MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – É difícil estabelecer o tamanho do tesouro do rei Charles 3º, ainda que sua fortuna pessoal tenha sido estimada em £ 1,8 bilhão (R$ 11,3 bi). A dificuldade é que ela se divide entre dinheiro próprio, heranças da rainha Elizabeth 2ª, reservas familiares, rendas advindas de sua atual posição como rei e fundos da época em que era príncipe.
É muito mais do que Elizabeth 2ª acumulou em seus 70 anos de reinado. Quando a rainha morreu, em setembro passado, sua fortuna pessoal era estimada em £ 400 milhões (cerca de R$ 2,5 bi).
Mas as fortunas de Charles e da família real são tratadas como informações secretas pela monarquia, que não presta contas à população e ainda exerce privilégios impensáveis ao britânico comum.
Por exemplo: o imposto sobre herança no Reino Unido é de 40% –nos estados do Brasil, varia entre 2% e 8%. Mas a família real está isenta e, quando Elizabeth 2ª morreu, sua fortuna foi transmitida aos filhos sem o pagamento de um único centavo aos cofres públicos.
Para exercer suas funções como rei, Charles recebe uma espécie de salário, o subsídio soberano, que vale por um ano. O último foi de £ 86 milhões (R$ 543 mi). Esse dinheiro é usado em deveres oficiais da realeza, como folha de pagamentos e manutenção doméstica.
O dinheiro do subsídio soberano vem de um fundo de bens da monarquia administrado pelo Crown Estate. Esse patrimônio inclui shopping centers, ruas inteiras da capital Londres e parques eólicos, entre outros. Como no caso da herança, não paga impostos.
O jornal inglês The Guardian publicou nas últimas semanas uma série de reportagens investigativas para tentar estabelecer o tamanho da riqueza real e, apesar de dizer que é “impossível saber o valor total de seu patrimônio”, sua estimativa de £ 1,8 bilhão para Charles é duas vezes maior do que a imprensa costumava publicar.
Até então, o noticiário recorria à tradicional lista anual dos mais ricos do Reino Unido do jornal Sunday Times, e Charles figurava como tendo £ 600 milhões (R$ 3,8 bilhões).
O Guardian realizou uma auditoria abrangente, com a ajuda de doze especialistas, dos bens do rei, de centenas de imóveis e joias, passando por pinturas de Monet e Dalí, Rolls-Royces, selos raros e £ 27 milhões (R$ 170 milhões) apenas em cavalos.
Em resposta ao jornal, o porta-voz do rei disse: “Embora não façamos comentários sobre finanças privadas, seus números são uma mistura altamente criativa de especulação, suposição e imprecisão”.
Seja como for, parte da riqueza de Charles vem de espertas negociações empresariais da época que era príncipe e responsável pelo Ducado da Cornualha. Estabelecido ainda no século 14, o ducado foi criado para gerar renda para o herdeiro do trono britânico.
O então príncipe transformou o ducado, antes visto como um amontoado de terras feudais, em uma companhia com CEO e 150 funcionários. Estima-se que, em 2020, tenha recebido £ 21 milhões (R$ 132 milhões) como lucro dessa empresa.
Após financiar as despesas de Charles por décadas, hoje o ducado está nas mãos do príncipe William, seu filho. Mas, em seu lugar, Charles herdou outro, o de Lancaster, que é ligado ao cargo de rei ou rainha.
Isso não cobre os custos de segurança, que são pagos pelo governo britânico, mas também mantidos em segredo. O governo, muitas vezes aliado do monarca em questões de sigilo, alega que a divulgação de um único valor para toda a família, sem nenhum outro detalhe, constituiria uma ameaça inaceitável à sua segurança.
“A realeza guarda com rigor os segredos de sua riqueza financeira, insistindo que ela é ‘privada’, mesmo quando é claramente fruto de suas funções públicas”, anotou o Guardian. “Pergunte a outra pessoa”, “se vire” e “você não tem o direito se saber” são algumas das respostas recebidas por jornalistas quando perguntam sobre as finanças reais.
O Palácio de Buckingham afirma que os arquivos reais estão abertos a “qualquer pesquisador sério”. No entanto, eles são propriedade privada dos Windsor, que precisam conceder sua permissão para que os pesquisadores possam examiná-los.
Os testamentos de qualquer nobre da família, mesmo de membros obscuros, são censurados por decreto judicial. O palácio argumenta que os arranjos financeiros da realeza devem “permanecer privados, como seriam para qualquer outro indivíduo”.
De acordo com o Guardian, porém, “a névoa que envolve essas questões vem da confusão sobre o que pode ser legitimamente chamado de riqueza privada da realeza, o que pertence ao povo britânico e o que, como costuma acontecer, ambiguamente se estende entre os dois”.
IVAN FINOTTI / Folhapress