Após 88 anos, matemáticos avançam em ‘teorema da festa’ durante encontro no Rio

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um organizador de eventos tem a missão de promover uma festa em que 30% dos convidados se conhecem ou 30% não se conhecem. Para quantas pessoas ele tem de enviar o convite?

O exemplo é uma forma de apresentar o teorema proposto pelo britânico Frank Plumpton Ramsey (1903-1930), segundo o qual sempre é possível encontrar certo tipo de padrão em uma estrutura grande o suficiente.

Ou, no exemplo da festa, que existe um número finito de pessoas (R) a serem convidadas para que k convidados se conheçam ou não se conheçam.

A proposição desafia matemáticos do mundo todo há décadas e, recentemente, rendeu a pesquisadores que atuam no Brasil uma menção na revista Nature e elogios de William Timothy Gowers, ganhador da Medalha Fields, conhecida como “Nobel da matemática”, em 1998.

“Basicamente todos os pesquisadores de combinatória tentaram arduamente responder essa pergunta, incluindo eu”, escreveu Gowers em seu perfil no Twitter. “Parabéns ao Marcelo, Simon, Rob e Julian”.

O brasileiro Marcelo Soares Campos, os ingleses Simon Griffiths e Robert David Morris e o canadense Julian Sahasrabudhe avançaram no que os matemáticos chamam de limite superior, algo que não ocorria desde 1935, quando os húngaros Paul Erdos e George Szekeres estabeleceram condições para o Teorema de Ramsey.

Erdos e Szekeres demonstraram que, para haver k pessoas na festa que se conhecem ou não se conhecem, é necessário ter no máximo 4k convidados. Agora, os cientistas concluíram que o máximo é 3,995k.

A mudança de 0,005 pode parecer irrisória, mas suas consequências podem estimular mais pesquisas com o teorema e causar impactos na ciência da computação, área bastante ligada à combinatória.

“Mais pessoas vão trabalhar nesse problema e conseguiremos um entendimento melhor desse tipo de estrutura”, diz Campos, que concluiu em março o doutorado no IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro, e em junho embarca para o pós-doutorado na Universidade de Oxford (no Reino Unido).

“Um teorema é uma verdade matemática que deduzimos a partir de certas posições muito básicas, com as quais qualquer pessoa concordaria”, explica Campos.

O desafio é que nem sempre os resultados condizem com essa verdade. Ou então parece que condizem, mas lá pelos trilhões começam a surgir falhas. Se houvesse o teorema “todo número ímpar é um número primo”, por exemplo, as primeiras respostas confirmariam a ideia porque, de fato, 1, 3, 5 e 7 são primos. Mas o 9, que pode ser dividido não apenas por 1 e por ele mesmo como também por 3, refutaria a proposta.

O raciocínio desenvolvido nesse processo de tentar provar um teorema pode ser usado em outras áreas, como a física, para resolução de problemas.

“Para provar que a proposta é verdadeira, precisamos mostrar que ela vale para qualquer configuração, e no nosso grupo imaginamos que estamos lidando com um adversário. Ele escolhe as configurações mais difíceis e nós temos que verificar”, conta Campos.

O adversário ocupa o imaginário dos pesquisadores desde 2018, quando Sahasrabudhe, atualmente professor na Universidade de Cambridge, realizava pós-doutorado no IMPA e começou a trabalhar com Morris, professor no instituto, e Griffiths, docente na PUC-Rio.

O trio formulou inúmeras propostas. Às vezes, parecia que tudo estava dando certo, mas vinha o oponente invisível e triunfava de novo. Em 2021, Campos se juntou ao grupo e a batalha continuou.

Os cientistas realizavam reuniões para discutir o problema e, a cada início de ano, se encontravam pessoalmente no curso de verão do Impa para passar as semanas em frente a uma lousa, tendo o giz como arma.

“Só agora, em 2023, achamos uma estratégia que realmente funcionou”, afirma Campos.

A princípio, o grupo não acreditou no resultado. Depois de tantas derrotas, eles tinham certeza de que o rival encontraria uma brecha na linha de raciocínio. “É uma sensação de apreensão, de que as coisas podem desmoronar, de que podem achar um erro a qualquer momento”, descreve o brasileiro.

A confiança veio teste após teste. Depois de dias de verificação, eles começaram a acreditar que tinham, de fato, alcançado um avanço no Teorema de Ramsey.

O processo será submetido a uma das maiores revistas científicas na área da matemática e tem sido compartilhado em congressos. Em um deles, Gowers estava na plateia e posteriormente confessou ter ficado com receio de sentimentos como “se eu tivesse me esforçado um pouco mais, eu mesmo poderia ter solucionado esse problema”. Porém sentiu o oposto.

“A prova era muito diferente do argumento que eu estava tentando empregar, e não creio que eu a encontraria. Então, mesmo que um pequeno sonho tenha morrido, estou muito feliz de ver essa importante descoberta”, escreveu.

STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress

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