Imigrantes se aglomeram em ruas do Texas na véspera do fim de expulsão automática

EL PASO, EUA (FOLHAPRESS) – Em sua primeira semana vivendo nas ruas de El Paso, no Texas, o nicaraguense Jaime García, 28, teve suas roupas roubadas enquanto elas secavam num muro e o celular levado enquanto a bateria carregava.

“Não consigo falar com minha família e não consigo sair daqui”, diz o imigrante, que se soma às centenas de pessoas que se aglomeram nas imediações de uma igreja no município na fronteira com o México.

García, como muitos ali, quer arranjar dinheiro para viajar a Denver, mas não consegue trabalho para juntar os US$ 90 (R$ 445) da passagem do ônibus que cruzará os 1.000 km até a cidade no estado do Colorado.

Pela quantidade de gente em busca desse montante, falta trabalho em El Paso e é difícil arranjar bicos —García tentou por três meses, enquanto viveu num abrigo após chegar ao país pelo México, mas como não conseguiu emprego teve de liberar o espaço para novos imigrantes. Foi viver nas ruas da cidade texana.

Os EUA enfrentam uma explosão de migrantes tentando entrar no país. Em 2022, foram 2,6 milhões de pessoas flagradas cruzando a fronteira de maneira irregular pelo México, número sem precedentes na história americana recente. Só nos primeiros três meses deste ano, foram mais de 500 mil pessoas.

O fluxo é formado quase totalmente por imigrantes pobres fugindo da crise generalizada que tomou a América Latina após a pandemia, acentuada em regiões que já viviam emergências humanitárias agudas, caso de Venezuela, Haiti e outras regiões dominadas por grupos criminosos na América Central. Em menor número, há ainda imigrantes vindos de países distantes como Rússia, China e Índia.

No contexto da emergência sanitária da Covid, o governo dos EUA, ainda no mandato de Donald Trump, lançou então mão do Título 42, medida que permite expulsar migrantes sem que nem sequer fossem considerados seus pedidos de asilo, algo que a administração atual, de Joe Biden, manteve. De março de 2020 a março de 2023, foram 2,8 milhões de expulsões com base nesse instrumento.

Mas, com o fim da emergência decretada devido à crise sanitária, nesta quinta (11), o recurso será extinto, em meio ao aumento no número de travessias irregulares —com base na crença de que agora ficará mais fácil entrar nos EUA. O resultado se vê nas ruas de El Paso, com pessoas dormindo em papelões, tendas improvisadas para fugir do sol inclemente, roupas em muros e banheiros químicos enfileirados.

O padre Rafael García, um cubano que vive há cinco décadas nos EUA, cuida da paróquia Sagrado Coração, onde os migrantes se amontoam. Em suas contas, há cerca de mil pessoas no entorno da igreja, escolhida por ser um lugar de menor assédio dos agentes de fronteira e dos policiais da cidade.

“Os EUA têm uma enorme capacidade de receber gente. É um país rico, grande e de pessoas generosas. O problema é que a porta de entrada está congestionada e é muito difícil conseguir asilo —é preciso provar que você está fugindo de uma ameaça ou é perseguido político. O sistema precisa ser reformado”, diz ele.

O padre diz que, antes, o fluxo maior era de nicaraguenses, mas hoje os venezuelanos são quase a totalidade dos que lhe pedem ajuda. Um deles é Duan José Rodríguez, 43, que chegou a viver em Boa Vista, no Brasil, em 2018, mas voltou a Caracas porque a mulher estava grávida e não queria deixar o país natal. Desta vez, vieram os dois juntos, mas os filhos, de 3 e 5 anos, ficaram na Venezuela, com tios.

O casal, conta ele, deixou a Venezuela em outubro, mas demorou a chegar aos EUA porque foi parando e trabalhando no meio do caminho para conseguir dinheiro. “Os policiais de cada país pegam todo seu dinheiro, foi um sacrifício chegar aqui”, afirma ele. Após cinco meses, eles pularam o muro, passaram sob os arames farpados e atravessaram o raso Rio Grande em época de seca —as barreiras que separam Ciudad Juárez de El Paso. Nesta terça, no entanto, decidiu se entregar para os agentes de imigração.

A decisão, afirma Rodríguez, se deu porque autoridades federais passaram a tentar convencer os imigrantes de que seria melhor enfrentar o rito da migração e marcar uma audiência para ver um juiz. Os agentes lhes garantiam que elas não seriam presas ou deportadas agora, num esforço para liberar as ruas da cidade, que se transformou em símbolo da dificuldade em lidar com a chegada dos estrangeiros —a princípio, a estratégia deu certo, e a movimentação em El Paso diminuiu ao longo do dia.

Mas a quantidade de pessoas ali é tamanha que o venezuelano só conseguiu uma data para ver um juiz em 2026. Até lá, carrega papéis que dizem que eles podem permanecer no país enquanto a audiência não acontece, os documentos mais importantes que têm. Rodríguez, que tinha um pequeno comércio em Caracas antes de emigrar, diz à Folha que é perseguido político na Venezuela e que não pode voltar ao país de origem enquanto o regime atual estiver em vigor —base do seu pedido de asilo.

Agora, porém, não precisou justificar nada disso às autoridades. Apenas indicou quem era seu “patrocinador” no país, um amigo que vive no estado de Utah e é responsável por abrigá-lo. O processo será analisado pelo juiz no próximo encontro. Se o pedido não for aprovado, os imigrantes podem ser deportados e sofrer uma proibição de cinco anos de entrar novamente em solo americano.

Mas nem todos estavam convencidos de que se entregar era a melhor opção. Em ruas mais afastadas da igreja, muitos questionavam se seriam presos. José Abraham, 18, outro venezuelano, diz ter ficado preso por uma semana após se entregar a autoridades americanas do outro lado da fronteira.

No centro de detenção, tiraram adereços, cadarço e cinto, enquanto ele aguardava o processo. Recebia três refeições simples por dia —uma laranja pela manhã, um burrito no almoço e um sanduíche à noite—, dormia no chão, porque não havia colchonetes suficientes, e se cobria com um cobertor de alumínio.

Uma semana depois, porém, conseguiu sair com uma data marcada para ver um juiz, em 2025. Em El Paso, com sorte, como ele mesmo afirma, conseguiu juntar o dinheiro para ir a Denver. Não escondia a emoção de partir. O jovem, que viveu antes na Colômbia e no Equador, resume o sentimento: “Saí sozinho do meu país com 15 anos para tentar ter uma vida melhor, e agora espero conseguir”.

THIAGO AMÂNCIO / Folhapress

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