SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça Federal determinou reintegração de posse no quilombo Kalunga, em benefício dos membros da comunidade, localizada no interior do estado de Goiás.
Na decisão, o juiz Thadeu José Piragibe Afonso determinou a retirada do local de qualquer pessoa que não possua a Certidão de Registro de Imóvel e que não pertença à comunidade Kalunga, ou seja, não esteja registrado ou reconhecido pela associação quilombola.
Situado na Chapada dos Veadeiros, o quilombo é considerado um dos maiores do Brasil. É também conhecido pelas atrações turísticas como cachoeiras e outras áreas do cerrado. A comunidade está na região há 250 anos.
A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público Federal e acatada no dia 15 de maio. Na decisão, o magistrado dá prazo de dez dias para que as pessoas que estejam de forma irregular no território quilombola deixem o local voluntariamente.
Segundo o texto, caso isso não ocorra, o cumprimento da reintegração de posse deverá ocorrer com a participação da União, do estado de Goiás, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e da Fundação Cultural Palmares.
“Por meio de ações concertadas e coordenadas, no prazo de até 30 dias, sob pena de multa de R$ 10 mil reais por dia de descumprimento. Desde já, autorizo o uso de força policial, devendo ser oficiadas a Polícia Federal e a Polícia Militar do estado de Goiás”, diz o juiz.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás informou que vai cumprir a decisão.
A reportagem procurou Incra, Fundação Palmares e o governo Lula através dos ministérios da Igualdade Racial, da pasta de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e da Secretaria de Comunicação Social. Nenhum dos órgãos respondeu até a publicação do texto.
O juiz determinou ainda que os entes citados elaborem plano conjunto de fiscalização a fim de coibir novos atos de invasão do território quilombola, além de perícia de georreferenciamento para identificação e mapeamento das invasões.
“Intimem-se pessoalmente os presidentes do Incra e da Fundação Cultural Palmares”, diz o magistrado.
No quilombo Kalunga moram cerca de 8.400 pessoas. Ele é formado por 39 comunidades em um território de 262 mil hectares. Porém, apenas 34 mil hectares foram definitivamente titulados. A área do quilombo já foi delimitada pela Fundação Cultural Palmares.
A comunidade é reconhecida como sítio histórico e patrimônio cultural e certificada como remanescente de quilombo. Em 2009, foi declarado o interesse social, para fins de desapropriação, dos imóveis abrangidos pelo território e localizados nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás.
Uma das queixas da comunidade é que a região é afetada pela atuação de grileiros.
“Nós estamos sofrendo há muito tempo, principalmente nesses últimos anos de gestão, com a questão das ameaças de fazendeiros e de grileiros”, diz Carlos Pereira, presidente do quilombo Kalunga.
“Vemos com bons olhos, brilho de alegria, com essa possibilidade de se livrar dessas ameaças. Tem área que, por exemplo, é de atrativo [turístico], mas que está na mão de grileiro, tem área que é das famílias usarem para pesca e está na mão de grileiros. Essa decisão é uma das maiores vitórias que a gente teve”, afirma.
O procurador da República Daniel Azeredo, autor da ação, afirma que é muito comum observar no Kalunga a presença de pessoas que não são da comunidade, realizando atividades proibidas no território.
“A importância [da decisão] é enorme. É um ecossistema ambiental importante e a comunidade quilombola Kalunga vive ali há anos, conservando esse meio ambiente, e é um direito deles, amparado constitucionalmente”.
Após a reintegração, as pessoas consideradas como invasoras do local poderão recorrer à Justiça.
TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress