SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ofensiva do Google contra o PL das Fake News fortalece a necessidade de transparência sobre os conteúdos das plataformas, dizem especialistas. Parte deles, porém, aponta que não há provas de que tenha ocorrido abuso por parte da empresa ao se posicionar contra o projeto.
Como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo, levantamento do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, indica que o Google tem privilegiado nos resultados de buscas sobre o projeto de lei conteúdo contrário à aprovação do texto. Também foram publicados alertas e mensagens para criadores de conteúdo no Youtube sobre o “impacto negativo” do texto.
À Folha de S.Paulo, nesta segunda-feira, o Google negou privilegiar links contra o PL em seu buscador e afirmou que seus sistemas de ranqueamento se aplicam para todas as páginas da web, incluindo aquelas que administra.
No mesmo dia, o Ministério Público Federal em São Paulo expediu ofício dando prazo de dez dias para que o Google responda sobre os critérios para os resultados nas buscas sobre o projeto.
Já nesta terça-feira (2) o governo Lula emitiu medida cautelar na qual obriga o Google a informar se tratar de publicidade o link em sua página inicial com os dizeres “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. O link foi removido pelo Google na mesma tarde.
Ivar Hartmann, professor associado do Insper, afirma não haver evidência de que o Google manipulou o resultado das buscas para prejudicar o projeto.
“Ferramentas que Google e Meta têm usado apenas evidenciam a necessidade do PL, mas não temos informação suficiente para afirmar que houve manipulação, o que é um problema. Isso mostra a necessidade de uma legislação para termos mais acesso a dados concretos e aí poder verificar se o Google manipulou ou não”, diz.
Especialista em telecomunicações e direitos digitais do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Camila Leite afirma que há fortes indícios de violação aos direitos do consumidor e à concorrência.
“É mais um exemplo de como as plataformas têm agido unilateralmente na contramão de diversos direitos, como o acesso à informação”.
Os mesmos aspectos são destacados pelo advogado Caio Vieira Machado, diretor-executivo do Instituto Vero. Para ele, só o fato de haver dúvida sobre a conduta do Google no caso já ilustra a necessidade de aprovação do PL das Fake News –no aguardo para votação na Câmara dos Deputados.
Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, acrescenta que já houve casos no Brasil de empresas que contrataram campanhas para desmobilizar entregadores de aplicativo por meio de contas falsas.
“Essas condutas ocultas são anômalas e podem sim ser repreendidas”, diz.
Professor da UERJ e da FGV, Anderson Schreiber afirma que as empresas de tecnologia não podem selecionar ou dar destaque a apenas um dos lados da discussão, o que desequilibra o debate público.
“Isso equivaleria a uma espécie de censura privada em que um dos lados acaba silenciado por meio da seleção de conteúdo”, diz, citando a previsão de pluralidade e diversidade nos meios digitais prevista pelo Marco Civil da Internet.
A advogada Micaela Ribeiro, da área de direito digital e proteção de dados do Medina Guimarães Advogados, acrescenta que o Google pratica manipulação omissiva, que é punível pelo Código de Defesa do Consumidor, e coloca em risco o exercício da democracia no país.
Pesquisador do Global Freedom of Expression, da Universidade de Columbia, o advogado Marco Antonio da Costa Sabino, sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos, discorda da interpretação e afirma que falta detalhamento para que o abuso seja caracterizado.
Advogada especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, Natanrry Reis afirma que houve apenas uma manifestação de opinião das empresas, o que não caracteriza abuso. Por outro lado, ela concorda que é preciso questionar se algoritmos foram usados para privilegiar apenas o conteúdo contrário ao PL.
SUPOSTAS VIOLAÇÕES COMETIDAS NA OFENSIVA DO GOOGLE
MARCO CIVIL DA INTERNET (LEI 12.965/2014)
Art. 3. A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
IV – preservação e garantia da neutralidade de rede;
Art. 9. O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI 8.078/1990)
Art. 6. São direitos básicos do consumidor:
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:
Pena: detenção de três meses a um ano e multa.
LEI DE DEFESA A CONCORRÊNCIA (12.529/2011)
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
IV – exercer de forma abusiva posição dominante.
GÉSSICA BRANDINO / Folhapress