A manutenção da taxa básica (Selic) no patamar de 13,75% ao ano nesta quarta-feira (3) pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central) é dada como certa pelo mercado financeiro.
A expectativa é que a decisão venha acompanhada de uma mensagem dura, em tom conservador, sobre os juros, em linha com as recentes declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, no Congresso.
Para os economistas ouvidos pela Folha, é improvável que o Copom sinalize quando os juros poderão começar a cair. A expectativa é de que a estratégia da autarquia siga inalterada apesar da intensa pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de outros membros do governo por um alívio nas taxas.
No Dia do Trabalho, em ato unificado das centrais sindicais na segunda-feira (1º), Lula voltou a criticar o atual patamar da Selic.
“A gente não pode viver mais num país onde a taxa de juros não controla a inflação. Ela controla, na verdade, o desemprego nesse país, porque ela é a responsável por uma parte da situação em que vivemos hoje”, disse.
Em entrevista à Folha publicada no domingo (30), o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, chamou Campos Neto de “empata gol” na economia e sugeriu que o Senado faça pressão sobre o presidente do BC.
Mauro Rochlin, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), vê a postura irredutível da autoridade monetária como reflexo desse “bombardeio”, que teria gerado um efeito contrário ao pretendido pelo governo.
“O Banco Central tem de mostrar que, de fato, é autônomo, que não se dobra a pressões e, portanto, faz a política monetária que achar mais adequada. Agora, a mais adequada é a que mostra que ele tem independência”, diz.
“Se esse debate todo não tivesse sido feito na cozinha, tivesse sido feito de maneira mais técnica, acho que nesse momento o Banco Central estaria mais à vontade para sinalizar uma flexibilização da política.”
O economista considera que a Selic foi ajustada em 13,75% ao ano em uma realidade muito diversa da atual e defende o afrouxamento da política monetária.
“Careceu uma recalibragem da taxa diante de um novo cenário, mesmo que a gente considere que houve um artificialismo na redução [da inflação de 2022], da canetada do governo Bolsonaro. Não vejo sentido em uma taxa Selic em 13,75%”, afirma.
O especialista se refere à mudança de alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis, capitaneada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a corrida eleitoral.
“Que a gente talvez ainda precise de uma dose de taxa de juros um tanto elevada, ok, mas está exagerada. A gente tem uma taxa em um patamar incompatível”, diz.
Na direção oposta, parte dos economistas considera que o vigor da atividade econômica e a contínua piora das expectativas de inflação mostram que o cenário doméstico ainda inspira cuidados e justifica a postura mais cautelosa do Copom.
Leonardo Costa, economista da ASA Investments, destaca a força do mercado de trabalho mostrada pelos dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), divulgados na última quinta-feira (27). Em março, o Brasil gerou 195 mil empregos com carteira assinada -alta de 97,6% na comparação com o mesmo período de 2022.
“A gente continuou a ver piora das expectativas e o ritmo da atividade surpreendendo para cima. São motivadores que atrapalhariam a convergência da inflação. Se destaca o mercado de trabalho, com Caged muito forte na semana passada. E houve uma piora na média de núcleos de inflação”, afirmou.
Apesar da desaceleração dos preços indicada pelo IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15), de 5,36% para 4,16% no acumulado de 12 meses, a inflação de serviços, que tem sido monitorada com atenção pelo BC, seguiu em um patamar alto em abril.
Costa ressalta ainda que a reoneração de impostos sobre combustíveis fará a inflação voltar a acelerar no terceiro trimestre e ficar longe do teto da meta de 4,75% para este ano -definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Segundo ele, a manutenção dos juros “parece bastante razoável” dado o ambiente doméstico.
Maurício Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, também não vê exagero no patamar de juros sustentado pelo BC e defende que a autoridade monetária trabalhe pela manutenção de um ambiente de inflação baixa para que o Brasil cresça de forma sustentável.
“O BC precisa de política monetária contracionista para fazer com que a atividade perca dinamismo. Infelizmente, é assim que funciona. Precisa criar ociosidade na economia para gerar espaço para a redução de uma inflação mais cíclica, inflação de demanda”, afirmou.
Quanto ao cenário fiscal, desde a reunião de março, a principal mudança foi a apresentação da proposta do arcabouço para substituir o teto de gastos. A nova regra foi entregue ao Congresso, mas a tramitação ainda não avançou na Câmara dos Deputados. Para o economista do Santander, ainda há muita incerteza no cenário.
“A gente não sabe ainda o desenho final da legislação. O Copom na última reunião deu a pista de como vai incorporar arcabouço na política monetária, falando que a conexão tem que ser feita através das expectativas de inflação, das projeções de dívida e dos preços de ativos”, ressalta.
Em termos de comunicação, Oreng espera que o BC reafirme a estratégia de sustentação da taxa básica de juros por período prolongado até ver sinais de convergência da inflação e que mantenha a mensagem sobre a possibilidade de voltar a subir os juros, embora não entenda essa frase como uma indicação dos passos futuros do Copom.
Embora não espere surpresas na reunião do Copom, Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, tem uma avaliação diferente de seus pares sobre a atuação do BC.
“Concordo que as expectativas ainda estão desancoradas e que a política monetária precisa ser restritiva ainda por um tempo mais longo. Mas o que acho que falta no debate é uma discussão sobre o grau de restrição. Na medida que a inflação caiu de seis meses para cá, a gente acaba tendo uma política mais restritiva porque a Selic está parada”, afirma.
Para ela, o BC está sendo duro demais nesse momento e é preciso debater o ajuste do grau de restrição da taxa de juros. “Você não precisa de uma taxa de juros tão restritiva para uma inflação que está se aproximando da meta”, acrescenta.
Vitória diz ter preocupação com a reação do governo na medida em que a Selic segue alta por mais tempo. “Existe uma preocupação adicional com relação ao crédito, com o governo voltando com os subsídios, com a atuação mais forte dos bancos públicos. Isso pode tirar potência da política monetária. Pode ser negativo”, diz.
A economista-chefe do banco Inter destaca que ter uma política monetária restritiva e uma política fiscal expansionista tem um custo muito grande para a economia. “Uma política acaba anulando o efeito da outra. O ideal seria que as duas tivessem na mesma direção.”
NATHALIA GARCIA / Folhapress