SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Três anos após a China registrar a primeira morte de Covid-19, o mundo possui hoje diversos mecanismos de defesa contra o vírus, como medicamentos antivirais, anticorpos monoclonais e, claro, as vacinas, que foram desenvolvidas em tempo recorde: dez meses.
As vacinas foram testadas e aprovadas e, em menos de um ano do anúncio dos primeiros estudos, o imunizante chegou ao braço da população em dezembro de 2020. Mas o trabalho até chegar aos mais de 13 bilhões de doses aplicadas não foi fácil.
Nesta sexta-feira (5), após mais de três anos e quase 7 milhões de mortes, a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou que a Covid-19 não é mais uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (Espii).
Isso ocorreu pelo investimento em peso de diversos países para desenvolver imunizantes eficazes contra o coronavírus ainda em 2020, com mais de 200 candidatas naquele ano. Só nos Estados Unidos, foram mais de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 60 bi).
Dezenas atravessaram o chamado “Vale da Morte”, normalmente impeditivo para uma vacina sair dos testes em laboratório para a aplicação em milhares de pessoas na vida real.
Agora, estudos em andamento apostam em formulações da chamada terceira geração de imunizantes, que utilizam o material genético ou proteínas do vírus para induzir a resposta imune, mas o patógeno em si -no caso, o Sars-CoV-2-, não entra na formulação.
Estão nesta categoria as vacinas de RNA mensageiro (mRNA), como a da Pfizer/BioNTech, da empresa de biotecnologia americana Moderna e da CanSinoBio, na China, e as de proteína, como a Novavax.
A expectativa, assim, é que fórmulas de vacinas tradicionais, incluindo aquelas com o vírus inativado, como a Coronavac, produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac e, no Brasil, pelo Instituto Butantan, ou com vetor viral, isto é, quando um outro vírus -por exemplo, um adenovírus- é modificado com parte do material genético do coronavírus, mas não causa infecção, fiquem para trás.
Isso porque hoje sabemos que o Sars-CoV-2 possui uma taxa de mutação elevada, algo que não era esperado no início da pandemia. Com novas variantes surgindo em todo o mundo, as vacinas que utilizam o material genético ou partes do vírus na composição são mais facilmente adaptadas, enquanto as versões tradicionais necessitam da incubação do novo vírus para depois fabricação da nova fórmula, o que demanda mais tempo e dinheiro.
“No início, era importante vacinar a população com o imunizante que estava disponível. Agora é o momento de fazer uma vacina mais direcionada para essas variantes e, no futuro próximo, atualizar periodicamente”, explica o virologista e professor da Unesp de São José do Rio Preto, Maurício Nogueira.
VARIANTE CIRCULANTE
Em muitos países, a vacina da Covid deve entrar em um calendário anual de imunização, como já ocorre por exemplo com a vacinação contra a gripe. É o caso do Brasil, que vai vacinar apenas grupos de risco, como idosos, gestantes e imunossuprimidos, contra a Covid juntamente com a gripe.
Por essa razão, vacinas facilmente adaptáveis devem ser a escolha mais óbvia. Na produção de uma vacina de mRNA, a troca da sequência genética do vírus, incluindo aquela sequência que sofreu uma mutação na versão em circulação, é feita em poucos segundos em laboratório.
“O Reino Unido apostou nessa estratégia também, de vacinar apenas os grupos de risco com a vacina bivalente, enquanto os EUA liberou para todos os adultos”, diz o infectologista e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda.
A vacina da gripe também é atualizada anualmente ou a cada dois anos segundo a cepa dominante, explica Nogueira. Porém, o mecanismo de mutação do vírus influenza é um pouco diferente do coronavírus, já que uma mudança muito forte de uma geração para a outra pode prejudicar a entrada do vírus nas células.
No caso do Sars-CoV-2, as mutações, que são aleatórias, se concentram mais na região da proteína S (ou espícula, o gancho molecular usando pelo vírus para entrar nas células do hospedeiro) ou na região de ligação com o receptor (sigla RBD), e normalmente as formas que predominam apresentam uma ligação mais refinada ou então conseguem fugir naturalmente dos anticorpos que atuam nessa região.
SPRAY NASAL
Outra expectativa é que cresçam as pesquisas de formulações que sejam inaláveis. As vacinas usadas atualmente são injetadas no músculo, caindo na corrente sanguínea onde entram em contato com as células de defesa e estimulam a produção de anticorpos específicos contra o vírus. Já as vacinas inaláveis ou de spray nasal têm a mesma função, mas elas estimulam também a defesa do organismo já no lugar onde são aplicadas, isto é, nas mucosas do nariz e garganta.
Nestes locais, que são a porta de entrada do vírus no corpo, existem barreiras naturais do nosso organismo contra qualquer invasor, e uma dessas barreiras é dada pela produção de anticorpos do tipo IgA, que são produzidos em baixa ou quase nenhuma quantidade nas vacinas injetáveis.
Os anticorpos chamados IgA (imunoglobulina tipo A) atacam rapidamente o patógeno, atuando assim para impedir a replicação do vírus e garantem proteção contra a infecção. “É de se esperar que a proteção contra infecção nas vacinas não atualizadas contra a ômicron sejam bem menores, mas com uma vacina inalável ou em spray você age na porta de entrada do vírus sendo, assim, possível prevenir a infecção”, afirma o diretor médico do grupo Fleury, Celso Granato.
FUTURO DAS VACINAS
É provável que o futuro das vacinas da Covid, embora tenham novas formulações e adaptações em desenvolvimento, veja uma queda no interesse quando passar a emergência sanitária global.
Em muitos países, especialmente do continente africano, as coberturas vacinais do esquema primário ainda são baixas, e o reforço com as vacinas bivalentes estão ainda distantes.
Isso porque com os gastos cada vez mais altos de aquisição de novas doses toda vez que uma nova variante surge o acesso dos imunizantes fica limitado apenas aos países ricos.
Com a escassez de políticas de acesso às vacinas e com uma desigualdade vacinal entre países ricos, com cada vez mais doses, e países de baixa renda, com menos de 10% da população com duas doses, novas variantes podem continuar a surgir nesses países, e as fabricantes de vacina continuem em uma corrida de ‘gato e rato’.
COMO FUNCIONA CADA TECNOLOGIA DE VACINAS
Vacina de vírus inativado – é feita a partir de vírus modificado para não ser infectante, como a vacina da gripe. O organismo reconhece o vírus como algo estranho e produz anticorpos específicos de defesa. Necessita de grandes testes de segurança para garantir que nenhum processo da produção contém o vírus infectante
Vacina atenuada – princípio semelhante às vacinas inativadas, mas o vírus não está morto, só foi modificado para ser menos infectante, gerando ainda resposta imune. Um exemplo é a vacina da febre amarela
Vacina de vetor viral – utiliza um outro vírus, como o adenovírus (vírus comum de resfriado em humanos), modificado para carregar um trecho do RNA do coronavírus, responsável por codificar a proteína S (ou Spike, usada pelo vírus para se ligar às células do hospedeiro). Esse material genético do vírus, quando liberado na célula do paciente, induz a produção da proteína S, o que, por sua vez, provoca uma reação de defesa do organismo na forma de anticorpos anti-Sars-CoV-2
Vacina de RNA ou DNA – possui apenas o material genético do vírus envolto em uma espécie de cápsula de transporte, normalmente de origem lipídica (gordura). No organismo, libera o RNA do vírus nas células, estimulando a produção da proteína S nas células, que, apresentadas na superfície celular, induzem a resposta protetora
Vacina proteica – mesmo princípio das vacinas de RNA mensageiro, com a diferença que não é toda a sequência genética do vírus, mas sim as partes que eles traduzem (proteínas) envoltas em um envelope de transporte. Induz a resposta contra a proteína S do Sars-CoV-2
ANA BOTTALLO / Folhapress