Repasse de recursos para Embratur vira alvo de campanha do Sistema S

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma nova regra que prevê destinar 5% dos recursos arrecadados por Sesc e Senac para a Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo) entrou na mira do Sistema S.

Federações e confederações empresariais atuam para impedir a aprovação da proposta no Congresso, argumentando que a transferência de verba compromete a manutenção de programas de educação e treinamento em todo o país.

A regra consta da medida provisória do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), que trata de benefícios para companhias aéreas e empresas ligadas ao entretenimento. O texto foi aprovado no fim de abril pela Câmara e aguarda apreciação do Senado.

Durante a análise na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) inseriu dois artigos estabelecendo a transferência para a Embratur de 5% dos recursos que hoje vão para o Sesc (Serviço Social do Comércio) e Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

De acordo com as entidades, que são administradas pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a medida pode acabar com unidades em mais de 100 cidades, provocando o fechamento de 31 mil vagas gratuitas de ensino profissional e 7.700 da educação básica.

No caso do Sesc, o cálculo é que R$ 121 milhões deixariam de ser investidos em atendimentos gratuitos. Já o Senac diz que a transferência de recursos seria responsável pelo encerramento de 29 centros de formação profissional, com corte de R$ 140 milhões em atendimentos.

Somados, o orçamento das duas entidades fica em torno de R$ 8 bilhões por ano, dinheiro que vem do recolhimento compulsório de 1,5% sobre a folha de pagamento das empresas do setor de bens, serviços e turismo.

Nas últimas semanas, Sesc e Senac começaram uma mobilização para barrar a medida, com abaixo-assinado, envios de SMS e vídeos com participação de artistas. Até a publicação deste texto, a petição online havia recebido mais de 430 mil assinaturas.

Representantes de confederações que gerenciam entidades do Sistema S também enviaram uma carta aos senadores pedindo a retirada do dispositivo da MP.

José Roberto Tadros, presidente da CNC, diz que a proposta é uma “excrescência jurídica, social, econômica e política”.

Segundo ele, o Sistema S é privado, e os valores destinados ao Sesc e ao Senac não são recursos públicos. Haveria, na visão da confederação, entendimento no STF (Supremo Tribunal Federal) de que os valores destinados às entidades devem ser utilizados exclusivamente para este fim.

Marcelo Freixo, presidente da Embratur, discorda. “O dinheiro do Sistema S é um dinheiro público, oriundo de impostos e que tem efeito no preço dos produtos”, diz.

A Embratur, cuja missão é promover o Brasil no mundo para atrair mais turistas, também se opõe ao argumento de que a medida vai prejudicar as atividades do Sesc e Senac.

De acordo Freixo, o orçamento de ambas instituições tem uma sobra de R$ 2 bilhões por ano. Considerando que o total arrecadado gira em torno de R$ 8 bilhões, os 5% destinados à Embratur representariam cerca de R$ 400 milhões.

“É um quarto do que sobra do Sesc e Senac”, afirma. “Quando dizem que vão ter de parar as atividades, isso não corresponde aos números que estão no próprio Portal da Transparência deles”, acrescenta.

Freixo diz que, internamente, o receio do Sistema S não é com os impactos desta medida em si, mas que ela abra precedentes para novos pedidos cobiçando o caixa das instituições.

Tadros afirma ser falacioso dizer que existe sobra no orçamento. “Isso é sofisma, da mais grosseira possível. O que há, na verdade, é investimento e recursos carimbados, provisionados”, afirma.

Segundo ele, o Sesc tem R$ 1,3 bilhão no caixa, mas um total de R$ 1,7 bilhão em obras compromissadas –um déficit de R$ 400 milhões, caso as obras ficassem prontas.

“Mesmo se houvesse reservas, essas reservas são nossas. Isso [transferência de recursos para a Embratur] se chama desapropriação. O Brasil não é um país comunista. Não é pecado ter reservas, se fosse verdade”, afirma o presidente da CNC.

“Reivindicar meter a mão em recursos privados e vir com argumentos falaciosos, baseados numa planilha ridícula, é o que nós não vamos engolir”, acrescenta.

A Embratur argumenta que a destinação de recursos pode funcionar como um fator multiplicador. Ao aquecer o turismo no Brasil, haveria um aumento da demanda por serviços e comércio. Com isso, as empresas contratariam mais trabalhadores e a contribuição sobre a folha –principal fonte de receita do Sesc e Senac– cresceria.

De acordo com Freixo, só no primeiro trimestre de 2023, turistas deixaram R$ 8 bilhões na economia local. “Esses R$ 8 bilhões foram para restaurantes, hotéis, comércio e foram para o Sesc e Senac, para a CNC. Ou seja, eles arrecadam com isso. Então, na verdade, os 5% deveriam ser entendidos como um investimento”, diz.

Segundo ele, a proposta nasceu de um estudo encomendado à FGV (Fundação Getúlio Vargas) para encontrar fontes de financiamento.

Isso porque, em 2019, a Embratur deixou de ser uma autarquia federal e foi retirada do Orçamento da União. Por medida provisória, o governo de Jair Bolsonaro mudou a natureza jurídica da agência, mas sem fonte de financiamento definida.

Segundo Freixo, a ideia inicial era destinar 15% da arrecadação do Sebrae, mas o dispositivo foi retirado do texto.

Caso os artigos na MP do Perse não sejam aprovados, a agência diz que não terá nenhum orçamento para investir na atração de turistas estrangeiros e precisará parar totalmente suas ações de promoção.

“Temos uma empresa de promoção de todo o turismo brasileiro sem nenhuma fonte de financiamento”, diz Freixo. “Não queremos mais dinheiro, queremos uma fonte [de receita] para ter uma promoção [do turismo], porque hoje não tem.”

Tadros afirma que a Embratur não cumpriu seus objetivos e ainda não mostrou a que veio. “O que ela fez? Recebe 5 milhões de turistas por ano? O Uruguai que é um microcosmo de país recebe 8 milhões”, diz.

“No dia que foi criado o Ministério do Turismo, não havia necessidade de haver Embratur. Se existe, que o governo dote o Ministério do Turismo de recursos e a pasta aloque esses recursos na agência”, acrescenta.

O que é o Sistema S

Conjunto de entidades gerenciadas por federações e confederações empresariais, segmentadas por tipo de setor econômico. São classificadas como privadas e não têm vínculo administrativo com o governo. Oferecem serviços de ensino, treinamento, pesquisa e lazer

De onde vem o dinheiro?

Da contribuição compulsória das empresas, que é recolhida da folha de pagamento dos trabalhadores. As alíquotas de cobrança variam a depender do setor

Como o dinheiro é repartido?

As contribuições são recolhidas pela Receita Federal, que repassa para as entidades.

Entidades que integram o sistema

Sesi (Serviço Social da Indústria)

Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial)

Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio)

Sesc (Serviço Social do Comércio)

Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural)

Sescoop (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo)

Senat (Serviço Social de Aprendizagem do Transporte)

Sest (Serviço Social de Transporte)

Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)

THIAGO BETHÔNICO / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS