SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu diminuí muito o meu ritmo de trabalho depois que virei mãe”, me conta Débora Falabella, numa longa conversa na tarde da última terça-feira, no MIS, o Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, onde à noite assistiria a uma exibição do longa “Bem-Vinda, Violeta”, seguida de um debate.
Entre a entrevista e a programação da noite, jantaria com a família para comemorar o aniversário da criança -que já nem é mais uma criança, tem 14 anos- junto com o marido, que também é o diretor de seu novo filme, Fernando Fraiha, além de seu primeiro marido, Chuck Hipolitho, e a namorada dele.
“A maternidade tem que ser um projeto coletivo, toma muito tempo, cada vez mais. E, no meu caso, é. Estamos os cinco quase sempre juntos, e quando um está fora a trabalho os outros se unem ainda mais para cuidar desse ser que nós amamos tanto”, afirma.
Tinha vindo do Rio de Janeiro naquela manhã e voltaria para lá no primeiro voo da manhã seguinte. Mantém um apartamento na cidade, onde fica quando tem trabalhos que exigem uma estadia prolongada. Como é o caso agora, em que voltou a gravar uma novela depois de seis anos longe dos folhetins da TV aberta.
Débora é mineira, de Belo Horizonte, mas mora em São Paulo, onde também ficam os outros dois membros de sua companhia, formada em 2005, a Grupo Três de Teatro. São a atriz e diretora Yara de Novais e o ator Gabriel Fontes Paiva, todos mineiros.
“Minha formação é o teatro e é o lugar em que eu realmente me sinto mais à vontade”, diz. “Precisa de muita gente para fazer cinema, para fazer TV, e teatro não, teatro é uma coisa mais artesanal, é acessível para qualquer ator, por isso sou muito apegada a essa linguagem.”
Ela se casou pela terceira vez recentemente, com o diretor Fernando Fraiha. O romance começou bem depois do fim das filmagens de “Bem-Vinda, Violeta” terem sido concluídas, no fim do primeiro ano de pandemia. “Foi um romance de montagem, ele me disse que tem esse nome”, ri a atriz. “Sabe aquela história ‘vem assistir o primeiro corte do filme comigo?’, aí você vai, depois sai para jantar, toma um vinho e tal? Foi assim.”
O longa, baseado no livro “Cordilheira”, lançado em 2008 por Daniel Galera, foi filmado na Terra do Fogo, um arquipélago no extremo sul da América, entre o Chile e a Argentina. Conta a história de Ana, papel de Débora, que participa de uma residência para escritores coordenada por um argentino chamado Holden, papel de Darío Grandinetti (de “Fale Com Ela”), que tem um método radical e quase cruel em que os autores precisam viver como se fossem seus personagens na vida real para poder desenvolver suas tramas imaginadas.
Tudo acontece em um casarão decadente rodeado pela cordilheira dos Andes, na pontinha mais ao sul do continente. É um filme tenso, frio, cheio de confrontos verbais e no qual a realidade e a ficção vão se tornando cada vez mais intrincadas.
Débora interpreta em espanhol o tempo todo, língua que não falava no dia a dia há 20 anos, desde que fez seu primeiro trabalho na televisão, a novela infanto-juvenil “Chiquititas”, do SBT, gravada na Argentina.
“Entrei na última temporada, e era uma coisa incrível, primeiro eles gravavam a novela argentina, e no ano seguinte chegava um monte de atores, atrizes, pais e mães das crianças e tal, todos brasileiros, para aproveitar a estrutura e refilmar a novela em português para o SBT”, lembra.
“Eu não falava espanhol em cena e convivia com muitos brasileiros. Mas a gente ficava morando um tempão lá, então tinha que se virar, e acabei aprendendo a língua”, conta.
Débora também passou uma temporada na Argentina no começo das filmagens de “Avenida Brasil”, novela considerada um fenômeno mundial de audiência que foi ao ar na Globo 11 anos atrás e desde então foi licenciada em 150 países e dublada em 19 línguas.
Ela vivia a personagem central da trama de João Emanuel Carneiro, Rita, que adota o nome de Nina para se vingar da vilã Carminha, personagem de Adriana Esteves. Carminha era sua madrasta, mas, quando fica viúva de seu pai abandona Nina ainda bebê em um lixão do Rio de Janeiro.
“Eu sofria muito para interpretar a Nina porque ela era muito contida e tinha aquela amargura da vingança. Quem se divertia nas gravações de ‘Avenida Brasil’ era a Adriana [Esteves]”, conta.
Em “Terra e Paixão”, novela que está no ar desde segunda-feira, Débora vive outra personagem difícil, Lucinda, uma mulher aparentemente poderosa e racional, gerente da cooperativa da cidade fictícia em que a trama se passa, Nova Primavera, no Mato Grosso do Sul, mas que, em casa, sofre violência doméstica quando seu marido, personagem de Ângelo Antônio, exagera na bebida. O casal também lida com os problemas do filho albino, que sofre bullying na escola.
“Hoje em dia a TV têm muita preocupação em não mostrar cenas que possam ser agressivas ou nocivas, tanto no noticiário quando nas novelas. Então, nas cenas de violência, o público vê o marido dando um empurrão na mulher e depois vai entender exatamente o que aconteceu quando vir as marcas na minha personagem”, conta a atriz, que já gravou sua primeira cena em que apanha do marido bêbado.
“Gravei metade num dia e metade no outro, então tive que entrar naquela vibração logo cedo, tinha que estar muito alterada, abalada, foi muito difícil. Me botaram a maquiagem com os machucados e eu percebi que várias mulheres no estúdio estavam muito tocadas só de me ver daquele jeito, uma pessoa chegou perto de mim e as mãos dela estavam tremendo”, conta.
Mas nem tudo há de ser tão trágico no destino de Lucinda, acredita Débora. “É uma novela do Walcyr [Carrasco], né? Tudo pode acontecer”, diz atriz, entre risos. “Minha personagem, por exemplo, é irmã da personagem da Tatá Werneck, então eu não sei nem dizer se eu estou mesmo num núcleo de drama, apesar dessa situação muito séria. O Walcyr deixa milhões de possibilidades no ar.”
Já na série “Aruanas”, cuja segunda temporada foi ao ar na Globoplay no último dia 9, Débora volta a interpretar Natalie, uma das quatro ativistas e protagonistas da trama, ao lado de Leandra Leal, Taís Araújo e Thainá Duarte, que lutam pelo ambiente.
A primeira temporada tinha a Amazônia como foco, mas agora é a poluição urbana, causa de tantas doenças respiratórias, que está na mira dessas mulheres destemidas, que ousam levar adiante o projeto da ONG Aruana num país com tradição machista como o Brasil, e que além de tudo é um dos que mais mata ativistas no mundo.
Débora ainda planeja dirigir seu primeiro filme nos próximos anos, baseado em uma peça que fez como atriz e produtora antes de ser mãe, chamada “Mantenha Fora do Alcance do Bebê” e que trata da maternidade com toques de realismo fantástico. “Não quero virar diretora, sou uma intérprete. Mas quero contar essa história, tenho essa vontade”, afirma.
Maternidade não é apenas um assunto na vida de Débora Falabella. É o centro de tudo, a força ao redor da qual todos os satélites, sejam eles sua carreira brilhante e devidamente condecorada, seus amores, sua vaidade, suas amizades. E ela gosta tanto desse estilo de vida que, aos 44 anos, alimenta o desejo de ser mãe novamente.
Se isso for fazer com ela siga o ritmo profissional desacelerado que diz ter adotado depois da maternidade, tudo bem.
TETÉ RIBEIRO / Folhapress