SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) se recusou a responder sobre a permanência no governo do secretário Lucas Ferraz, de Negócios Internacionais, depois que uma confusão envolvendo a pasta e a empresa ucraniana Antonov gerou desgaste entre o Palácio dos Bandeirantes e o governo Lula (PT).
Nesta terça-feira (2), em entrevista à imprensa na Assembleia Legislativa, Tarcísio foi questionado duas vezes sobre o assunto e não respondeu. “Não vou falar sobre isso hoje”, disse. Interlocutores do governador, no entanto, afirmam que Ferraz deve permanecer no cargo.
O governador esteve na sede do Legislativo para entregar dois projetos de lei –um que prevê aumento de salário para policiais militares e civis e outro que estabelece o salário-mínimo paulista em R$ 1.550, representando um ajuste de cerca de 20%.
Na opinião de bolsonaristas e até de petistas, a demissão do secretário poderia sinalizar que Tarcísio estaria cedendo ao governo federal, já que Ferraz se tornou alvo de ministros de Lula que o acusam de fabricar fake news.
O deputado estadual Gil Diniz (PL), aliado de Tarcísio, afirmou na tribuna da Assembleia que a esquerda quer derrubar o secretário e disse apoiá-lo publicamente. “Tentaram envolver o secretário com narrativa falaciosa”, completou.
Depois dos boatos de que Ferraz seria substituído, na sexta (28), parte dos auxiliares do governador considera que o assunto foi superado e esclarecido –e que, portanto, o secretário não será demitido.
Outros aliados de Tarcísio, no entanto, afirmam que a questão está em aberto e que o governador ainda apura quais foram os erros e seus responsáveis. O episódio poderia servir de ensejo para que Tarcísio finalmente conseguisse atrair o empresário Marcos Troyjo para seu governo, algo que ele gostaria.
Na segunda (1º), em visita à Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação), em Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), Tarcísio disse que o caso Antonov está superado e que foi à feira para falar sobre o agronegócio.
A crise colocou o governador entre a pressão de bolsonaristas e aliados de Lula. Numa ligação que recebeu do presidente petista, como revelou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, Tarcísio procurou explicar o episódio a Lula.
Também nesta terça, Tarcísio defendeu, em entrevista à Globonews, a ida de Jair Bolsonaro (PL) à Agrishow, onde ele esteve ao lado do ex-presidente. O governador disse considerar mais grave a viagem de João Pedro Stedile, líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), à China na comitiva de Lula.
A organização da feira chegou a sugerir que o ministro da Agricultura de Lula, Carlos Fávaro, fosse à feira em outra data devido à presença de Bolsonaro. Fávaro afirmou ter sido “desconvidado”.
“A feira é um evento privado. Quem faz os convites é a própria Agrishow e qualquer pessoa pode ir lá. Qual é o problema do ex-presidente da República ir à Agrishow?”, questionou Tarcísio.
“Pra mim é menos grave o ex-presidente da República estar na Agrishow do que o líder do MST estar na China com o presidente da República”, completou.
“Eu pessoalmente liguei para o ministro Fávaro e disse: ‘ministro, você é muito bem-vindo ao estado de São Paulo e à Agrishow, e os produtores querem saber o que o Ministério da Agricultura tem a dizer’. […] Conversei com o presidente [Lula], ele me telefonou, e eu disse ‘não tem nada de mais’. Eu acho que o ministro deveria ir.”
Na feira, Tarcísio afirmou ter uma relação republicana com o governo Lula e disse que quem invadir terra em São Paulo terá a cadeia como destino.
Já o caso Antonov eclodiu na semana passada, após reportagem da CNN Brasil afirmar que a empresa ucraniana deixou de investir US$ 50 bilhões no Brasil devido a falas de Lula sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, o que foi apontado como fake news por petistas.
A CNN Brasil então publicou uma nota da secretaria comandada por Lucas Ferraz, na qual a pasta afirmava ter recebido representantes da Antonov para tratar do tema.
A empresa ucraniana, porém, afirmou por meio de nota que não tem representantes no Brasil, levando ministros de Lula a acusarem o governo paulista de espalhar informação falsa para prejudicar o governo federal.
Na sexta, enquanto aliados do petista cobravam investigação do caso pelo Ministério Público, redes bolsonaristas buscavam refutar as críticas, com base em nova reportagem da CNN em que um diretor da Antonov confirma uma negociação preliminar com o Governo de São Paulo.
Para integrantes do governo, a situação se tornou problemática porque deu margem para que ministros de Lula atacassem Tarcísio. A exploração política, dizem, é que foi determinante para que o mal-estar com o secretário se disseminasse no Palácio dos Bandeirantes.
Nos bastidores, auxiliares de Tarcísio veem uma série de erros cometidos por Ferraz, a começar por topar uma reunião com supostos representantes da Antonov sem ter certeza de que eles tinham ligação com a empresa e, em seguida, divulgar uma nota sobre a reunião sem aval da comunicação do governo.
Embora o assunto esteja sendo minimizado pelo entorno de Tarcísio, o potencial de desgaste do governo estadual permanece. Nesta terça, no plenário da Assembleia, o caso se tornou motivo de embate entre Gil Diniz e o líder do PT, Paulo Fiorilo (PT).
Fiorilo acionou o Ministério Público para apurar se houve má-fé do secretário.
“A gente começou a perceber que havia ali um grande engano e que o secretário de Negócios Internacionais acabou, de forma negativa, contribuindo para criar uma saia justa entre a Ucrânia, o governo brasileiro e o governo do estado. Espero sinceramente que o governador tome as medidas necessárias para que não se repita”, disse o petista.
O deputado apontou ainda que a proposta da Antonov apresentada ao Governo de São Paulo foi assinada “por dois brasileiros, um de escritório de advocacia na área penal e outro representante”.
Já o deputado Guilherme Cortez (PSOL) afirmou que encaminhou ao governo paulista um requerimento de informação para esclarecer o caso, e que o secretário não pode “utilizar de sua posição para espalhar desinformação”.
CAROLINA LINHARES / Folhapress