RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – Dez anos depois da inauguração, a Arena de Pernambuco vive um cenário bem diferente do observado no período da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014. O estádio tem legado sob questionamento por elevado custo aos cofres públicos, dificuldade de acesso e promessas descumpridas
Sport, Santa Cruz e Náutico, os três principais times de futebol do estado, fazem apenas jogos esporádicos no local.
O estádio, pertencente ao governo de Pernambuco, fica localizado em São Lourenço da Mata, na região metropolitana do Recife, a 19 km da capital, e tem capacidade para 45,5 mil torcedores. O primeiro jogo oficial no estádio foi em 22 de maio de 2013, um amistoso em que Náutico e Sporting, de Portugal, empataram por 1 a 1.
O anúncio da construção da arena foi feito em 2009, após a definição das 12 cidades-sede do Mundial de 2014. À época, o governo pernambucano optou por fazer o estádio em uma área de mata no Grande Recife, sob a promessa de que a área urbana avançaria até o local.
O então governador Eduardo Campos (PSB) prometeu a construção da “Cidade da Copa” ao redor do estádio, em quatro etapas, entre 2014 e 2025, com investimentos de mais de R$ 1 bilhão, entre recursos públicos e privados.
O bairro planejado teria 40 mil residentes, hospital, centro de convenções, dois hotéis, quatro escolas, faculdade, centro administrativo político e comércios até 2025, além do estádio.
“A obra incompleta da Cidade da Copa até hoje faz a gente dizer que esse legado termina sendo duvidoso. Se tivesse feito o que estava no papel, talvez fosse diferente. Passada a Copa do Mundo, o projeto foi abandonado”, avalia o secretário de Turismo e Lazer, Daniel Coelho, nomeado pela atual governadora, Raquel Lyra (PSDB).
O acesso ao estádio é outro fator complicador. O metrô do Recife não tem acesso direto ao local. Após desembarcar na estação mais próxima, o usuário precisa pegar ainda um ônibus. Em dias de jogos grandes, o governo estadual monta um esquema de transporte especial com ônibus expressos partindo do Recife.
O acesso de carro foi facilitado nos últimos anos, mas ainda é complexo. A saída da região próxima à arena durava até duas horas em dias de estádio lotado. Atualmente, com duas rodovias como alternativa, o percurso é mais fluido.
“Houve um erro inaceitável de concepção. Nos estádios mundo afora, você sai do metrô e já está na frente do estádio. A arena em si não é tão longe, o problema é de trânsito. E o metrô é mais complexo”, observa Coelho.
Antes mesmo da inauguração, o antigo consórcio gestor do espaço, formado pela construtora Odebrecht, pela gestora inglesa AEG e pelo governo estadual, firmou um contrato com o Náutico para que o time recebesse jogos no local, deixando o estádio dos Aflitos, tradicional reduto do clube.
Em troca, o Náutico recebeu R$ 5 milhões para investir em seu centro de treinamento e tinha a garantia de uma verba de R$ 350 mil a R$ 500 mil por mês pela participação no Campeonato Brasileiro, a depender da série em que estivesse.
Na esfera esportiva, o clube foi atingido negativamente. Com as dificuldades de acesso à arena, a torcida não comparecia expressivamente com frequência, o que foi o estopim para o movimento de volta para casa. Em dezembro de 2018, o Náutico retornou aos Aflitos.
Nesse intervalo, a Arena de Pernambuco deixou de render para o Náutico financeiramente. Isso porque, em 2016, o governo estadual rompeu o contrato com a Odebrecht e assumiu sozinho a gestão do estádio, o que afetou os repasses ao clube.
O Náutico entrou com ação na Justiça para receber indenização em razão da quebra do contrato. De acordo com o presidente do clube, Diógenes Braga, o processo tramita em segredo de Justiça.
“A Arena tinha um contrato que foi quebrado, não pelo Náutico. Não ter um vínculo contratual foi um elemento importante [para voltar aos Aflitos]”, afirma Diógenes.
Fora dos gramados, a construção do estádio também é alvo de investigações. O Tribunal de Contas do Estado definiu, em fevereiro, que houve um sobrepreço de 81.306.446,60 (data-base maio de 2009) na obra.
Atualmente, o espaço gera um custo mensal de R$ 650 mil ao governo estadual para manutenção. Como a receita gira em torno de R$ 200 mil, há um prejuízo médio de mais de R$ 400 mil mensais aos cofres públicos, segundo a Secretaria de Turismo e Lazer.
O governo de Pernambuco também informou que paga uma dívida de R$ 3 milhões por mês em decorrência do rompimento do contrato anterior com a Odebrecht.
“É um bom equipamento, mas com desafios imensos. O governo que construiu não pagou, e a dívida ficou para o povo de Pernambuco por 35 anos. Cabe ao governo [atual], concordando ou não, pagar essa dívida. Além do desafio de custeio”, diz o secretário de Turismo.
A administração estadual, à época sob o comando de Paulo Câmara (PSB), assumiu, em 2016, uma dívida de R$ 237 milhões com o distrato, a ser paga entre 14 e 15 anos.
Para tentar reduzir o deficit, a arena tem recebido, além de poucos jogos de futebol, shows e feiras de turismo de negócios. “Só o futebol profissional não sustenta”, diz Daniel Coelho. “Precisamos melhorar a captação com patrocínios, seja com o naming rights ou com patrocinadores menores, além da identificação de eventos privados.”
O clube que manda seus jogos na Arena é o Retrô, vice-campeão pernambucano em 2022 e 2023 e participante da Série D do Campeonato Brasileiro. A equipe cogita a construção de um estádio próprio futuramente, mas, sem prazo, pretende continuar atuando na Arena de Pernambuco.
Outros clubes usam o espaço em jogos esporádicos, como Náutico, Sport e Santa Cruz, sobretudo em casos de impossibilidade de atuação nos seus estádios ou em jogos com demanda de público maior.
O Sport pode jogar um período em São Lourenço da Mata em 2024 caso as reformas que são planejadas para a Ilha do Retiro, como melhorias no gramado, iluminação e rede elétrica, choquem-se com períodos de competições oficiais.
“Contratamos um escritório arquitetônico para que [o projeto de reforma] esteja pronto em até 180 dias. É possível que façamos em fases”, diz o presidente do clube, Yuri Romão.
O presidente da FPF (Federação Pernambucana de Futebol), Evandro Carvalho, vê o legado da Arena de Pernambuco como positivo. Segundo ele, é preciso que os clubes compreendam a dimensão do estádio e passem a levar jogos decisivos para a praça esportiva.
“A cada ano que passa, os clubes vão se conscientizando de que devem utilizar mais a arena. A final da Copa do Nordeste foi a última que tivemos em estádio particular. A partir do próximo ano, o regulamento já consignará o direito da CBF de indicar arenas para as finais. Não haverá [final] em estádios onde a cidade tenha arena”, diz Evandro.
O governo estadual tenta convencer clubes e a FPF a levar as finais da edição de 2024 do Campeonato Pernambucano para o campo em São Lourenço da Mata. O movimento faz parte da tentativa de dar fôlego ao estádio.
Em 2023, a Arena de Pernambuco recebeu 12 jogos. O maior público, 27,5 mil, foi no clássico Sport x Santa Cruz pela Copa do Nordeste. A média de público foi de 4.260, menos de 10% da capacidade do estádio.
O Retrô, time que mais frequenta o estádio, teve seu jogo com maior presença de torcedores no duelo de ida da final do Pernambucano, contra o Sport, com 7.000 torcedores.
A reportagem tentou contato com o ex-secretário extraordinário para a Copa em Pernambuco, Ricardo Leitão, mas ele não atendeu às ligações.
JOSÉ MATHEUS SANTOS / Folhapress