Final de semana, vivemos mais uma páscoa. Insisto em transitar nos meus dias, como se isso me levasse a um ponto qualquer, que me desse um norte, um sentido que a vida às vezes oculta. Quando criança, odiava a páscoa porque odeio chocolate. Como pode um ser humano odiar chocolate? Pois eu odeio. Não suporto o gosto amargo, o amargor me deprime, mexe por dentro, causa ânsia. Por essas e por outras, nasci poeta, como dizia um velho amigo. Os poetas destilam o amargo e aos poucos o transformam na doçura, mesmo a contragosto. Entendi a páscoa quando frequentei a igreja e desafiei um velho padre italiano a me demonstrar, na prática, a renovação dos seres. Ele abriu a janela da sacristia, deixou uma réstia de luz entrar e me disse: – pronto, está renovado! Eu ri sem parar. Ele saiu de mansinho. Na verdade, eu ria de mim mesmo, incapaz de reconhecer as coisas complexas na simplicidade do que nos cerca. Fernando Pessoa, na vezes de Alberto Caeiro, tem um dos versos mais profundos da existência, quando disse que “ sentir é estar distraído”.
Não há pascoa, quando ela vem da razão. Páscoa vem do aramaico “pashã”, que significa passagem, transformação. Quem busca isso com lentes e binóculos, não a encontra. É preciso distração para a constatação. A luz que desafiou a fresta da janela, transformou o ambiente, e só por isso, transformou-me também. Sabedoria é assim, a prática indiscriminada do atropelo justificado. A ciência é a confirmação do imprevisto. A evolução humana deve isso aos distraídos. Na idade média, a escolástica, que é uma tentativa de conciliar fé com ciência, provocou a humanidade e deixou marcas indeléveis em ambas as partes. Como buscar a transformação na sociedade que se transforma imersa no lodo das mentiras e das sugestões de cabeceira, das verdades não verdadeiras, dos caminhos desencontrados, na magia das ilusões baratas? Simples, distraindo-se para entender, distraído, a complexidade das frestas de luz e da evolução. Não há mistérios, há misteriosos.
Minha páscoa é minha sina. Raul Seixas preferia ser uma metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Isso é páscoa. O pronto me assusta, o projeto me acende. Isso é páscoa. Ser de direita ou de esquerda é tão pequeno, prefiro a ordem da destruição para o infinito compromisso da construção. Isso é páscoa. Não vejo homens nem mulheres, vejo gente. Isso é páscoa. Repugno os donos da verdade, amo os caçadores de sabedoria. Isso é páscoa. Tenho náusea de quem ilude, admiro os que compartilham. Isso é pascoa. Rejeito os que traem e subtraem, acolho os que somam. Isso é páscoa. Desconfio da sobriedade, alimento-me da paixão. Isso é páscoa. Refuto os que se escondem, entrego-me aos que se doam. Isso é páscoa. Ovos de chocolate e coelhinhos são muros de lamentação. Isso não é páscoa.