LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – Dez anos após a legalização do comércio recreativo de maconha por dois estados americanos, a indústria da droga cresceu exponencialmente. Hoje são mais 20 estados com a droga legalizada e 18 que liberaram seu uso medicinal. Em 2022, esses estados venderam US$ 30 bilhões (R$ 150 bilhões) em cânabis, mais que o mercado exportador de carne brasileira.
Mas os números estratosféricos minguam quando comparados às vendas ilegais que ainda florescem nos mesmos estados: US$ 77 bilhões, ou 72%, de acordo com dados de uma empresa de análise do setor.
A diferença abre a cortina de fumaça das complexidades do negócio da maconha. Para especialistas, o fato de a droga continuar ilegal no âmbito federal empurra os desafios para estados e municipalidades, que se contorcem para regular um mercado que, por décadas, viveu sem regulamentação nenhuma.
Na Califórnia, maior mercado do país, as vendas não regulamentadas foram estimadas em US$ 8 bilhões contra US$ 5,4 bilhões do comércio legal em 2022. Entre os estados sem legalização, Texas lidera a lista com vendas ilícitas estimadas em US$ 6,4 bilhões, de acordo com o relatório da New Frontier Data.
“A legalização ainda está bem no seu começo. Na real, ainda vivemos a proibição”, diz Dominic Corva, professor na universidade Cal Poly Humboldt, no centro histórico de produção de maconha do país. “Não existe um estado com a melhor política pública de legalização. Cada um tem uma história. Mas estamos andando para frente. Para consumidores, para quem poderia ser preso, são avanços importantes.”
Na Califórnia, que parece reunir todas as mazelas da legalização, a maconha é, na verdade, lícita em menos da metade do estado. Apenas 39% dos 58 condados e 482 cidades permitem o comércio da droga, o que deixa produtores sem prateleiras licenciadas para distribuir suas mercadorias. Altas taxas de imposto estadual e municipal dão o incentivo extra para vendas ilícitas.
Para Cat Packer, que liderou a criação do Departamento de Regulação da Cânabis de Los Angeles, a proibição federal estimula a existência do mercado ilícito. Ela afirma entender, porém, por que certas municipalidades não querem a legalização. Além da burocracia e da falta de investimento, conhecimento e entusiasmo, existe o medo de repetir o que aconteceu com o fim da proibição do álcool em comunidades de baixa renda com população negra e hispânica.
“Há ceticismo com esse tipo de negócio. Certas comunidades não têm nenhum mercado ou hospital, mas têm dez lojas de bebidas”, diz Packer, que deixou a prefeitura de Los Angeles em 2022 e hoje é uma das diretoras da Drug Policy Alliance, organização pioneira na defesa da reforma política de drogas no país. “Nos negócios, há dificuldade na transição de um mercado não regulamentado para um altamente regulamentado e taxado”, afirma, citando falta de acesso a capital e bancos devido à proibição federal.”
Em Los Angeles, maior mercado consumidor do mundo, há, segundo estimativas, entre 700 e 1.000 operadores ilegais de lojas e serviços de delivery, contra 354 estabelecimentos que operam com as devidas licenças (e pagam 34% em impostos). Em Nova York, onde a venda recreativa começou há cinco meses, há cerca de 1.400 locais ilegais para cinco licenciadas (13% de imposto).
Para Packer, Nova York não será uma nova Califórnia, apesar do potencial para ser o segundo maior mercado, ao lado da Flórida. O histórico nova-iorquino é mais restrito na legalização prévia do uso medicinal, além de cobrar menos imposto e burocracia nas licenças.
Já a Califórnia foi o primeiro estado a liberar o uso medicinal da planta, em 1996, mas só começou a regulamentar o mercado em 2015 –o uso recreativo veio em 2018. Mesmo antes da legalização, havia excesso de oferta e distribuição para fora do estado, o que é ilegal devido à proibição federal.
“Foram 20 anos sem regulamentação. E não são apenas uns cem fazendeiros em transição. São uns mil”, diz Packer. “A Califórnia quer colocar a pasta de dente de volta no tubo, enquanto Nova York está apertando o tubo devagarinho.”
Questionada sobre a possibilidade de legalização federal, Packer diz duvidar que acontecerá num futuro próximo. “O governo federal não sabe o que fazer com a cânabis. É muito evidente.”
Além de fugir de impostos e distribuir drogas não testadas, o mercado ilícito esconde outros problemas, como questões ambientais e condições de trabalho análogas a escravidão. Numa série de reportagens, o jornal Los Angeles Times reportou confisco de salários em mais de 200 fazendas, tráfico de pessoas e mortes de 35 trabalhadores num período de cinco anos. Desvio de água, poluição de córregos com pesticidas e desmatamento de reservas florestais são outros agravantes das produções ilegais.
“Deveríamos estar envergonhados por termos permitido essa abordagem caótica na legalização”, disse o senador Dave Cortese, um democrata de San Jose. “A indústria da cânabis é como o Velho Oeste.”
Corva, da universidade de Humboldt, descreve o mercado ilícito como composto de várias camadas. Inclui o crime organizado e empresas gananciosas, mas também “famílias apenas tentando sobreviver”.
“A economia rural na Califórnia está em queda livre”, diz. Ele afirma que o “green rush” (corrida verde) no estado acabou após os últimos dois anos de baixa no preço da cânabis. Muita gente deixou fazendas na região ou realocou para pastos menos saturados, como Oregon e Oklahoma. “Parte da ganância se foi. Humboldt precisa agora de um caminho mais sustentável. Há um certo otimismo voltando.”
FERNANDA EZABELLA / Folhapress