SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lulu Santos chega aos 70 anos se lembrando de quando ainda nem era um bebê. O cantor, que comemora mais um aniversário nesta quinta (4), com show transmitido por Globoplay e Multishow, e depois pela TV Globo, está assumindo os tons mais graves de sua voz, frequência sonora que, ele diz, é a primeira com a qual o ser humano tem contato.
“O grave é o som do planeta, o primeiro que o ser humano ouve, porque é o batimento cardíaco da mãe”, ele diz. “É a onda sonora que tem a amplitude mais larga e viaja mais longe. É por isso que o elefante ouve de distâncias inacreditáveis. E toda música contemporânea é acentuada no grave. A humanidade vai buscar seu próprio ponto de reverberação -e eu vou junto.”
As mais de sete décadas que separam o Luiz Maurício que ouvia os batimentos da mãe, ainda em seu útero, e o Lulu Santos que agora diminui os tons de sua música para cantar mais adequadamente, também são a razão por trás do conceito de sua nova turnê -com estreia marcada para São Paulo, em 3 de junho. Não à toa, o giro se chama “Barítono”.
“A idade importa, sim, e de uma forma interessante”, ele diz. “Não tenho os 28 anos que tinha quando gravei ‘Um Certo Alguém’ e ‘Último Romântico’. Talvez fosse mais agônico me ouvir tentando escangalhar minha voz para alcançar aquelas notas do que me ouvir confortavelmente emitindo uma voz que é naturalmente grave.”
Mas essa readequação do repertório -um dos mais conhecidos e admirados da música brasileira- de Lulu para os próximos shows faz parte de um processo, que começou com o “Acústico MTV”, de 2000. Na ocasião, ele já havia diminuído a tonalidade de suas músicas, e o álbum foi bem-sucedido.
Agora, o processo se aprofunda, no que Lulu chama de “despertar de um florescer tardio, como algumas outras questões do desenvolvimento do ser humano em mim”. Ele admite que gastou muito tempo e energia correndo atrás de uma extensão vocal que, hoje percebe, não é a sua.
Nesse novo entendimento, há espaço para músicas como “De Repente”, parceria dele com Nelson Motta do álbum “Normal”, de 1985, e que ele nunca cantou ao vivo, e “Esse Brilho em Seu Olhar”, de 1983. O repertório, além das dezenas de hits de Lulu, também vai ter “Orgulho & Preconceito”, de seu álbum mais recente -“Pra Sempre”, de 2019-, em nova roupagem.
No caso, a mudança acontece porque Lulu, hoje, não se vê tão satisfeito com seu último disco. “Devia ter sido mais corajoso”, ele diz. “Eu teria feito um trabalho melhor do que simplesmente alocado para produtores que não têm tanta relação com o que eu costumo fazer. Mesmo para mim, pareceu um pouco artificial.”
É o oposto do que ele sente em relação a “Popsambalanço e Outras Levadas”, disco de pegada mais dançante e experimental que ele lançou em 1989. “Tem ideias tão boas e motivos tão bons ali que eu poderia ter contado com uma pessoa que me ajudasse a realizar aquilo de alguma forma.”
São alguns poucos reparos que Lulu faria numa carreira de quatro décadas em que forjou um pop brasileiro embebido de rock, funk, R&B e o que mais coubesse em sua estética. Uma presença que está incrustada na vivência brasileira -em abertura de novela, remix de DJ popular, cântico de torcida de futebol e até nome de música, caso do recém-lançado álbum “Músicas para Fumar Balão”, dos rappers cariocas Derxan e Big Bllakk, que ele ouviu e aprovou.
Uma trajetória que começou ainda nos anos 1970, como guitarrista da banda Vímana, de rock progressivo, que tinha Ritchie na voz e Lobão na bateria. Esse último, que Lulu conhece desde os 15 anos de idade, surgiu nos últimos dias em áudio vazado chamando o novo setentão de traiçoeiro, ciclotímico e “uma diva”.
“Você sabe que eu adorei as coisas que ele falou?”, ele diz. “Ciclotímica é a designação da psicose maníaco-depressiva, que tem ciclos de euforia e tristeza, e acho que todo mundo tem isso um pouco. E diva? Eu adorei!”
Apesar de ter estourado para o país no caldo do rock brasileiro dos anos 1980, Lulu nunca foi exatamente um roqueiro convencional. Hoje, não nega a influência do estilo, mas diz que de rock gosta daquilo que é pop, reafirma o que sentiu em 1994 -quando se aproximou da pista de dança com o álbum “Assim Caminha a Humanidade”-, de que o gênero era demasiadamente branco, masculino e limitante.
À sua maneira, Lulu trilhou um caminho alheio a movimentos e gêneros musicais. Sua máxima de que o brasileiro ouve música “pelo coração ou pela bunda”, de certa forma, pode ser aplicada à sua própria obra -sentimental demais para ser só balanço, e balançada demais para ser só sentimento.
Ele se vê sempre em busca do futuro, como David Bowie no álbum “Young Americans”, nos anos 1970, e cita suas conexões com o funk. “Já gravei com MC Marcinho, com Claudinho e Buchecha -e eles já me gravaram-, levei o Mr. Catra ao [meu show no] Rock in Rio”, diz. “Eu sou o subversivo do rock. Não me venha com fundamentalismos que vou rir na cara.”
BARÍTONO: LULU 70 ANOS
Quando 4 de maio (quinta-feira), a partir das 21h
Onde Globoplay (para não assinantes) e Multishow
Autoria Lulu Santos
LUCAS BRÊDA / Folhapress