BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Cálculos do Ministério do Trabalho indicam que uma eventual mudança na regra de remuneração do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não afetará a capacidade de investimento do fundo em moradia popular ou saneamento.
Em entrevista à reportagem, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirma que, caso o plenário do tribunal acompanhe o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, a decisão não vai ter impacto sobre o equilíbrio financeiro do FGTS.
Barroso defende que o FGTS tenha ao menos a remuneração da poupança que paga atualmente 6,17% ao ano mais TR (veja simulações aqui) sem liberação dos valores retroativos. Hoje, o fundo rende 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial), que tem ficado próxima de zero.
“Teve uma mudança de lei em 2016 [na verdade, a alteração foi em 2017], que estabeleceu a distribuição do lucro sobre o patrimônio líquido. Pronto. De lá para cá, houve o crescimento do retorno e já está acima da regra da poupança”, afirma Marinho.
O ministro critica o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, chamando-o de “empata gol” na economia. Marinho sugere que o Senado faça pressão sobre ele na questão dos juros. “A sociedade tem que pressioná-lo, o Senado tem que chamar lá e falar: cara, da mesma forma que nós te colocamos, nós podemos te tirar.”
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PERGUNTA – O STF está no meio do julgamento do índice de correção do FGTS. Que impacto pode haver nas políticas sociais, nos investimentos em moradia popular e saneamento?
LUIZ MARINHO – Vamos cumprir a decisão que o Supremo tomar, evidentemente. Do ponto de vista do funding [fonte de recursos para investimento], era melhor manter como está nas regras, TR mais 3%. Teve uma mudança de lei em 2016 [na verdade, a alteração foi em 2017], que estabeleceu a distribuição do lucro sobre o patrimônio líquido. Pronto. De lá para cá, houve o crescimento do retorno e já está acima da regra da poupança.
Evidentemente que tem avaliações mais catastrofistas, mas a priori não compromete o fundo.
O gestor do fundo deve ter “olhar de águia” para os projetos de investimento, buscando adquirir a maior rentabilidade possível do fundo, para dar lucro, para o lucro ser reinvestido, além de remunerar a poupança do trabalhador.
O voto [de Barroso, relator da ação] está em sintonia com isso. Na outra ponta, o fundo tem que distribuir subsídio para os baixos salários, para o Minha Casa, Minha Vida. Neste ano, a previsão é liberar R$ 9,5 bilhões para subsídios do Minha Casa, Minha Vida.
O debate que nós temos que fazer com a Caixa, quando eu falo de um “olhar de águia” nos projetos, estou falando de FI-FGTS [fundo de investimento em infraestrutura do FGTS]. É preciso que a Caixa seja mais arrojada nesse processo aí de olhar e captar projetos e fazer investimentos, fazer rodar. Mas eu ainda não sentei com a Caixa para discutir.
P – Como está a discussão sobre acabar com o saque-aniversário e uso do FGTS como garantia em empréstimos?
LM – Não posso adiantar para não atrapalhar. Mas será ainda neste semestre.
P – O STJ decidiu que qualquer salário pode ser penhorado para pagamento de dívidas. Com o alto endividamento das famílias brasileiras, isso não pode ser um problema?
LM – Quem sou eu para discutir com o Judiciário? O governo vem fazendo um esforço com o Programa Desenrola. O presidente Lula tem insistido com a Fazenda para arrumar a engenharia jurídica e contábil, um sistema que dê uma ferramenta que ajude os brasileiros e brasileiras a ajustarem suas contas para resolver o problema do endividamento.
Precisamos baixar o endividamento e ao mesmo tempo resolver o problema de crédito. Ter crédito o mais barato possível para ajudar a economia a crescer, apesar do “empata gol” da economia aí, que é o Banco Central.
P – “Empata gol”?
LM – A economia está ávida por crescer. E tem um cidadão no gol [referindo-se ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto] que botou uma rede antes do gol para a bola não entrar. Faz sentido isso? Esse cara [diz] ‘ah, isso é técnico’. Técnico onde, Banco Central? É política.
Com a inflação descontrolada, quem mais perde é a baixa renda. Ninguém discute. Agora, quando você utiliza uma ferramenta de combate à inflação para restrição, restringindo a economia, quem mais se prejudica é a baixa renda.
Não estamos com um processo de hiperinflação, muito pelo contrário. Esse é o momento de criar condições. Estamos fazendo uma política para adequar o problema do endividamento das pessoas, para elas poderem consumir dentro das suas necessidades. Não é para a farra do boi. É para a economia voltar a funcionar, para gerar emprego. Agora tem um cara aí botando prego para furar os pneus. Não dá.
A sociedade tem que pressioná-lo, o Senado tem que chamar lá e falar: “Cara, da mesma forma que nós te colocamos, nós podemos te tirar”. É o Senado que é a autoridade, não é o Lula, não é o governo. O vereador pode perder mandato, deputado, prefeito, governador, o presidente da República. O ministro do Supremo pode perder. O presidente do Banco Central também, porque ele está incorrendo em um grave erro.
O Senado não está assumindo a sua responsabilidade. Todo mundo tem controle. Ele também tem que ter controle de alguém para avaliar assim: ele está cumprindo a sua regra de autonomia ou ele não está sendo autônomo coisa nenhuma? O Senado pode mais. Já teve início de um processo em que o Senado começa a exercer seu papel, ele está sendo chamado a ir lá, dar explicações.
P – Não foi possível atender, na nova política do salário mínimo, ao pedido das centrais [que queriam um valor mais alto]?
LM – Não foi possível considerando a situação que herdamos no país e na economia. Desastre, tragédia. O possível é o que nós apresentamos.
Se nós compararmos 2023 com 2003, nós conseguimos, no primeiro governo Lula, fazer ganho real no terceiro ano de governo. Nós estamos numa situação pior e fazendo ganho real no primeiro ano. É um esforço imenso por parte do governo. Não significa que, no futuro, não tenhamos condições de voltar a falar dessa defasagem cobrada por parte das centrais.
P – O Brasil está atingindo recordes de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. Foi falta de fiscalização no governo anterior?
LM – Foi falta de fiscalização. Ele pressionava para não haver. Houve resistência dos servidores. Esse ano nós vamos atingir 2.000 e pouco, o pessoal está trabalhando.
P – As multas para essas práticas são baixas. Do ponto de vista de punição, há o que rever?
LM – Tem várias punições tramitando no Congresso, tem até confisco de bens. Depende do Congresso. Queremos criar um debate na sociedade de consciência, especialmente nos segmentos que trabalham com exportação, que esse tipo de notícia atrapalha. As vinícolas, por exemplo, podiam até não saber. Mas não deixam de ter responsabilidade.
P – Como está o debate sobre a regulação de aplicativos de entrega?
LM – Estamos com meta de trabalhar isso no primeiro semestre. Há um falso debate sobre a reforma que o Temer fez. “Ah, o cidadão agora é um empreendedor e não quer ter vínculo”. Ter uma bicicleta e uma sacola nas costas, isso é ser empreendedor? Empreendedor pressupõe que ele regula seu preço.
Aí vem uma plataforma e diz: tem uma remuneração de até X. E com que jornada? Por seis dias da semana? E 16 horas diárias? Ah, brincadeira. Isso pode ser comparado a trabalho escravo.
E quando se fala em inovação tecnológica, moderna… Que modernidade é essa que vai escravizar um cidadão? Nós queremos que a inovação tecnológica traga benefício para a sociedade, não malefício. Estivemos agora na Espanha e o modelo é interessante. O modelo da Colômbia, se aprovado, é melhor.
E a plataforma vai dar transparência ou o cidadão vai continuar sendo governado por uma máquina? Tem que abrir o código-fonte para dar transparência. Não tem como um trabalhador trabalhar às escuras. Ele faz um trajeto, a depender da demanda vale uma, vale outra coisa. E induz ele a se matar de trabalhar para ter um bônus que ele nunca alcança.
P – Como o ministério vai conduzir a revisão da reforma trabalhista?
LM – Tem um grupo tripartite trabalhando na reforma. Tenho estimulado que as centrais conversem de forma bilateral com os empresários. Para o ministério, para o governo, é muito melhor que eles conversem, se entendam e ajustem os entendimentos. E aí o governo coordena. Tem acordo? Encaminha para o Congresso.
Isso aí tem a ver com revisões de pontos, espero que eles conversem sobre a tragédia da terceirização para fazer ajuste. Não é acabar com a terceirização. É preciso ter minimamente compreensão de entendimento para não levar ao trabalho degradante, ao trabalho escravo, como é hoje.
P – E o financiamento sindical?
LM – Nós partimos da lógica de que é preciso ter sindicato forte, representativo. E para isso é preciso ter condição financeira. O que foi feito com o sindicato era para desmontar. Você chega num país: tem sindicato? Não, não tem. Então não é democrático, esquece, papo furado.
Pela experiência do Brasil, acredito que não seria saudável voltar a falar de imposição, de imposto, onde você não tem direito de reclamar com ninguém, é descontado e pronto. Isso eu tenho dito: não volta.
O que é plausível e pela experiência de sindicalista que fui é que a assembleia é necessária e ela delibera sobre essa contribuição. E os trabalhadores saberão botar limite. Pode até botar na lei tetos eventuais para eventualidade de um sindicato fora da curva, picareta, querer abusar. Mas a lógica é que, quando você dá poder para os trabalhadores, eles se organizam. Não vai ter abuso.
P – Mas a contribuição vale inclusive para não sindicalizados?
LM – Claro. O trabalhador não sindicalizado abre mão do aumento? Abre mão da garantia em caso de doença? Abre mão das conquistas do contrato coletivo? Por que ele não vai contribuir com absolutamente nada? É justo que ele contribua. Ele pode contestar? Pode e deve. Na assembleia.
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RAIO-X:
LUIZ MARINHO, 63
Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, mesmo cargo ocupado anteriormente por Lula, e da Central Única dos Trabalhadores. Nas primeiras gestões de Lula, ocupou os ministérios do Trabalho e da Previdência. Em 2022, foi eleito deputado federal pelo PT de São Paulo, tendo se licenciado para voltar ao cargo de ministro do Trabalho na atual gestão de Lula.
JULIANNA SOFIA E DANIELLE BRANT / Folhapress