SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O COB (Comitê Olímpico do Brasil) esperava uma reação do seu Conselho de Ética. Mas o rigor da punição deixou os dirigentes do comitê atônitos e a discutirem como reagir.
Na manhã desta terça-feira (2), o Conselho aumentou a suspensão do oposto Wallace, do Sada Cruzeiro, de três meses para cinco anos. Não se contentou com isso. Determinou que a CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) seja desligada do sistema do COB por seis meses. Isso a impede de receber repasses financeiros, inclusive das loterias.
O Conselho decidiu enviar ofício ao governo federal e ao Banco do Brasil, que patrocina as seleções da modalidade, para que seja cancelado “todo relacionamento patrimonial ou não patrimonial que as entidades privadas possuam com a CBV e que tenha por pressuposto a participação da entidade no sistema olímpico, cujo vínculo deixa de existir na presente data”.
O conselho suspendeu por um ano Radamés Latari, presidente da CBV, e enviou ofício ao COI (Comitê Olímpico Internacional) informando as decisões tomadas.
No entender do órgão, Wallace, a Confederação Brasileira de Vôlei e o time do atleta descumpriram os termos da decisão porque ele entrou em quadra no último domingo (30), na final da Superliga masculina de vôlei.
Wallace saiu do banco de reservas e marcou o ponto que deu o título ao time mineiro.
Em nota, a CBV considerou a suspensão “totalmente desproporcional e pouco razoável pela total ausência de responsabilidade da CBV no ato que desencadeou o processo” e promete tomar medidas legais (leia o texto completo mais abaixo).
A decisão do Conselho, um órgão independente do próprio COB, criou um limbo para o vôlei em um ano em que se disputa o pré-olímpico, em que as equipes brasileiras devem disputar vaga para os Jogos de Paris-2024.
Wallace havia sido suspenso por três meses porque, no final de janeiro, publicou foto em sua conta de Instagram. Estava em clube de tiro, com uma arma na mão e abriu a caixa de perguntas do aplicativo para responder dúvidas de seus seguidores. Um deles questionou se usaria aquele revólver para dar um tiro no presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O jogador respondeu com a abertura de enquete questionando quem faria aquilo.
A punição ao jogador da seleção brasileira se tornou uma polêmica entre o Conselho de Ética do COB e o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) do vôlei.
O tribunal arquivou a denúncia contra o oposto por não ver relação entre o esporte e sua postagem no Instagram. Por outro lado, o órgão do comitê o suspendeu de qualquer atividade esportiva olímpica no país por três meses.
O atleta e o Sada Cruzeiro obtiveram uma liminar no STJD da modalidade (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), interrompendo a punição até o julgamento do mérito do recurso apresentado. Isso o liberaria para entrar em quadra nas fases finais da Superliga. Mas o Conselho de Ética avisou que a punição continuava valendo.
Cruzeiro e Wallace foram à CBMA (Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem) para mediar a situação do oposto. O Conselho do COB enviou ofício afirmando não reconhecer a autoridade da câmara sobre o assunto.
Em seu despacho, o Conselho de Ética pede que o presidente do COB, Paulo Wanderley, descredencie a CBMA. Pede também que o COI (Comitê Olímpico Internacional) seja informado das decisões.
Dirigentes ouvidos pela reportagem consideram que o Conselho de Ética pesou a mão na punição porque a briga se tornou uma disputa de egos. Wallace e a CBV teriam desafiado (sem necessidade, na visão de alguns deles) a suspensão imposta pelo órgão ligado ao COB. O presidente da confederação, Radamés Latari, teria sido avisado disso e ouvido pedido para que Wallace não jogasse a final.
Houve também irritação pelo entendimento de que o Conselho de Ética criou uma situação em que a sua própria existência ou formado atual podem ser questionados. A principal reclamação é que a entidade não poderia impor punições a uma confederação filiada ao COB. Isso poderia acontecer mediante apenas uma assembleia geral do Comitê.
Consultado pela reportagem, o COB não se pronunciou oficialmente. O advogado de Wallace, Leonardo Andreotti, disse ao jornal O Globo que a punição é “ilegítima e uma clara extrapolação de competências”.
Leia a nota enviada pela CBV:
“A CBV recebeu com perplexidade a decisão do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (CECOB), que suspende por seis meses a filiação da entidade ao Comitê Olímpico do Brasil (COB). A decisão chega ao absurdo de determinar a suspensão do repasse de recursos do COB à CBV e recomendar que entidades públicas ou privadas retirem seus patrocínios e apoios.
Na decisão, totalmente desproporcional e pouco razoável pela total ausência de responsabilidade da CBV no ato que desencadeou o processo, o CECOB não observa as regras do próprio estatuto do COB, ao não considerar a decisão do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), instância arbitral eleita pelo COB conforme ata de seu Conselho de Administração. Na decisão divulgada nesta terça-feira, o CECOB se contradiz ao pedir o descredenciamento do CBMA como instância arbitral, admitindo que hoje o órgão é competente para atuar nestes casos. Importante destacar que nem ao menos o sigilo do processo ético foi respeitado, uma vez que a imprensa tomou conhecimento da decisão antes mesmo de qualquer comunicado oficial à CBV.
Assim, a CBV se vê obrigada a tomar todas as medidas jurídicas cabíveis para garantir seus direitos, diante da ameaça à participação das equipes de quadra e de praia em importantes competições internacionais, e do risco aos patrocínios e parcerias que dão tranquilidade para o crescimento profissional de jogadores, para a realização de eventos de quadra e de praia, e para o desenvolvimento do voleibol como esporte e como instrumento social.
A CBV reitera que está muito segura das ações que tomou neste caso, todas elas respeitando a legislação e as normas que se aplicavam. Desde o início, a CBV buscou resguardar o voleibol, a Superliga, clubes, jogadores, patrocinadores e torcedores, mesmo sem ter relação direta ou responsabilidade sobre qualquer fato que gerou este cenário. E entende que toda esta comunidade do voleibol não deve ser prejudicada por atos praticados por terceiros ou decisões que extrapolam os limites estabelecidos na legislação.
A decisão do CECOB prejudica gravemente a preparação do vôlei brasileiro para os Jogos Olímpicos de Paris 2024, e impede a participação das equipes nos Jogos Pan-Americanos, nos Mundiais de base e nas etapas do Circuito Mundial de vôlei de praia. Apesar disso, a CBV garante que empenhará todo o seu esforço e seus recursos para manter a preparação dos atletas, de quadra e de praia, para estas importantes competições. E espera que o COB respeite seu estatuto e a legislação vigente, e não tome qualquer medida sem que a CBV tenha direito amplo e irrestrito à defesa.
A CBV também reitera que repudia qualquer tipo de violência ou incitação a atos violentos, incompatíveis com os valores de respeito e igualdade que norteiam o esporte.”
ALEX SABINO / Folhapress