolheu pneus para chuva pesada.
Na classificação, Rubens Barrichello fez a festa da torcida ao marcar o tempo mais rápido. Ele ficou com a pole, mas não foi o carro que puxou a fila na largada. Com a pista muito molhada, as voltas iniciais foram dadas com os pilotos atrás do safety car.
Quando, enfim, os carros puderam acelerar, na nona volta de um total de 71, Rubinho começou a cair pelo grid devido aos pneus da Bridgestone e ao acerto de seu carro. Em quatro voltas, ele já estava em sexto.
Apesar de a chuva diminuir com o passar da corrida, a pista continuava ruim. E uma série de eventos iria dizimar boa parte dos competidores.
Quando a suspensão dianteira da Jordan de Ralph Firman quebrou, o inglês não conseguiu controlar o carro, que bateu na Toyota do francês Olivier Panis na reta principal e os dois tiveram de abandonar.
Na Curva do Sol, uma falha no sistema de drenagem transformou o local em uma espécie de cemitério de carros: Michael Schumacher, Juan Pablo Montoya, Jenson Button, Antonio Pizzonia, Jos Verstappen e Justin Wilson rodaram na enorme poça que havia no asfalto e também deram adeus à disputa.
Em uma tarde de pilotagem quase perfeita, Barrichello era um dos poucos que não patinava na pista. Com uma recuperação incrível, ele escalou o grid e voltou à liderança na volta 45.
Duas voltas depois, veio a decepção. Misteriosamente, a Ferrari dele teve uma pane e ele também deixou a prova. À noite, veio à explicação: por falha na telemetria, a equipe errou na quantidade de combustível.
Sem Barrichello, Coulthard assumiu a ponta, mas logo foi para os boxes. Raikkonen herdou a posição, mas na volta 54, pressionado por Fisichella, cometeu um erro e foi ultrapassado pelo italiano.
Duas voltas depois, Mark Webber bateu a Jaguar na barreira de pneus na Curva do Café e, na sequência, Fernando Alonso acertou um pneu que ficara no meio da pista.
A batida da Renault foi tão violenta que espalhou os pneus de proteção. A direção de prova, então, acionou a bandeira vermelha e encerrou o GP com 3/4 da duração prevista.
Inicialmente, a Jordan comemorou aquela que seria a primeira vitória de Fisichella na F1, mas logo depois a FIA declarou Raikkonen como vencedor, pois o finlandês havia sido ultrapassado na volta anterior e, em caso de uma bandeira vermelha, valeriam as posições de duas voltas antes.
Assim, Raikkonen subiu no lugar mais alto do pódio, Fisichella foi o segundo e, Alonso, que acabou como o terceiro, nem subiu ao pódio, pois foi para um hospital após o acidente.
Mas a ordem não condizia com o que de fato havia ocorrido. Entre as câmeras instaladas para a direção de prova, aquela que quebrou foi justamente a que mostrou Fisichella como líder já duas voltas antes.
“A câmera que flagrou que o Raikkonen não era o líder na virada da última volta [penúltima no caso] não deveria estar ali. Deveria estar virada para o S do Senna, mas choveu tanto que ela travou”, lembra André Augusto.
Depois de revisar as imagens posteriormente, ele lembra que ligou para Alfredo Tambucci, então diretor esportivo do GP. “Em meia hora, tinha cinco executivos da Globo na minha empresa para ver as imagens. Tiramos cópia para mandar para a FIA (Federação Internacional de Automobilismo)”, conta André.
Cinco dias depois, pela primeira vez na história, a FIA alterou o resultado de uma prova por causa de um erro na cronometragem. Numa cerimônia informal antes do GP de San Marino, Fisichella recebeu o troféu das mãos do próprio Raikkonen.
“Sempre acreditei na minha vitória. Só lamento não ter desfrutado plenamente esse momento”, comentou Fisichella, que deixou a categoria em 2009, com três vitórias no currículo.
LUCIANO TRINDADE -E ALEX SABINO / Folhapress