CAMAMU, BA (FOLHAPRESS) – Uma área de 63 hectares cercada por mata atlântica na Costa do Dendê, na Bahia, guarda um banco de germoplasma com variedades de cana-de-açúcar que remontam ao período do descobrimento do Brasil e espécies modernas usadas no melhoramento genético para produzir supercanas do futuro.
A propriedade, em Camamu, cidade de 35 mil habitantes, é considerada um berço da cana no país e mantém espécies ancestrais do Brasil e de outros países, além de híbridas, num acervo que supera 5.400 variedades.
Mantido pelo CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), o maior banco genético de cana do país desenvolve canas que, em primeiro corte, têm condições de render mais de 200 toneladas por hectare e chegam a 4 m de altura -o rendimento cai com o passar dos anos e a indicação é que haja renovação dos canaviais a cada cinco anos. Como comparação, na safra 2022/23, a produtividade média por hectare projetada no país pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) foi de pouco mais de 70 toneladas, incluindo lavouras de todas as idades.
Camamu foi escolhida há cinco décadas por ter as condições climáticas ideais -2.100 milímetros de chuvas por ano, altitude (125 m acima do nível do mar) e temperatura (média de 24,5ºC)- para o florescimento da cana, a formação de pólens e a fertilização, segundo a gerente de melhoramento genético do CTC, Luciana Castellani.
Mais de 30 variedades surgiram na fazenda e, segundo o centro de pesquisas, um em cada três hectares com cana no país usa variedades desenvolvidas em solo baiano. O ganho médio de produtividade é de 3% por safra, segundo o centro.
A gerente disse que o melhoramento genético é essencial para o crescimento da produção canavieira no país. Segundo dados do IBGE e da Conab, a produção avançou de 2,5 milhões de hectares, em 1980, para 10 milhões de hectares em 2022, com a diferença de que 60% das lavouras hoje estão em ambientes considerados intermediários ou desfavoráveis. Em 1980, 75% das plantações estavam em locais ideais.
“Cresceu para ambientes com solos mais pobres, por meio de híbridos melhorados. Com o trabalho feito em Camamu, selecionamos as características desejadas em cada planta [para criar variedades melhores]”, disse.
O período de florescimento e de cruzamentos genéticos ocorre de maio a meados de julho e envolve catalogação das plantas conforme cerca de 30 características, entre as quais origem, produção de açúcar e resistência a pragas. O processo envolve modelos matemáticos para análise da genotipagem.
O processo nasce a partir da avaliação das canas com flores na lavoura. As escolhidas pelos pesquisadores, conhecidas como genitores, são colocadas numa solução química após serem cortadas para manterem suas características até o fim do cruzamento.
Após as escolhidas serem transportadas até os galpões da fazenda, os casais são formados e isolados numa estrutura conhecida como lanterna, com proteção de plástico para evitar que pólens de outros locais atrapalhem o processo, segundo Aparecido de Moraes, 54, melhorista do CTC que atua no melhoramento genético e acompanha todo o processo.
Depois de 14 dias, elas são retiradas do local pelos pesquisadores, que extraem as sementes que posteriormente serão enviadas para a sede do CTC, em Piracicaba (a 160 km de São Paulo), onde serão transformadas em mudas e enviadas a polos para desenvolvimento.
Durante todo o processo, os lotes são identificados por códigos de barras que permitem o acesso a todas as características das plantas.
A cana, como outras culturas, tem espécies precoces, médias e tardias. Para permitir que o florescimento e todo o ciclo do melhoramento genético ocorram na mesma época do ano, os pesquisadores induzem o processo, para antecipar o florescimento das canas tardias e, com luz artificial no campo, atrasam o florescimento de variedades precoces.
REDUÇÃO DE TEMPO
O CTC surgiu em 1969 como uma unidade de pesquisas da Copersucar, para desenvolver inovações tecnológicas para o setor sucroenergético, mas só conseguiu lançar sua primeira variedade de cana-de-açúcar 14 anos depois, em 1983. Hoje, o processo foi reduzido e ocorre, em média, em oito anos, o que significa que uma possível nova variedade atual só deve ser usada comercialmente na próxima década.
Em 2004, o CTC tornou-se uma instituição de pesquisas sem fins lucrativos que passou a reunir cooperados da Coopersucar, usinas e fornecedores e, sete anos depois, virou S.A. e tem como acionistas grupos do setor que respondem por 60% da capacidade produtiva do país.
A primeira variedade transgênica no mundo, feita pela empresa, teve aval da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para uso comercial em 2017, tendo como principal característica a resistência à broca, maior praga das lavouras e responsável então por perdas estimadas em R$ 5 bilhões por safra.
Na safra 2022/23, o CTC registrou lucro de R$ 91,4 milhões, decréscimo de 31,8% em relação à anterior, com receita líquida de R$ 367,1 milhões e margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) de 39,3%, totalizando R$ 144,5 milhões.
A receita líquida também recuou, 12,9%, como reflexo do fim da vigência da proteção de cultivares e do direito à cobrança de royalties das variedades CTC 1 a 5.
Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento totalizaram R$ 200,1 milhões no acumulado do ano, alta de 19,1% em relação à safra anterior.
PESQUISAS
Para não correr risco de perder a história da cana na Bahia, o centro mantém um back up de todas as variedades em Piracicaba.
As canas ancestrais, embora menos produtivas que as geneticamente modificadas e mais frágeis a doenças, são mantidas pelo CTC e por outros órgãos que atuam no setor como uma espécie de banco mesmo, para que seja possível acessar a qualquer momento suas características, como a quantidade de açúcar existente nelas, segundo Moraes.
“No futuro pode ser preciso usar no melhoramento uma variedade que tenha essas características”, afirmou.
Além do CTC, outras organizações atuam no melhoramento genético no país. O Centro de Cana do IAC (Instituto Agronômico de Campinas), órgão do governo paulista, também desenvolve espécies modernas, com alto potencial de produção e com variedades mais propícias, por exemplo, à produção de energia, por terem alto índice de fibras e de biomassa, enquanto outras variedades têm como destaque o alto teor de sacarose, utilizado para produzir açúcar.
A Ridesa (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético), que envolve universidades federais, também possui bancos de germoplasma, em Murici (AL) e Amaraji (PE), locais que também são considerados propícios para pesquisas sobre novas variedades.
MARCELO TOLEDO / Folhapress