Peças investigam relações de Guimarães Rosa com o amor e a cultura do cancelamento

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “No final, ele fraquejou. Diadorim deveria continuar Reinaldo”, foi uma das frases que o ator Gilson de Barros ouviu da imortal Nélida Piñon sobre “Grande Sertão: Veredas”, o romance de João Guimarães Rosa, considerado um dos mais desafiadores da literatura brasileira.

Piñon foi uma das ouvintes recorrentes das leituras que o ator realizou durante os dois anos antes de estrear “Riobaldo”, monólogo em que Barros dá vida ao ex-jagunço do romance de Rosa narrando seu amor por Diadorim.

A peça chegou aos palcos cariocas pouco antes do fechamento dos teatros na pandemia e, depois, fez carreira online antes de aportar em São Paulo, em 2021, e levar duas indicações ao Prêmio Shell. Agora, a obra retorna à cena paulistana nesta quarta-feira (3), em temporada no Teatro Eva Herz.

Antes, contudo, o ator dá continuidade a seu estudo da obra de Guimarães Rosa com a estreia de “O Diabo Na Rua, No Meio do Redemunho”, a segunda parte de uma trilogia que pretende finalizar em 2024.

Se “Riobaldo” abre o universo do “Grande Sertão” retratando as dificuldades do jagunço assumir seu amor pelo companheiro de bando Reinaldo antes de descobrir que se tratava de uma mulher, em “O Diabo na Rua, no Meio do Redemunho”, o foco agora é, guardadas as devidas proporções, o resultado deste sentimento.

No romance, Riobaldo se dirige a Veredas-Mortas, um lugar ermo e sinistro, no qual dá a entender que seria possível realizar um pacto com o diabo para ganhar poder, e assim derrotar o cruel Hermógenes e vingar a morte de seu chefe, Joca Ramiro, realizando o desejo de Reinaldo/Diadorim.

“A ideia é falar da dialética do bem e do mal e investigar esses significados. Quando ele diz que não há diabo, só há o homem, é essa ideia que nós todos temos muito clara, mas nem sempre levamos a sério, a de que as nossas ações nos levam aos lugares”, diz o ator.

“O Diabo na Rua, no Meio do Redemunho”, que estreou na sexta-feira (28) no Teatro Sérgio Cardoso, precede “O Julgamento de Zé Bebelo”, a última parte da trilogia, que leva o ator de volta ao início de sua carreira, quando, aos 18 anos, teve o primeiro contato com a obra de Rosa ao encenar justamente o título que encerra a empreitada.

A diferença é que, agora, melhor preparado, pretende se debruçar com mais afinco sobre a obra. “Na época eu não li o julgamento. Mal li o texto da peça, só fui e fiz. Agora é diferente, quero extrair melhor as informações até para gerar outro entendimento no público.”

Embora complexo à primeira vista, o romance ganha contornos mais simples com a encenação assinada por Amir Haddad, que, diferente do que esperava o ator, limpou todo o palco e o deixou sozinho na companhia de apenas uma mala e um banco. O monólogo é encenado numa alusão às contações de causos comuns no interior do Brasil.

Para a doutora em literatura brasileira e professora de literatura da na Universidade de São Paulo, Marise Hansen, a obra do escritor abre caminhos para este tipo de adaptação sem prejudicar a narrativa.

“O romance consiste na fala ininterrupta do Riobaldo, que se dirige a um homem culto, na tentativa de entender o que houve e quem ele foi. É, portanto, uma personagem que se constitui pela fala, por meio da qual, exclusivamente, temos acesso aos acontecimentos passados e à sua percepção sobre eles, como é comum acontecer com a personagem de teatro”, explica.

Especialista na obra do autor mineiro, Hansen acredita que o teatro pode funcionar como uma porta de acesso ao universo de Rosa, mas que sua literatura é simples o bastante para um primeiro contato, porque tem uma poesia “mais próxima do falar sertanejo do que da academia.”

Com planos de encenar as três peças ao mesmo tempo, o ator pretende ter a chance de discutir três vertentes da obra de Rosa que permanecem contemporâneas -o amor, as relações do bem e do mal e a cultura do cancelamento, a partir da dialética e oralidade de “O Julgamento de Zé Bebelo”, que deve ganhar leitura aberta ainda este ano.

O DIABO NA RUA, NO MEIO DO REDEMUNHO

Quando 28/04 a 28/05 (sex. a dom às 19h)

Onde Teatro Sérgio Cardoso – av. Rui Barbosa, 153 – Bela Vista

Preço R$ 20,00 (meia) a R$ 40,00 (inteira)

Classificação 16 anos

Autoria Guimarães Rosa sob adaptação de Gilson de Barros

Elenco Gilson de Barros

Direção Amir Haddad

Acessibilidade Há acesso e circulação sem barreiras físicas, sanitário adequado e local reservado para cadeirantes com acompanhante

RIOBALDO

Quando 03/05 a 22/06 (qua. e qui. às 20h)

Onde Teatro Eva Herz – av. Paulista, 2073 (Conjunto Nacional, 2º Piso)

Preço R$ 30,00 (meia) a R$ 60,00 (inteira)

Classificação 16 anos

Autoria Guimarães Rosa sob adaptação de Gilson de Barros

Elenco Gilson de Barros

Direção Amir Haddad

Acessibilidade Há acesso e circulação sem barreiras físicas, sanitário adequado e local reservado para cadeirantes com acompanhante

BRUNO CAVALCANTI / Folhapress

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